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    Poente B2
    José Pedro Fernandes
    2019/06/26
    E1
    Poente B2 é o olhar de José Pedro Fernandes sobre o desporto, o futebol e os media. Uma perspectiva a partir da pedreira, com um espectro vermelho e branco, sem amarras ou pressupostos de isenção, mas tendo como linha orientadora a honestidade intelectual.

    Quando em finais do ano letivo 90/91 disse à minha Mãe que queria ir para a área de desporto, ela deitou as mãos à cabeça. Num instante foi ao gabinete de Psicologia e Orientação Escolar da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), falou com a Psicóloga e agendou uma sessão para eu estar presente. A minha Mãe não queria saber quais as áreas para as quais eu tinha mais apetência, ela queria dissuadir-me de ir para desporto. Teve “azar”. Foi informada de que não adiantava muito a sua relutância em relação ao desporto, eu não via outra coisa no horizonte.

    A verdade é que a turma de desporto do 9º ano em 90/91 tinha sido terrível, com problemas disciplinares atrás de problemas disciplinares e muitos alunos reprovados. Eu não era um aluno excecional, mas nunca havia tido qualquer problema disciplinar e, entrar numa turma com aquele perfil, tirava o sono à D. Arminda.

    Em setembro de 1991 lá estava eu a iniciar o 9º ano... em desporto. Da turma do ano anterior só tinham permanecido três alunos, o restante era tudo gente nova, sem “cadastro”, e muitas elementos eram meninas.

    Sem me aperceber, foi nesse 1º dia de aulas, o dia de apresentação ao Diretor de Turma (DT), que conheci uma das pessoas mais importantes no meu percurso escolar, académico e profissional, o Professor Palmeira.

    Sob a sua égide como DT, percorri os três anos de aluno de desporto e contribuí, a par de muitos colegas, para uma alteração do paradigma em relação aos alunos de desporto que até então eram conotados com notas baixas e comportamentos desadequados.

    Quando a notícia da sua morte me chegou, na manhã do passado dia 20 de junho, os meus pés perderam chão, os olhos ficaram ensopados em lágrimas, que suavemente começaram a escorrer pela cara, e a minha voz ficou silenciosamente embargada.

    Passei aquele dia num misto de tristeza pelo seu desaparecimento e de alegria por um dia ele se ter cruzado na minha vida. Foi um reboliço de emoções e de viagens no tempo. Os anos em que fui aluno do Professor Palmeira, tendo-o como professor das disciplinas técnicas de desporto e como DT, davam um livro de estórias, estórias passadas há mais de 25 anos, que revisitei naquele dia como se tivessem sido ontem.

    Há já alguns anos que não falava com ele. Tenho pena que a vida, e nós próprios, não tenhamos proporcionado mais momentos do que aqueles que, ocasionalmente, aconteciam no centro da cidade de Braga e que para minha alegria permitiam trocar dois dedos de conversa com ele. Naqueles poucos minutos de circunstância falávamos, invariavelmente, do nosso “Braguinha”, do percurso profissional que eu estava a trilhar e dos seus filhos, dos quais ele, na sua maneira serena e recatada,  expressava orgulho.

    O Professor Palmeira fez-me chorar duas vezes: na sua morte e no dia em  que, à frente das meninas da turma, confrontou a minha sensível vaidade. Uma espécie de toque de Midas, no momento certo, que revelou aquilo que ele já parecia saber, que eu era capaz de muito mais do que o que demonstrava, indo ao encontro de uma questão que me havia colocado dois anos antes: “Oh passarinho, quando vais voar?”

    Não sei se alguma vez lhe disse o quão marcante ele foi na minha vida e o quanto eu gostava dele. Não sei se lhe disse, mas creio que ele sabia. Uma coisa sei, viu o “passarinho” a voar e tinha orgulho nisso.

    Fernando Palmeira era um Homem bom, simples, afável, divertido e generoso. O SC Braga, em nota de pesar, recordou-o como Braguista, jogador, preparador físico e treinador. Eu recordá-lo-ei como Professor, Referência, Mestre e Amigo e terei para com ele uma incobrável dívida de gratidão.



    Comentários

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    motivo:
    Do Filho.
    2019-07-10 10h31m por marcospalmeira
    Obrigado pelo teu texto.

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