«Barrilete Cósmico» é o espaço de entrevista mensal de Rui Miguel Tovar no zerozero. Epíteto de Diego Armando Maradona, o nome do espaço remete para mundos e artistas passados, gente que fez do futebol o mais maravilhoso dos jogos. «Barrilete Cósmico»
Acredite, se quiser. No último sábado, pouco antes do Sporting-Famalicão, encontro-me com um jornalista francês do L'Équipe chamado Régis Dupont. Primeira coincidência: ele já é do L'Équipe em 1999 (e eu do Record), quando nos cruzamos na Suécia para cobrir o Euro sub18. Nunca mais o vejo nem ouço falar dele.
Passa-se um quarto de século e recebo uma mensagem de WhatsApp. O Régis, já pai de quatro filhos, está em Portugal à procura de informações sobre o primeiro jogo de sempre da Taça dos Campeões Europeus, entre Sporting e Partizan. Faz 70 anos no próximo 4 de Setembro. Curiosamente, a Taça dos Campeões arranca em Portugal, no Jamor, a um domingo à tarde (qual quarta-feira europeia à noite, tssss tssss).
![]() | José Travassos 11 títulos oficiais |
Uh la la, bien sûr. O senhor António liga-me há sei-lá-quantos-anos e sei-lá-porquê a propor entregar-me o espólio do pai. Agradeço o gesto. E aceito, óbvio. Só que ele mora em Sagres, eu em Lisboa e as nossas agendas nunca batem certo. Por falar nisso, procuro o seu nome na minha agenda e nada de nada. Que estranho. Depois bate-me leve levemente. É a chuva? É a força de uma lembrança: quando mudo de telemóvel, pouco antes do Mundial Qatar-2022, alguns números não fazem a transição do iPhone para Android. O do Travassos é um deles. E agora?
Ó Regis, mil desculpas. Já fora do café, nas despedidas, lembro-me de outra ajuda. 'E se for na segunda-feira à hemeroteca, que é aqui ao lado, para procurar o que escreveram A Bola e o Diário de Notícias sobre o Sporting vs. Partizan?' É aqui que a trama se adensa. No que diz respeito à globalização da palavra latinos, quero dizer. Eu, português, fiquei eufórico com a ideia. Ele, francês, reagiu com euforia abaixo de zero -- embora tivesse arregalado os olhos, a frase saída da sua boca não acompanhou, de todo, a minha, como direi sem me repetir mas vou repetir-me, euforia.
Lá fui à hemeroteca, arregacei as mangas e pedi as coleções do segundo semestre de 1955. Só então relaciono a sequência extraordinária na vida de Travassos. É convocado para a seleção da UEFA (daí a alcunha Zé da Europa) em Agosto e, um mês depois, faz parte do histórico onze do Sporting na Taça dos Campeões. Tiro umas 15 fotografias com o Android e envio, eufórico, para o Régis. A resposta? Muito obrigado e um emoji com o polegar para cima. Baaaaaah. Latinos? Que estranho. Depois bate-me leve, levemente. Será chuva? Agora é, sim. E de que maneira.

- Está bom, Rui?
- Estou, sim, bom dia.
- É o António Travassos.
Acredite, se quiser.
- Ó António, não acredito.
- Estou finalmente em Lisboa e trouxe algumas coisas do meu pai. O Rui ainda mora nas Caldas?
- Eischhhhh, já não moro lá desde 2022.
- Veja lá bem, não falamos desde 2022.
- Pode crer, que nunca se repita este hiato. Que embaraço.
- Onde vive agora?
- Lisboa. Acabei de sair da hemeroteca e vi tantas notícias sobre o nascimento do Zé da Europa.
- A sério?
- Mais a sério é impossível, até estou arrepiado com a coincidência.
- Quer encontrar-se comigo? Hoje já é complicado.
- Amanhã, que tal?
- Perfeito, vou ter consigo e, depois, volto para Sagres.
Meu dito, meu feito. António José Travassos aparece em casa com três dossiers e uma infinita boa disposição. Latinos.