* Chefe de Redação
A proclamação doutrinária de Bruno Lage soa a missa estafada. Uma eucaristia sem acólitos ou discípulos, uma cantilena vazia.
Eu, assumido incréu, questiono se o treinador do Benfica distorce a mensagem para evangelizar os fanáticos ou se está realmente enganado.
Enganado sobre a competência ou falta dela na sua equipa, no último mês. Enganado relativamente à fragilidade evidente em ataque organizado e aos tremeliques sempre que um opositor é eficaz na pressão alta.
Equivocado nas tarefas atribuídas a Kokçu, atirado para uma função de quarterback, quando é incapaz de acertar mais do que dois ou três passes longos por jogo.
E enganado, muito enganado, ao insistir num Kerem Akturkoglu que nas últimas seis aparições não deu sinais de vida.
As duas últimas derrotas, em Alvalade e na receção ao SC Braga, tiveram a mesma justiça e a mesma reação penosa de Lage na sala de imprensa, a fazer lembrar os piores momentos na era da Schmidtologia.
Bruno Lage está a viver num filme de faz de conta, mas escapa-me o objetivo deste palavroso enredo. A quem quer convencer o treinador? O cenário configura um verdadeiro auto da barca, uma farsa sem ponta por onde se lhe pegue.
Em Alvalade, vítima de uma primeira parte paupérrima e de uma outra limitada por um orgulho descompensado, Lage agarrou-se às perceções.
Se o Benfica teve mais bola e atacou mais do que o rival leonino, então o empate só podia ser o resultado justo. A verve não é capaz de driblar a realidade e a realidade mostrou um treinador oponente [Rui Borges] a fazer mais com apenas três dias de treino.
A fasquia da incredulidade foi elevada depois do 1-2 na receção ao mais débil SC Braga dos últimos anos. O seu Benfica sofreu dois inaceitáveis golos – como é possível a brecha entre os centrais no 0-1 e a inação coletiva no 0-2? – e Lage chegou à conferência de imprensa em modo loop e disco riscado: «Somos Benfica.»
Onde é que já ouvimos isto?
A demissão de Schmidt libertou o Benfica, e os seus fiéis, de uma miserável política de comunicação. Onde se viam limitações e erros grotescos, sem necessidade de graduação mal-intencionada, o alemão via virtudes e dotes de perfeição suprema.
Um artifício desmontado pelos lenços brancos e os votos de cândida pobreza futebolística.
Bruno Lage regressou em boa forma. Mais fresco, mais leve. A queda de performance e de resultados [duas vitórias nos últimos seis jogos] devolveram-me aquele Lage dos tempos pré-despedimento, em 2020.
Um mau prenúncio para os benfiquistas.
PS: na posição '9' não há um dono recomendável, neste momento. Zeki Amdouni tem talento suficiente para executar noutras latitudes, fazer a diferença a partir de posicionamentos menos óbvios; Arthur Cabral mostra uma relação interessante de minutos (547)/golos (cinco) e uma aura de desconfiança e insuficiências várias a acompanhá-lo; Vangelis Pavlidis não cumpriu as promessas de pré-época e arrasta-se numa via sacra de desinspiração. Uma equação que não se resolverá com sapatadas na mesa da sala de imprensa.