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O meu mundo aos quadrados
José Pedro Pais
2018/08/28
E6
"O meu mundo aos quadrados” é uma coluna de opinião que pretende fugir ao império comunicacional dos três grandes, sob a perspetiva de um adepto do futebol pela positiva, profissional e transparente, que por acaso é boavisteiro.

O paradigma comunicacional no futebol português tem-se vindo a alterar profundamente ao longo dos últimos anos.

Portugal, um país fértil em talento futebolístico semeado por uma paixão exacerbada, diverge do resto da Europa no alinhamento entre o marketing e a comunicação, como se seguissem dois caminhos perpendiculares.

Com isto refiro-me, naturalmente, ao aparecimento da figura do diretor de comunicação nos três sintomáticos candidatos ao título.

Desde o aparecimento desta figura (na verdade ela já existia anteriormente, mas não tinha o destaque que agora tem) surgiram inúmeras práticas condenáveis, que põem em causa o trabalho de valorização e construção das marcas levadas a cabo pelo marketing dos clubes.

Daí resultou um novo problema: a partir do momento em que os clubes percepcionaram a importância do engagement dos seus apoiantes, passaram a criar conteúdo próprio (entrevistas, blogs, notícias, etc..) através das suas plataformas (redes sociais, apps, site, sms, mail), e com isso puseram, ainda mais em causa, a sobrevivência dos já bastante débeis meios de comunicação social desportivos.

A subserviência dos jornais perante a lógica tricéfala dominadora do futebol português tornou-se insuficiente para satisfazer o interesse comunicacional dos clubes.

Os consumidores de futebol, claramente tribais na generalidade, para consumirem informações acerca do seu clube, deixaram de necessitar de comprar jornais desportivos porque o próprio clube passou a fornecer-lhes diretamente todo o conteúdo de que necessitam.

Este “consumidor”, regra geral, não procura informações imparciais ou diferentes pontos de vista. Procura sim a “cartilha” do clube, argumentos que lhe permitam espicaçar os amigos nas discussões, as comparações com exemplos semelhantes dos rivais no passado (ainda que colidam sempre com exemplos contrários também no próprio clube, alimentando a eterna incoerência dos fenómenos tribais).

E os clubes fornecem-lhes.

Desde aí assistimos a um retrocesso do trabalho jornalístico desportivo que, para sobreviver, tem agora que procurar constantemente o caminho da provocação, da interpretação errada/abusiva, dos clickbaits e da polémica.

Uma política de “terra queimada” que fez escola na CMTV e que parece ter-se espalhado pela maioria dos jornais desportivos.

Na conferência de imprensa de Jorge Simão após o jogo Feirense-Boavista (jogo bastante duro onde o Boavista foi claramente prejudicado), apesar de ter sido continuamente instigado a comentar os casos de arbitragem e se ter recusado, preferindo “valorizar as coisas boas que viu dentro de campo”, um jornalista resolveu perguntar se também “valorizava o facto dos adeptos terem dirigido insultos ao árbitro”, num tom claramente provocatório e sarcástico. 

Na falta de qualidade para o desempenho da sua função, este boçal preferiu ir pelo caminho provocação brejeira, como se de uma novidade num jogo de futebol se tratasse.

A título de curiosidade fui consultar as contas de um dos principais jornais desportivos do país - o único que não se encontra inserido num grupo económico e que, como tal, se torna mais simples de avaliar - e foi sem grande surpresa que constatei que nos últimos três anos acumula 3,3 milhões de euros de prejuízo.

Em suma, o jornalismo desportivo deve então refletir profundamente acerca do seu modus operandi e talvez levar como exemplo o caso do zerozero que, através de um jornalismo isento e sem sensacionalismo, tem galopado em visualizações e followers.

Em tempos de fake news, a verdade e a isenção é trendy ;)

P.S.: seria interessante conhecer as vendas do jornal “A Bola” na segunda feira (27), quando fez uma belíssima capa com a vitória do Fernando Pimenta, por comparação com outra qualquer 2ª feira em que não tenham jogado na véspera Benfica, Porto ou Sporting.



Comentários (6)
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motivo:
a propósito de uma coincidência
2018-09-08 00h13m por carlos_batuta
Vim passar uns dias de ferias aos Açores, e partilhei o avião com os 5 animais.
1 o que leva alguem que vai acompanhar o seu clube com amigos, e passar uns dias num paraiso natural e de gente boa, a acabar engaiolado?

2 o Boavista vai na 5 época após o regresso do inferno. O sta clara na 1a em cerca de 15. O que leva a que um reencontro com tudo para ser grandioso seja irresponsavelmente manchado?

3 Boavista da Ribeirinha naTerceira, Boavista Sport Clu...ler comentário completo »
Parabéns
2018-08-29 11h16m por Manita
José Pedro Pais, por mais uma excelente crónica.
A justiça, a isenção e o desportivismo não vendem mas sabem muito bem.
Bem haja
Muito bem!
2018-08-28 15h55m por SilverArrow
Os meus parabéns por este belo artigo que de opinião tem muito pouco (e ainda bem).

Neste caso a opinião não é para aqui chamada porque os comportamentos e hábios descritos no artigo são factos não só comprováveis, mas acima de tudo replicáveis!

Porquê?

Porque, infelizmente para mim que cresci a ler o Jornal A Bola e lembro-me dos tempos que se escreviam autÊnticas poesias, entrevistas profundas e se cobriam todas as equipas do então Cmapeonato...ler comentário completo »
Públicos diferentes
2018-08-28 15h28m por YourMumRocks
Sem dúvida que está cada vez mais dificil encontrar um medium de informação que me alimente a paixão por este desporto e o Zerozero, não sendo perfeito (veja-se o caso da noticia de ontém sobre os "43 minutos de silêncio" em Genova), é sem dúvida, de momento a melhor fonte de noticias em Portugal pelo menos. Mas na minha opinião, o público do Record, da Bola, do Jogo, etc, é composto de pessoas que não apreciam realmente o Futebol, e estão única e exclusivamente interessados no clá a q...ler comentário completo »
Concordo
2018-08-28 15h04m por Tiagolas
Em tempos idos, escrevi para o Record, a queixar-me da atenção que os jornais desportivos davam aos ditos "clubes pequenos". Sempre fui sócio do Estrela da Amadora e critiquei que se fosse preciso até faziam reportagens dobre o tamanho da relva que crescia no meio campo, do lado sul, do estádio da Luz. . . e sobre o Estrela era apenas uma ou duas linhas.
o Estrela acabou e nem uma reportagem de "investigação" a tentar questionar o porquê de um histórico ter acabado de um dia para o ...ler comentário completo »
MA
Jornalismo
2018-08-28 14h42m por Malainpn
Ainda hoje conversei sobre isto: os jornais desportivos hoje em dia, quase nem vão aos clubes para obter noticias. As noticias de hoje, de um clube (indiferente qual) são apenas uma transcrição, do post "pós-jogo" que o clube fez no facebook. Há dias em que transcrevem as entrevistas que os clubes fazem, nos seus canais Youtube. É uma vergonha!
Diga-se que, na minha opinião, 3 jornais diários é demais. Um diário e um semanal (ou bi-semanal) seria suficiente, para o tamanho do nosso mercado.
Excelente coluna de opinião.

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