A lista é longa. Belenenses, Vitória FC (de Setúbal), Académica, Beira-Mar, Salgueiros e Boavista, mas também Olhanense, Estrela da Amadora, Alverca, Aves, SC Espinho e até Leixões, todos acometidos por crises graves e quedas num abismo negro.
Alguns recuperam artificialmente e voltam a respirar, outros enchem o peito e agarram-se ao seu povo (o maior dos bens). Clubes históricos, palmarés ricos, entidades abstratas banhadas a cores, emblemas, troféus e estádios inesquecíveis.
Todos, a dada altura, mal entregues a gente sem capacidade e, tantas vezes, desprovida de escrúpulos.
Sobre o Boavista, aconselho o Tema do Dia e uma grande reportagem do zerozero. Está lá praticamente tudo. Os pornográficos milhões em dívida, um investidor que prima pela ausência e o desinteresse, um projeto profissional de sustentação amadora.
O sintoma grave dos boavisteiros, semelhante a uma doença crónica e incurável, só terá salvação possível se clube e SAD se separarem. Dizem os entendidos e eu subscrevo.
Parto do caso axadrezado para um cenário macro e não menos preocupante. Portugal vive num futebol de ilusionistas, um futebol em que a Liga celebra o aumento de espetadores e esquece-se de dizer que esse aumento se deve, apenas e só, aos três grandes.
O resto, já escrevia o irrepetível Eça, é paisagem.
De 23/24 para 24/25, o número total de espetadores na I liga teve um aumento de 54.590 lugares. Mas, no mesmo período temporal, os jogos na Luz, Dragão e Alvalade conseguiram uma subida de 129.574 pessoas.
Ou seja, no restante universo do nosso campeonato, nos estádios da vida real e dos clubes de média e pequena dimensão, a contração foi evidente: menos 74.984 nas assistências nas casas dos restantes 15 emblemas.
O cenário tende a piorar. Porquê? Porque Boavista (média de 7.212) e Farense (média de 7.165) foram despromovidos - Tondela e Alverca terão números muito inferiores.
Nesta classificação de almas por metro quadrado nos estádios, os portuenses e os algarvios acabaram a época no sexto e sétimo lugares, respetivamente – os de Faro receberam Benfica, Porto e Sporting no Estádio Algarve.
Daí para baixo, apenas o Gil Vicente teve uma média superior a cinco mil pessoas/jogo (5.496); daí para cima, só os três do costume, mais Vitória (18.447) e SC Braga (13.868) superaram os dez mil/jogo.
Uma pobreza total. A ditadura social de três clubes gigantes e uma classe média limitada a dois históricos do Minho.
É suportável continuar a ter 18 concorrentes no escalão maior, quando apenas cinco têm a capacidade demográfica de levar mais de dez mil adeptos ao estádio?
Atravessamos um período importante na luta contra as equipas dos Países Baixos (17,8 milhões de habitantes) e da Bélgica (11,8 milhões) por conta do ranking UEFA, por isso fui comparar estes dados com os desses países.
Fiquei ainda mais preocupado.
Sabem quantos dos 18 clubes da Eredivisie holandesa levaram mais de dez mil pessoas por jogo em 24/25? 14 – em Portugal foram cinco, recordo. O 14º foi o Fortuna Sittard, com 10.588 espetadores/jogo.
Sabem quantos dos 16 clubes da Jupiler Pro League levaram mais de dez mil pessoas por jogo em 24/25? Sete. O sétimo foi o Antwerp, capaz de ter 12.635 pessoas em cada partida.
O desequilíbrio mata. Sem povo, sem peso social, os clubes tradicionais sentem a necessidade de se entregar ao dinheiro fácil e, tantas vezes, a investidores sanguessugas. Sugam as mais-valias e desaparecem.
A legislação deve ser repensada e os quadros competitivos reorganizados, já que a mentalidade de um país é inamovível.
Se nada for feito neste particular, se estas instituições de utilidade pública, históricas e frágeis, não forem protegidas de alguma forma… viveremos em pouco tempo a era dos Grupos Desportivos das Empresas de Investimento, SA.
Sem alma, sem vida, sem paixão.
É por aí que queremos ir?
* Diretor-Adjunto de Informação