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    O Melhor dos Jogos
    Carlos Daniel
    2019/12/12
    E5
    Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

    Dêem-me mais Famalicão, mais Vitória de Guimarães e mais Rio Ave. Dêem-nos a nós, aos que são felizes durante duas horas perante um retângulo verde. A Liga portuguesa é pouco apelativa? Verdade, e menos será se não valorizarmos os que procuram fazer diferente e melhor, em particular os que investem no risco e na criatividade. E nos jogadores, que o jogo depende de boas ideias e treino competente mas é jogado por homens, que o determinam no limite. E quem os escolhe melhor, semana a semana, está mais perto de ser feliz.

    É por isso que aprecio mais o atual Benfica que o de há um par de meses, porque se reencontrou com o talento. E bem pode ser Carlos Vinicius o rei das manchetes - é mais fácil paginar golos que qualidade de jogo - que o essencial da mudança foi tipo pudim instantâneo: bastou juntar Grimaldo, Taarabt, Chiquinho e Pizzi. Parece outra equipa, com muito mais ligação e menos busca da profundidade inútil. Ao FC Porto tem faltado mais capacidade de criar, criar mesmo, mudar o rumo dos jogos, algo demasiado dependente, por agora, dos dois pés igualmente magníficos de Corona ou do esquerdo de Alex Telles. É preciso mais Nakajima ou Luis Díaz de volta, mais Sérgio Oliveira ou Uribe de volta, para que o jogo ofensivo não fique demasiado preso a lançamentos longos em busca dos avançados potentes ou à comprovada eficácia nas bolas paradas.

    É justo reconhecer que Silas conseguiu equilibrar um pouco este Sporting, crónico na instabilidade. Só que o plantel é de qualidade sofrível e apenas com remendos se faz um onze razoável. Tem três estrelas de primeira grandeza - Bruno Fernandes, Vietto e Mathieu - mas não há fitas de qualidade sem atores secundários de bom nível e esses escasseiam. O exemplo do ataque: Luiz Phellype, Bolasie, Jesé, Rafael Camacho, Jovane, Fernando, Plata, qual destes seria titular de um Sporting "a sério"? É isso, talvez nenhum.

    Os rivais maiores na luta pelo terceiro lugar moram no Minho e rivalizam. O Sporting de Braga, de Sá Pinto, sobrevivente de lesões e um calendário apertado, foi salvando match points e reergueu-se, mas ainda não encontrou o caminho que o faça ser tão competente quando lhe roubam espaço como quando tem de o aproveitar apenas. A rotatividade foi necessária mas a equipa é sempre melhor quando os Hortas, André e Ricardo, podem ser irmãos também em campo. O Vitória de Guimarães, com o plantel mais amplo e equilibrado em muitos anos, busca ser tão competente como consegue ser sedutor, e o próprio técnico, Ivo Vieira, o admite. Talvez o caminho possa estar em fazer coincidir mais vezes Evangelista e João Carlos Teixeira, e sem deixar cair Al Musrati, já agora, o 6 que tem mais a cara do jogar de Ivo. E haverá sempre Marcus Edwards, um dos achados do ano, que vale sozinho o bilhete de alguns jogos.

    Seguem-se o Famalicão, que faz mais sentido elogiar agora. É que perdeu pontos mas não deixou cair a identidade que, acredito, o fará ganhar de novo. Apresenta um plantel jovem mas escolhido num critério em que o talento conta e exibe um jogar de iniciativa que podia ser de equipa grande. Arrisca? Arrisca. Pode ser surpreendido por equipas especialistas em contra-ataque, como o Tondela? Pode. Mas estará mais perto de ganhar na maioria do jogos do que quem especula apenas. E vai em terceiro, a propósito, que os resultados não podem servir apenas para louvar os pragmáticos. E aos da frente já se chegou também o Rio Ave, guiado pelas mãos competentes de Carvalhal, com um meio campo que é mais de jogar que de correr - Felipe Augusto e Tarantini - e se equilibra na cobertura a um ataque de aceleração mas desenhado para ferir com qualidade, sobretudo quando junta Carlos Mané, Nuno Santos e Taremi.

