O paradigma comunicacional no futebol português tem-se vindo a alterar profundamente ao longo dos últimos anos.
Portugal, um país fértil em talento futebolístico semeado por uma paixão exacerbada, diverge do resto da Europa no alinhamento entre o marketing e a comunicação, como se seguissem dois caminhos perpendiculares.
Com isto refiro-me, naturalmente, ao aparecimento da figura do diretor de comunicação nos três sintomáticos candidatos ao título.
Desde o aparecimento desta figura (na verdade ela já existia anteriormente, mas não tinha o destaque que agora tem) surgiram inúmeras práticas condenáveis, que põem em causa o trabalho de valorização e construção das marcas levadas a cabo pelo marketing dos clubes.
Daí resultou um novo problema: a partir do momento em que os clubes percepcionaram a importância do engagement dos seus apoiantes, passaram a criar conteúdo próprio (entrevistas, blogs, notícias, etc..) através das suas plataformas (redes sociais, apps, site, sms, mail), e com isso puseram, ainda mais em causa, a sobrevivência dos já bastante débeis meios de comunicação social desportivos.
A subserviência dos jornais perante a lógica tricéfala dominadora do futebol português tornou-se insuficiente para satisfazer o interesse comunicacional dos clubes.
Os consumidores de futebol, claramente tribais na generalidade, para consumirem informações acerca do seu clube, deixaram de necessitar de comprar jornais desportivos porque o próprio clube passou a fornecer-lhes diretamente todo o conteúdo de que necessitam.
Este “consumidor”, regra geral, não procura informações imparciais ou diferentes pontos de vista. Procura sim a “cartilha” do clube, argumentos que lhe permitam espicaçar os amigos nas discussões, as comparações com exemplos semelhantes dos rivais no passado (ainda que colidam sempre com exemplos contrários também no próprio clube, alimentando a eterna incoerência dos fenómenos tribais).
E os clubes fornecem-lhes.
Desde aí assistimos a um retrocesso do trabalho jornalístico desportivo que, para sobreviver, tem agora que procurar constantemente o caminho da provocação, da interpretação errada/abusiva, dos clickbaits e da polémica.
Uma política de “terra queimada” que fez escola na CMTV e que parece ter-se espalhado pela maioria dos jornais desportivos.
Na conferência de imprensa de Jorge Simão após o jogo Feirense-Boavista (jogo bastante duro onde o Boavista foi claramente prejudicado), apesar de ter sido continuamente instigado a comentar os casos de arbitragem e se ter recusado, preferindo “valorizar as coisas boas que viu dentro de campo”, um jornalista resolveu perguntar se também “valorizava o facto dos adeptos terem dirigido insultos ao árbitro”, num tom claramente provocatório e sarcástico.
Na falta de qualidade para o desempenho da sua função, este boçal preferiu ir pelo caminho provocação brejeira, como se de uma novidade num jogo de futebol se tratasse.
A título de curiosidade fui consultar as contas de um dos principais jornais desportivos do país - o único que não se encontra inserido num grupo económico e que, como tal, se torna mais simples de avaliar - e foi sem grande surpresa que constatei que nos últimos três anos acumula 3,3 milhões de euros de prejuízo.
Em suma, o jornalismo desportivo deve então refletir profundamente acerca do seu modus operandi e talvez levar como exemplo o caso do zerozero que, através de um jornalismo isento e sem sensacionalismo, tem galopado em visualizações e followers.
Em tempos de fake news, a verdade e a isenção é trendy ;)
P.S.: seria interessante conhecer as vendas do jornal “A Bola” na segunda feira (27), quando fez uma belíssima capa com a vitória do Fernando Pimenta, por comparação com outra qualquer 2ª feira em que não tenham jogado na véspera Benfica, Porto ou Sporting.