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    Uma peladinha no Maracanã
    Jorge Reis-Sá
    2020/07/12
    E7
    Não esperem análises sérias sobre o Famalicão ou sobre futebol. Não esperem análises, sequer. Ou esperem sentados, senão cansam-se.

    Aqui

                    Não sei se já o disse, mas nunca me canso de o repetir: a casa dos meus avós é a 200 metros do Campo dos Bargos, a casa do Famalicão. No meio fica outra religião: a igreja de Calendário. Aos domingos, há muitos anos, saía de casa com o meu avô pelas três menos vinte (os jogos eram à três) passávamos a rua para ir chamar o Nela, vizinho e quase meu avô também, ladeávamos o cemitério, víamos a torre da igreja “que de sombra nos cobriu a infância” e fazíamos a ladeira de paralelo até ao campo. Mostrávamos o cartão de sócio e entrávamos para os cativos. Eram três menos cinco. Quando as equipas entravam, ouvia-se “então hoje vai jogar com o Menad na esquerda?”, e sentávamo-nos. A claque cantava, as palmas rejubilavam corações, começavam os impropérios contra a mãe do senhor vestido de preto e era impossível ouvir-se o sino da igreja a bater a hora certa.

                    Esta crónica é triste porque no jogo com o Benfica eu ouvi o sino. E estava em casa, a acompanhar o jogo pela televisão – e a casa da minha avó só foi a minha até aos meus quatro anos. Estava em Lisboa e ouvi o sino a bater as horas certas. Quase chorei. Porque me lembrou que estou longe dos meus avós, votados à solidão dos oitenta anos por causa de um vírus assassino, e porque percebi que estamos todos longe de quem amamos e longe do que amamos – o nosso clube.

                    Ouve-se o árbitro a falar com os jogadores; ouve-se o Defendi a gritar “Patrick!”, o Fábio a ouvir “Estás só! Estás só!” e rodar sobre si mesmo para mais um passe de letra. Ouvem-se os gestos do João Pedro Sousa a informar o Anderson que tem de marcar o espaço, não o jogador. Ouve-se o Veríssimo calado porque não tem nada para dizer e, se tiver, não há quem o deixe. Ouvimos todos o jogo mas falta-nos o que o emociona.

                     No jogo com o Benfica só se viram as lonas a cobrir a bancada. E na parte Norte da bancada nova, as tarjas dos Fama Boys. Na parte Sul, dos visitantes, ninguém. Mas diga-se que, mesmo com alguém (como quando o Benfica nos visitou para a Taça), esse alguém pouco se ouvia. Os Bargos são conhecidos por assistências recordes mas de adeptos do Vila Nova. No entanto, também eles fazem falta para dar colorido à festa. Ou para permitir o prazer de os ver tristes porque estamos nós felizes.

                    Este ano, os grandes não passaram nos Bargos. Despedimos o Silas como tínhamos ajudado a despedir o Leonel Pontes – e teve sorte o Sporting por ter havido só dois jogos na época, senão tínhamos despedido mais alguns treinadores. Fizemos o Conceição pensar que tudo estava a começar mal e depois dissemos-lhe , neste último jogo, “já está quase”. E tivemos o Benfica por duas vezes a empatar “um igual” mas sempre perdendo no merecimento.

                    Há muitos anos escrevi um poema que, a certa altura, dizia “a tristeza de não sermos dois”. Acho que se perdeu o verso e se perdeu o poema, porque a frase é demasiado corrente para ter sido só de minha safra. Mas é isso: há uma enorme tristeza em não sermos dois com o nosso clube. Numa altura em que o Famalicão está em sexto, a um ponto da qualificação para a Liga Europa, uma coisa impensável há pouco mais de dez anos (quando, não é mau relembrar, estávamos nas distritais), nós não podemos celebrar cada vitória, cada golo, cada jogada. Não podemos lá, nos Bargos, não podemos em casa sozinhos. E, pior do que tudo isto, não podemos abraçar os nossos avós que, já não capazes de irem aos Bargos connosco porque a idade não deixa, não merecem estar sozinhos a celebrar, entregues ao sino que também ouvem quando não deviam. Não merecem.

