Quando afirmou não entender o que leva um treinador a querer mudar de clube a meio de uma temporada, numa alusão à saída de Rui Borges para o Sporting CP, António Miguel Cardoso estava longe de imaginar o quão positiva iria ser a transferência do seu então treinador para Alvalade.
Mesmo tendo em conta a passagem fugaz de Daniel Sousa pelo comando técnico do Vitória SC, a verdade é que os vimaranenses acabaram por crescer após a entrada de Luís Freire e da sua equipa técnica. Objetivamente em quantidade, subjetivamente (por depender da perspetiva de cada um) em qualidade.
Senão vejamos: em jogos a contar para a Liga Portugal, Rui Borges somou 23 pontos enquanto treinador vitoriano, os quais representam 6 vitórias, 5 empates e 4 derrotas em 15 jogos disputados. Um pecúlio que rendeu ainda 20 golos marcados e 16 golos sofridos.
O bom arranque do Vitória SC assentou num 1-4-3-3 forte em organização defensiva e eficaz nas transições ofensivas… até aos últimos minutos dos encontros. Quem não se lembra da quantidade de pontos perdidos nas partes finais das partidas, quando a equipa demonstrava ser incapaz de defender o jogo com bola e impedir o assalto adversário à sua baliza?
«Esse» Vitória SC tinha Alberto Costa como lateral direito, Jorge Fernandes como defesa central, Manu Silva a «sentar» algumas vezes Handel no banco, Samu como presença assídua no meio-campo (muito por conta da sua capacidade de reação à perda de bola/pressão e capacidade de chegar às zonas de finalização) e Kaio César como extremo direito desequilibrador. Todos eles transferidos antes da chegada de Luís Freire ao D. Afonso Henriques.
E o que poderia parecer uma janela de oportunidade algo exígua para o ex-treinador do Rio Ave FC, dada a celeuma criada após a saída de Daniel Sousa, acabou por se transformar na porta de entrada para um campeonato muito interessante ao nível dos resultados e das exibições.
Bastaram apenas 12 jogos para que Luís Freire somasse os mesmos 23 pontos do seu antecessor, fruto de 6 vitórias, 5 empates e apenas 1 derrota. No que aos golos diz respeito, 16 marcados contra 7 sofridos. O que não deixa de ser curioso, visto que Luís Freire está mais conotado com o lado «romântico» do futebol, enquanto Rui Borges é um dos rostos do «pragmatismo» futebolístico.
Como se explica então o sucesso de Freire em Guimarães?
Desde logo pelo facto de ter à sua disposição jogadores com capacidade técnico-tática para desenvolver e elevar a qualidade da sua ideia e do seu modelo de jogo. Um plantel que conta com Handel, Tiago Silva, Samu, Nuno Santos, João Mendes e Telmo Arcanjo, por exemplo, é um plantel inteligente e tecnicamente evoluído. Devidamente enquadrados, todos eles têm a capacidade de se associar e de criar dinâmicas que trouxeram aos vitorianos algo que não tinham até então: um melhor jogo posicional.
E por mais paradoxal que possa parecer, esta melhoria num dos momentos ofensivos (organização ofensiva) acabou por ser decisiva nos momentos defensivos da equipa (organização defensiva e transição defensiva).
Ao ter mais soluções e melhor fluidez aquando da saída de bola, a fase de construção vimaranense é mais limpa e imprevisível do que no início da temporada. Isso faz com que as posses de bola sejam mais prolongadas, graças ao maior critério nas tomadas de decisão e à maior qualidade das execuções tanto na fase de construção como na fase de criação.
Algo a que não podemos deixar de associar à inversão do triângulo do meio-campo vitoriano (2-1 em vez de 1-2) e à decisão de fazer coabitar em simultâneo João Mendes, Nuno Santos, Handel e Tiago Silva. Quatro médios inteligentes e versáteis com a bola nos pés.
Ao atacar mais tempo e de forma mais criteriosa, os vitorianos passaram a controlar e a dominar melhor o jogo com bola. Acabam por estar menos tempo a defender nas imediações da sua grande área, o que diminui as hipóteses de vir a sofrer golo em organização defensiva. Os setores passaram a estar ainda mais próximos, o que faz com que a reação à perda de bola seja mais rápida e eficaz, mesmo com jogadores teoricamente menos talhados para tarefas defensivas e sem um 6 única e exclusivamente defensivo.
Felizmente a forma como se ataca pode (e deve) influenciar positivamente a forma como se defende.
Apesar disso Luís Freire não «castrou» a verticalidade ofensiva vimaranense. Jogadores como Umaro Embaló e Vando Félix têm o seu espaço na equipa e ajudam a esticar o jogo sempre que possível e necessário, dotando o Vitória SC de armas para o ataque rápido organizado e o contra-ataque. Não é essa a principal faceta do ataque vitoriano, mas não é algo que o seu actual treinador descure.
Basta lembrar a forma como mexeu no jogo frente ao FC Porto, em pleno Estádio do Dragão, resgatando um ponto com um golo de Embaló nos momentos finais do encontro.
Doze jogos depois (para o campeonato) e quando muitos duvidavam da capacidade de Luís Freire em conseguir fazer igual ou melhor do que Rui Borges, eis que temos um Vitória SC mais competente e mais completo. Com um futebol mais ofensivo, mais criativo e ao mesmo tempo melhor no seu registo defensivo.
Muito graças a Rui Borges e à sua vontade em abraçar um novo desafio. Mais ainda graças a um plantel que soube abraçar as ideias de Luís Freire e a Luís Freire que provou ser aquilo que há muito se sabia: um treinador para grandes clubes e clubes grandes.