...aquele que não quer ver. Ou aquele que diz ver uma luz, mas que acaba encandeado e perde momentaneamente a visão, precisamente no momento crucial de uma tomada de decisão.
Mas também é cego, tanto ou mais, aquele que olha de forma absorta para o jogo, que se nega a enfrentar a si mesmo e a admitir as suas debilidades. Tal como é cego aquele que sabendo não saber mais opta por seguir o mesmo caminho de sempre. Nem que esse caminho se venha a revelar cada vez mais estreito, erróneo e em direcção a um precipício.
Ser treinador de futebol não é fácil. Todos sabem um pouco sobre futebol. Todos opinam sobre futebol. Todos julgam ter a resposta para o problema ou as respostas para os problemas. Mesmo que nunca tenham feito parte de nenhum grupo ou que não conheçam dinâmicas de grupo. Todos, sem excepção, são potenciais treinadores.
Daí ser importante, fulcral e vital que aqueles que exercem a função de treinador saibam duas coisas: o que estão a fazer e o que não estão a fazer. Pode parecer demasiado redutor e simplista, mas caros leitores, acreditem que grande parte do sucesso de um treinador reside nestes dois pontos. E por sucesso não se limitem aos resultados porque um treinador pode ter sucesso sem ser campeão ou vencer uma taça, consoante o contexto em que esteja a trabalhar. Abordemos isso num próximo artigo...
Voltemos então ao que um treinador deve, de facto, dominar: aquilo que está a fazer e aquilo que não está a fazer. Simples? Será assim tão simples quanto parece?
Um treinador deve saber se a sua equipa está a apresentar um futebol de qualidade tendo em conta os jogadores que tem à sua disposição, certo? Se tem bons jogadores e os mesmos não conseguem exibir essa qualidade num formato colectivo, fazendo-o apenas através de pequenos lampejos individuais, alguma coisa tem de ser feita. Onde? Como? No treino e através do treino.
Chegamos então ao famoso Processo de Treino, terminologia algo fantasiosa, mística e utópica para alguns, mas que para mim é tão real como a paupérrima falta de qualidade futebolística apresentada semana após semana na Liga NOS. É através do Processo de Treino que o treinador deve preparar a sua equipa para executar as ideias e os princípios idealizados por si, os quais darão corpo ao modelo de jogo que se quer ver implementado e executado em todos os jogos sem excepção, seja numa partida da Liga dos Campeões, seja numa eliminatória da Taça de Portugal contra um adversário que milita nos distritais.
Um treinador deve igualmente saber que todos os jogos são para ganhar, em todas as competições, sem desculpas de calendários, de orçamentos ou de arbitragens. Para que isso seja possível a abordagem a todos os jogos deve ser pautada pela seriedade, dignidade, rigor e paixão. Sempre. Sem facilitismos. Só para não se correr o risco de fazer comparações de orçamentos ou proferir obscenidades como “hoje jogámos contra uma equipa que não era do nosso campeonato”. Ai não era? Mas faz parte da mesma tabela classificativa referente ao mesmo campeonato, não faz?
Um treinador deve igualmente saber que a sua equipa não está devidamente motivada. Os jogadores profissionais são seres humanos como qualquer um de nós e nem sempre estão intrinsecamente motivados, por mais incrível que pareça. Nesses momentos o treinador tem de intervir e saber como proceder. Caso não saiba deve arranjar forma de o saber ou de resolver o problema recorrendo a pessoas que o possam ajudar. Afinal de contas, um treinador deve saber de tudo e de todos, mas não tem necessariamente de dominar tudo sobre todos os temas relacionados com o futebol.
Um treinador deve igualmente perceber quando a sua mensagem não está a chegar ao grupo. Isso pode acontecer quer por falha do receptor, quer por falha do emissor. Seja qual for a origem do problema, o treinador deve perceber se está a ser claro e conciso ou se está a difundir uma mensagem passível e susceptível de várias interpretações. Tal como deve perceber que num grupo nem todos possuem a mesma capacidade cognitiva e que, em alguns casos, um reforço comunicacional (individual) pode ser decisivo.
Quando um treinador não consegue perceber alguns destes pontos a sua saída acaba por ser uma inevitabilidade. Mesmo com vitórias seguidas e sem golos sofridos. Mesmo que se queira atribuir o insucesso a jogos atípicos ou bolas teimosas que não querem seguir o seu destino e ultrapassar a linha de golo, como que por egoísmo ou má vontade. Ou mesmo que se queira aprender a conviver com o insucesso.
Para finalizar, gostaria de dizer que este artigo tem como base o futebol e é dedicado e dirigido a todos os treinadores de futebol. Porque todos nós temos a obrigação de ver o que está à nossa frente e à nossa volta...desde que saibamos o que estamos e não estamos a fazer...
O pior cego é aquele que não quer ver. Tal como é cego aquele que sabendo não saber mais opta por seguir o mesmo caminho de sempre. Nem que esse caminho se venha a revelar cada vez mais estreito, erróneo e em direcção a um precipício.