     

                    E hoje não há “ali”, nem “acolá” porque a crónica é demasiado triste para isso. Os nossos velhotes não merecem que a vida lhes acabe assim. Não merecem.

     

                    Jorge Reis-Sá

                    Para dúvidas, conselhos ou insultos: [email protected]



    Comentários

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    motivo:
    VI
    E ainda. .
    2020-07-14 03h56m por Vilanova1
    Nesta época dei por mim irado com a injustiça da eliminação na taça. E tendo o benfica como "2 clube" (simpatia que cresceu durante os anos em que nao lutavamos com os maiores), neste nosso regresso estava curioso para medir o pulso a essa suposta divisao. . Pois sim, não houve dúvida alguma para onde a balança inclinou, se duvidas houvesse. Tomar "as dores" do vilanova , foi algo muito natural e revigorante. E soube de outras pessoas próximas com outras "cores" que relataram o mesmo. É...ler comentário completo »
    VI
    Bons tempos
    2020-07-14 03h45m por Vilanova1
    Eu nao vinha do Calendário mas do lado oposto, de santiago d'antas. Também não ia para os cativos mas para o superior. No inicio tinha sempre garantia de um arraial de porrada num Famalicão Gil, ou Tirsense. O pensamento esse, foi evoluindo (ainda bem) e nestes anos, as atenções são outras, felizmente. E que outras. . Acho que merecemos isto.
    JO
    @costinhazz
    2020-07-12 19h47m por JoaoGuincho
    Queria que todos nós fossemos adeptos dos supostos três grandes?
    Pois é, temos pena, mas a nossa dignidade não se compra.
    Nós não escolhemos um clube só porque ele é grande, como o senhor.
    Podemos nunca ganhar nada na nossa vida, mas a nossa paixão não nos tiram.
    Ninguém aqui referiu o Benfica só porque não ganhou este ano.
    Aprenda a ler com atenção. O Benfica, o Porto e o Sporting aqui são irrelevantes.
    JO
    @costinhazz
    2020-07-12 19h40m por JoaoGuincho
    Quer ler comentários favoráveis ao Benfica? Há blogs para isso.
    Nós, adeptos do Famalicão, temos o direito de expressar as nossas opiniões.
    Aqui se defende, e muito bem, o nosso passado, identidade e paixão pelo clube e terra.
    Como muitos outros adeptos, o senhor nem de Lisboa deve ser para apoiar esse clube.
    Coitado do clube da sua terra. Com adeptos como o senhor estará certamente perdido.
    Mentalidades retrógradas, as quais infelizmente existem muitas.
    JO
    @costinhazz
    2020-07-12 19h32m por JoaoGuincho
    Resumindo Costinha. Se há aqui algum amadorismo é da sua parte.
    Certamente não deve ter lido o texto todo. Também ganhamos ao Porto
    Quando foi referido que o Famalicão foi a causa do despedimento do treinador do SCP.
    E que outros do SCP se podiam ter seguido. Também foi anti-Sporting?
    Talvez, mas como disse e muito bem o autor do texto, este é para nós.
    O texto é para os adeptos do Famalicão, verdadeiros adeptos.
    Adeptos que não têm que se vergar aos do costume.
    JO
    @costinhazz
    2020-07-12 19h24m por JoaoGuincho
    Errado Costinha. De que forma se aparece na comunicação social?
    A resposta certa que procura é: sendo adepto de um dos três supostos grandes.
    Certamente que quem vê muitos programas sobre futebol sabe isso.
    Se não for uma notícia sobre os três do costume, nem a nota de rodapé tem direito.
    Quem perde sempre os jogos são os três serapicos e não os outros que os ganham.
    Quando uma outra equipa ganha nunca é por mérito, mas por demérito dos serapicos.
    CO
    Anti Benfica
    2020-07-12 15h34m por costinhazz
    De que forma se aparece na comunicação social???
    Resposta fácil : dizer mal do Benfica.
    Basta o Benfica ficar um ano sem o título se campeão e toda a gente o ataca. Aparece nas primeiras páginas.
    Atualmente pratica se o culto anti Benfica. . . . isso não é jornalismo, é amadorismo . . .

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