Vivemos na orfandade. Sem Messi, sem Cristiano, o que nos resta? Que príncipe ousa usurpar o trono vazio, fazer dele a sua coroa de glória, exibir ao mundo a majestosidade dos eleitos?
Penso em Vitinha, vejo Vitinha, e a minha resposta só pode ser essa: Vitinha.
Vítor Machado Ferreira, avense de gema, artista de cérebro musculado e pés ágeis, feitos de veludo, plataformas de pensamento e decisão.
Lá vem um alemão, lá vem um exército germânico. Vitinha espera, amedronta de sorriso nos lábios, insinuante e provocador. Atrai e despista, encurrala e estende o tapete armadilhado, a relva que domina como ninguém.
Cai um alemão, caem dois e a equipa inteira. Eles primitivos, paleolíticos, e Vitinha desenhando luzes e arco-íris, o triunfo da sabedoria em dó, ré, mi, a superioridade afinada ao pormenor, ao mais ínfimo detalhe.
Campeão da Europa em Munique, monsieur Ferreira, farol da Seleção Nacional na mesma cidade, prova mais do que indiscutível de grandeza e maioridade.
Veredicto final: melhor futebolista do mundo.
Da bicefalia Messi-Ronaldo para este novo cenário, mudança natural de paradigma e de atores principais. Há outros nomes, tantos, o talento é ilimitado e jorra por todo o lado. Mas Vitinha tem o papel principal.
Não sei o que mais me encanta, se a desfaçatez frente a matulões, se a transparência nos costumes e vontades.
Indicando caminhos, mostrando o óbvio, desprovido de tatuagens ridículas ou penduricalhos inúteis, apenas o olhar, a camisola, o emblema, as chuteiras e a bola.
Na exibição número um da era-Martínez, Portugal teve um Diogo Costa monstruoso, um Nuno Mendes a fazer lembrar o Roberto Carlos dos melhores dias, um Chico Conceição incontrolável e feito diabo à solta.
Acima deles, a pairar, qual filho de um deus maior, o filho de Vítor Manuel.
Lembram-se de Vítor Manuel? O ADN ajuda a explicar Vitinha. O pai Vítor foi médio de notas altas na Vila das Aves, em Belém, Campo Maior e Faro, um senhor jogador com quase 200 jogos na 1ª divisão (187).
Não é só o passado na bola, é sobretudo a educação. Ligamos a Vítor Manuel, solicitamos uma palavra sobre o filho, uma história de criança, e a reação é sempre a mesma: emoção e silêncio, um «desculpem, não consigo» ancorado no orgulho de pai.
Deixemo-los em paz. Permitamos-lhes a fruição do jogo, o prazer lascivo no toque de bola, a magnitude na condução das orquestras de Roberto Martínez e Luis Enrique.
Este é o tempo de Vitinha. Estes são os dias do filho do senhor Vítor Manuel.
PS: a lição de Portugal na Alemanha dá a Roberto Martínez dois aspetos fundamentais. Primeiro, o direito a ter mais tempo e a seguir ao leme da seleção até ao Mundial de 2026; segundo, a certeza de que este Portugal tem material para ser campeão do mundo, mas a jogar baseado em ambição e sensação de superioridade, jamais encolhido. Se as opções forem criteriosas e justas, o caminho para o Éden não tem de ser uma encruzilhada de atalhos perigosos e becos sem saída. Confiemos no treinador espanhol. Confiemos em Vitinha e companhia.