    Sou mais dogmático que pragmático quanto ao jogo. Acredito no talento e mais ainda na associação de talentos. Prefiro o Santa Clara com Rashid, Lincoln e Ukra, como gosto tanto mais do Moreirense quanto mais vezes Filipe Soares, Pedro Nuno e Luther Singh se conseguem encontrar no jogo. E os sintomas de retoma em Setúbal não se podem desligar de ver em simultâneo Eber Bessa, Carlinhos, Zequinha e Hildeberto, como os do Belenenses resultam de uma vontade de guardar bola, desde logo nos pés maduros de André Santos, Varela e Licá. Não é a melhor liga do mundo,? Não, nem perto, mas melhora com equipas que assumem iniciativa e acreditam que há vantagem em aumentar o número de criativos em campo. Sou sempre mais de ilusão que de resignação. Quero antes o dogmatismo utópico do belo jogo que o falso pragmatismo da eficácia bafienta.

    Nota coletiva: Real Socidedad - Imanol Alguacil, um desconhecido de 48 anos, tem dirigido em San Sebastián a melhor novidade da Liga espanhola deste ano. Os bascos afirmam-se pela convicção de ter a bola e de a ir tocando, num caos ordenado de mobilidade criativa. Seja em 1.4.3.3 ou num losango alternativo, emerge o talento, a partir dos passes de um central a que vale a pena atentar - Diego Llorente - mas que se sublima nas sociedades estabelecidas entre o esquerdino Oyarzabal (craque já de seleção espanhola), o rápido Portu e esse magnífico Odegaard, que confirma aos 20 anos tudo o que se lhe vaticina desde que o Real Madrid o contratou, ainda adolescente. Não percam de vista esta Real.

    Nota individual: Luís Alberto - sempre me encantaram os médios elegantes e este espanhol da Lazio com nome de ator de novela enfileira com os melhores, na linha de Antognoni, Falcão (o brasileiro) ou Kaká. Vê-lo é apreciar o melhor da qualidade com bola, no modo como a trata com ambos os pés, como decide entre progredir ou passar, assistir ou rematar. Ver Luis Alberto é bonito, sem mais, mas os números também falam, que vai em 2 golos e… 11 assistências. Se Immobile é rei dos goleadores e vive o apogeu de uma carreira muito lhe deve. Com Milinkovic-Savic, Luis Alberto faz a dupla de criativos que vale o terceiro lugar em Itália e umas quantas horas de prazer a quem gosta mesmo deste jogo único. 



    Comentários

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    motivo:
    JC
    Super confirmado
    2019-12-15 16h13m por JCCortez
    Eu não dizia que Carlos Daniel era o Mourinho dos comentários? Assim dá gosto. Agora aqueles programas, ditos de comentários, que abundam na TV e não passam de tipos a gritar uns com os outros em plena peixeirada sem praticamente falarem de futebol . . .
    PI
    Artigo
    2019-12-13 21h30m por Pinho352
    Um artigo interessante de ler que aborda, embora sempre de forma genérica, alguns temas importantes da actualidade do futebol, os quais vou entrar mais em pormenor.
    Relativamente ao futebol português, temos boas equipas, bons jogadores, bons treinadores mas um problema que há muito existe e que parece não ter cura chamado ARBITRAGEM. Este sim, é o grande problema e as relações cancerígenas entre dirigentes e empresários, no qual o triângulo Pedro Proença/Jorge Mendes/Pinto da C...ler comentário completo »
    ahhhh. . . . que regalo!!
    2019-12-13 15h35m por nunosslopes
    Mais um fantastico artigo. Continuai assim Carlos, que a audiencia que gosta do futebol de verdade ira sempre ouvi-lo com todo o gosto!!!
    Carlos Daniel
    2019-12-12 19h42m por petitor
    Tocou na ferida do Porto, e claro valorizou o que lage e bem fez de melhor juntar o Abel taarbat, pizzi, chiquinho e Gabriel ao mesmo tempo, sem o dito 6 potente.
    Destacou um jogador que me tem suscitado curiosidade Marcus Edwards do Vitória eu compraria já para o Porto.
    Prazer
    2019-12-12 18h58m por baon
    Mais um artigo fabulástico de uma das poucas pessoas dentro do comentário futebolístico com mais conhecimento profundo do jogo, das equipas, dos jogadores etc

    É sempre um prazer aprender e ter a sorte de ouvir/ler pessoas como Carlos!
    Não pare !!!

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