No meio do alvoroço da polémica entre Ricardo Quaresma e André Ventura, dever-se-ia invocar os bons exemplos para conseguirmos responder da melhor maneira aos males sociais. Esses exemplos não têm de ser de uma etnia ou raça especifica, mas sim de Homens que simbolizem algo.
Inicialmente, após a publicação de Ricardo Quaresma acerca de Artur Quaresma, a comunicação social embandeirou em arco, sem, por vezes, confirmar as fontes. Ora heroicizou-se Artur Quaresma como um símbolo da etnia cigana, ora como um símbolo de resistência. Mas, de facto, o avançado nascido no Barreiro não era desta etnia, sendo, no entanto, um bom exemplo dado pelo futebol português e a sua História. História essa por vezes maltratada e no qual esta coluna está comprometida em contribuir para a sua valorização.
Com o advento das ditaduras na Europa nos anos 30, as práticas xenófobas e racistas propagaram-se. Todos estes princípios levaram a humanidade ao quase abismo e hoje os manuais de História registam estes dissabores. Em vésperas da Segunda Guerra Mundial, Artur Quaresma era um jogador que brilhava num C.F Belenenses competitivo e que inclusive ombreava com três grandes nacionais. Artur era um avançado açucarado que contribuiu para o seu Belém conquistar uma Taça de Portugal e um campeonato histórico nos anos 40. Anteriormente, residia no Barreiro, onde teve os primeiros contactos com a bola e viu que por vezes a vida não era fácil. Na verdade, o Barreiro era um epicentro de uma certa oposição comunista, em virtude de a maioria dos seus habitantes terem esta ideologia política. Apesar desta realidade, Artur Quaresma não ia em grandes politiquices, nem simpatizava com o regime à época, revelando-se por quem o conhece um humanista e sobretudo amigo dos mais desfavorecidos. Uma educação que passou ao seu filho, que também adotou o seu nome, Artur Quaresma, e que fala sempre com orgulho na carreira desportiva do pai e principalmente nas ajudas que deu aos mais desfavorecidos.
Aos 18 anos, protagonizou uma transferência, avultada para a época, para o C.F Belenenses, onde foi feliz e fez da sua capacidade de trabalho e sonho em ser futebolista uma arma para o triunfo, mesmo num clube fora dos ditos três grandes. Estamos a falar de um Belenenses com uma identidade muito forte, sustentado pela garra e bairrismo de Artur José Pereira e liderança de nomes como Cândido de Oliveira e Augusto Silva.
Entretanto, em 1937, em plena Guerra Civil espanhola, ocorreu no campo das Salésias uma partida entre Portugal e Espanha, dois países amarrados pelos sustentáculos fascistas de Salazar e Franco, respetivamente. Como era apanágio nos regimes da altura, após entoarem os hinos nacionais, os jogadores eram obrigados a fazer uma saudação fascista para a tribuna onde estavam Óscar Carmona e altos dirigentes dos regimes espanhol e alemão. Mas, curiosamente, três jogadores do Belenenses à época não cumpriram esta diretiva e foram levados para PVDE. Não obstante de o avançado português ter escapado à prisão, por ter alegado estar distraído, os seus colegas acabaram por ficar 15 dias nos calabouços da PVDE. Por outro lado, sem as maravilhas do photoshop, o jornal Stadium publicou uma imagem onde os jogadores da seleção apareciam a fazer a saudação, como se não tivesse existido polémica.
Tenha sido deliberado ou não, deve-se recuperar e honrar a memória de um individuo que não será lembrado pela sua cor ou étnica, mas sim pelo seu trajeto ascendente num futebol quase amador em Portugal. Um homem que não ganhava balúrdios e conciliava o futebol com o trabalho e mesmo assim era um ídolo das multidões. Um exemplo na época e para esta sociedade em pleno século XXI, que se encontra mais suscetível aos populismos emergentes.