Vi-o jogar de chuteiras calçadas no duro pelado do Avenida. Eu era um dos alucinados que, de uma forma quase ritualista, se divertia com outros «artistas» a ver os jogos das reservas do Rio Ave, uma cena pré-Liga dos Últimos, mas próxima na sua excentricidade existencial.
O mítico Campo da Avenida não se limita a uma era a que posso chamar de Mourinho(s). Passa, por exemplo, pela recordação da célebre invasão de campo numa tarde em que o adversário era o Aliados de Lordelo. Ou pela emoção de uma incrível subida à principal competição do futebol português, após uma liguilha que ficará para sempre na minha memória.
Tantos e tantos momentos de Realismo Mágico à moda de Jorge Luís Borges.
Mas voltemos a Mourinho. Quem diria que o jovem que acompanhava o seu Pai e Mister desse Rio Ave - era comum vê-los no Ramon, restaurante hoje encerrado, mas em cujas paredes se encontram muitos segredos do Futebol Nacional dessa era - haveria de chegar onde chegou?
As tertúlias organizadas por João Malheiro poderiam acontecer durante vários dias e noites. São muitas as histórias, mas o foco desta edição da Oitava é mesmo a fabulosa matéria do The Daily Telegraph intitulada «We are still the special ones» que juntou 20 anos mais tarde Terry, Lampard e o Special One, evocando o primeiro título do meu clube britânico, após cinco décadas sem vencer.
São muitas as cenas que o trio recorda: Mourinho lembra as conversas com Abramovich e o então todo poderoso Peter Kenyon. E um pormenor delicioso: revela ter estado em Stamford Bridge, já finalista com o FC Porto em 2004, a espiar o Chelsea-Mónaco e levar com uma «entrada de carrinho».
Esse primeiro contacto com um fã não correu bem. O homem deu-lhe as «boas vindas» com um sonoro «não o queremos aqui, gostamos de Ranieri!».
A pré-época em Seattle é recordada por Lampard e os primeiros «mind games, métodos e dons de adivinho» - que eram no fundo o exaustivo estudo científico do adversário - deixaram o Balneário desde logo rendido aos métodos completamente desconhecidos pelo plantel.
Terry recorda as mensagens coladas nas paredes e em particular um jogo com o Bolton, onde Mourinho define desde logo o Título.
Uma outra memória, o jogo com o Celtic em Los Angeles. Aí, Mourinho definiu sem dúvidas Terry como o seu capitão e Lampard como maestro e vice-capitão, obrigando o central a um discurso de balneário, o seu primeiro.
Rui Faria não é esquecido neste tsunami de memórias, que inclui um treino onde as crianças dos jogadores participaram livremente, criando uma ideia de família que seria simbolizada pela forma como a vitória sobre o Blackburn foi celebrada.
Petr Cech defendeu um penálti, Robben sofreu uma fratura. Mourinho recorda que se fosse hoje, com os Football Babies (explica ao jornalista Matt Law que se refere a jogadores, árbitros e VAR ), esse jogo teria terminado com sete jogadores do Blackburn.
No final, Mourinho mandou os seus «Gladiadores» darem uma volta ao campo em tronco nu (nem todos o fizeram) para mostrarem o físico e simbolizarem a Mind frame do seu Chelsea num terreno enlameado e com uma arbitragem que permitiu uma dureza inaudita.
Mourinho, Terry e Lampard contam outras histórias nesta espantosa matéria do Daily Telegraph, mas o apito final pertenceu a Terry que anunciou a todo o volume: «Ele é mesmo Especial!»