A vida. O lado negro da vida é cruel, completamente aleatório, uma roleta russa. Estar no sítio errado à hora errada, ser um dano colateral, ser uma vítima do azar, do infortúnio mais brutal.
A vida é bela, sim, mas pode também ser inclemente. Brutal, insuportável.
Em dias assim, confrontados com o horror numa estrada de Zamora, o coração conduz-me imediatamente para quem fica: os pais de Diogo Jota e André Filipe, os três filhos pequeninos de Diogo, a companheira de sempre com quem casou há 11 dias apenas.
Que forças terá Rute, agora mãe e cuidadora das três almas que, com Diogo, deu a este mundo?
Não penso no atacante confiante, no goleador feito em Gondomar e servido a todo mundo pelo FC Porto, pelo Wolverhampton, pelo Liverpool e, claro, a Seleção Nacional.
Penso no filho, nos filhos, do sr. Joaquim e da dona Isabel.
Em 2020, poucos meses após a chegada a Anfield Road, tive a sorte de conhecer e falar com estas pessoas do Bem. Reservadas, ciosas da sua intimidade, mas também profundamente orgulhosas dos dois únicos filhos, o Diogo e o André.
O sr. Joaquim trabalhara toda a vida numa empresa de gruas, perto de São Cosme, Gondomar, porto de abrigo da família.
A dona Isabel estivera anos a fio numa fábrica de componentes eletrónicos de automóveis.
Ganhavam pouco mais do que o salário mínimo e dedicavam-se às duas fortunas que a vida lhes dera. Sacrifícios, muitos sacrifícios, para que nada faltasse aos seus meninos, apesar da evidente humildade e simplicidade que pontuavam as suas existências.
O futebol, paixão comum a pai e filhos, acabou por dar ao Diogo uma segurança financeira grande e, com essa segurança, os srs. Joaquim e Isabel puderam largar os empregos pesados, duríssimos e relativamente mal remunerados.
Andavam encantados com o nascimento do primeiro neto, o Dinis. Agradeceram-me muito o trabalho, por ter respeitado o que mais prezavam: a relação pura entre pais e filhos, num período em que todo o mundo queria saber mais e mais de Diogo Jota.
Não sei o que pensar, o que sentir, em relação a esta família boa e honesta.
A vida, este lado maldito da vida, não tem compreensão possível. É um carrasco sem alma, sem sangue, sem coração.
O Diogo e o André eram homens bons, exemplarmente educados pelos srs. Joaquim e Isabel. Peço que encontrem o caminho e a luz nos três meninos, nos três netos, que começam agora a viver.
A vida, o lado negro da vida. Uma beata injusta, de olhar vítreo, capaz de aceitar uma tragédia assim.
Insuportável.
* Diretor-Adjunto de Informação