Poente B2 é o olhar de José Pedro Fernandes sobre o desporto, o futebol e os
media. Uma perspectiva a partir da pedreira, com um espectro vermelho e
branco, sem amarras ou pressupostos de isenção, mas tendo como linha
orientadora a honestidade intelectual.
A propósito de “um comentário que foi além do que deveria”, dei comigo a ler o pedido de desculpas plasmado pela TSF na sua página da rede social facebook. Sem perceber muito bem a que se devia esse pedido, acabei por ler diversos dos comentários que infra acompanhavam a publicação. Para além de perceber o que se havia passado, retive duas ideias: a de nobreza, expectável, de uma empresa como a TSF, reconhecendo e pedindo desculpa pelo sucedido, e a de que muitos são os ouvintes que consideram existir falta de isenção nos relatos e comentários, que são feitos pelos relatadores das rádios portuguesas.
Há muitos anos que me questiono qual será a tendência clubística dos demais relatadores que trazem até nós as incidências dos jogos que estão a ser radiofonicamente transmitidos. Recorrentemente, fico com a sensação de que, nos jogos em que, separadamente, Porto, Benfica e Sporting intervêm, os relatos são realizados por jornalistas que intimamente são afetos ao “grande” que está a jogar. A sensação, empírica, advém essencialmente do êxtase com que o golo é relatado, sendo este um momento de aflitiva apneia. Para o ouvinte mais desatento, uma ofegante espera. Mas para o ouvinte habituado ao relato desportivo, mesmo distraído, um prolongado e intenso “golo” é sintomático de golo de um dos “grandes”, não falha.
Já por diversas vezes pensei o quão interessante seria fazer, tal como se faz para as capas dos jornais, uma análise aos relatos dos jogos de futebol em Portugal, sendo que o momento do golo seria um dos principais indicadores a observar.
E se a imparcialidade e isenção são expectáveis em rádios como a TSF, Antena 1 ou Rádio Renascença (RR), o mesmo não se pode aplicar para uma Antena Minho ou para uma Rádio Universidade de Coimbra (RUC), rádios sediadas nas cidades dos clubes de futebol, que os jogos relatam e que são, declaradamente, afetas a esse clube, SC Braga e Académica de Coimbra (AAC), respetivamente.
Há uns anos, quando nenhuma das rádios de dimensão nacional transmitia o relato do jogo AAC-SC Braga e eu estava em Coimbra, recorri, pela primeira vez ao relato da RUC. Rapidamente apercebi-me da narração efusiva e altamente tendenciosa pro Briosa. Contudo, e apesar de ser adepto do Braga, ia achando piada ao tom jocoso e irreverente dos relatadores que pareciam divertir-se com todas as incidências do jogo. A certa altura do relato, apercebi-me de um som estranho, que parecia emanar da transmissão. De fundo, bem baixinho, numa espécie de interferência, parecia ouvir o arfar excitado de alguém a ter relações sexuais, som que ia aumentando de volume e intensidade até desaparecer com o “orgasmo”. Segundos depois, o esclarecimento: “Como já nos apercebemos, acabamos de atingir o minuto 69 do jogo!” Era a RUC a partir tudo.
Felizmente, a RUC, no que concerne ao relato desportivo, continua a ser, declaradamente, o caso mais paradigmático da falta de isenção, sendo a rádio que em Portugal apresenta o relato mais original, excêntrico, apaixonante e... mágico.
CURTAS
- A tentativa do Benfica “roubar” Dyego Sousa ao SC Braga seria à partida um excelente negócio para o Braga. Todavia, seria um negócio ainda melhor para o Benfica. Não só pelo facto do Benfica poder contratar golos, mas sobretudo pelos golos que iria condicionar o Braga marcar. Algo que na luta pelo título e pela Champions pode(ria) ser determinante.
- Excecional entrevista conjunta, em pleno relvado, de Sérgio Vieira (FC Famalicão) e Vítor Oliveira (Paços de Ferreira) minutos antes do jogo que opunha as suas equipas, líderes da segunda liga. Exemplo de fair-play e respeito mútuo que se deseja não ser isolado nem único.