A saída de João Neves do Benfica, para o Paris SG, fez escrever muita tinta e gastar muitos teclados por diversos motivos e um deles foi a inclusão de Renato Sanches no negócio, por empréstimo, com opção de compra, do clube francês. Trata-se do regresso de um antigo filho pródigo, que viveu uma montanha russa exibicional e de emoções nos últimos anos.
Tal e qual um meteorito, Renato Sanches foi uma das maiores surpresas da época 2015/16, ajudou o Benfica a sagrar-se campeão nacional com a sua energia e potência em campo e acabou por ser peça fundamental no título europeu de Portugal nesse verão. Acabou por dar o salto para o colosso Bayern Munchen a troco de 35 milhões de euros e a expectativa era grande, mas os anos seguintes foram tudo menos fáceis e nunca foi, realmente, opção na Baviera.
Quando, se calhar, muitos já esperavam não voltar a ver Renato Sanches entre a elite, o internacional luso renasceu na Ligue 1, ao serviço do Lille e mostrou o seu melhor futebol, ajudando, em 2020/21, os dogues a sagraram-se campeões gauleses, algo que não acontecia há dez anos. Acabou por mudar-se para o Paris SG, mas aí voltaram as lesões e a inconstância. O zerozero foi em busca de perceber o que se passou com o médio nestes anos.
«Víamos a alegria e a forma como ele treinava e jogava»
«Surpreendeu-me o à-vontade com que se conseguiu afirmar naquela altura. Mas por outro lado, foi a constatação de um facto. Nós víamos a alegria e a forma como ele treinava e jogava. Era uma questão de tempo para ter uma carreira de sucesso. Era um miúdo que sabia o que queria. Sabia que queria ser jogador e fez tudo o que estava ao seu alcance. O contexto onde estava inserido na altura também ajudou. Éramos uma equipa vencedora e é sempre mais fácil quando se está a ganhar ter esse tipo de sucesso. Ele aproveitou e com todo o mérito», conta-nos Paulo Lopes, antigo guarda-redes e, agora, treinador da equipa do Sindicato dos Jogadores (SJPF) - recorde a reportagem do zerozero.
O antigo guardião fazia parte do plantel encarnado nessa longínqua época de 2015/16 e viu na primeira fila o aparecimento e crescimento do fenómeno Renato Sanches.
Quem também trabalhou em primeira mão com o médio foi Jorge Maciel, atual treinador-adjunto do Lyon e que foi adjunto do Lille precisamente nas três épocas em que Renato lá esteve.«Quando encontrei o Renato, nos dois anos e meio que trabalhámos juntos, ele era ele mesmo. Alegre, extrovertido, comprometido com o treino e com a sua carreira. Tinha um desejo, até muito público, como se via nas suas entrevistas, de mostrar que a ida para o Bayern não era um acaso. Criámos uma relação próxima e ele falava desse sentimento, sendo que eu enfatizava que ele não tinha de provar nada, depois de ganhar um Europeu e o campeonato alemão, para todos os efeitos. Tinha era de desfrutar do futebol», descreve-nos.
O que correu mal? Contexto, cultura, lesões...
Na altura da mudança para a Bundesliga, muito se questionou se era o momento certo para tal acontecer, especialmente quando a afirmação no Bayern não foi tão rápida. Paulo Lopes, no entanto, não considera que Renato saiu cedo do Benfica e destaca a importância da equipa para onde o internacional luso foi.
«Ninguém consegue dizer se é cedo ou tarde. Há quem saia muito mais novo e consiga ter sucesso. Saiu quando tinha de sair e no momento em que ele e o clube decidiram. Agora, o facto é que as lesões que teve não ajudaram. O contexto da equipa para onde foi, o Bayern Munchen, que era uma equipa que trocava muito bem a bola, talvez não tenha sido o melhor naquele momento. Agora, podemos dizer muita coisa, mas ele achou que estava preparado e as lesões foram o mais chato neste processo», diz-nos.
Jorge Maciel concorda com o colega de profissão: «Foi o país e a ida para um contexto muito específico como era o do Bayern, com um núcleo forte e de estilo muito definido, como estamos agora a ver com as suas saídas nos últimos anos. Era uma cultura muito própria. No primeiro ano ele até esteve muito bem, mas o empréstimo a seguir não corre bem. Há um ano em que ele tem a perceção, até pela opinião dos colegas, que vai ser aposta, mas acaba por haver mudança de treinador e houve mudança na expectativa da sua utilização.»
Renascido em Lille
Apesar de alguns vislumbres momentâneos na Alemanha e no País de Gales - no empréstimo ao Swansea -, a verdade é que foi com a mudança em definitivo para a Ligue 1, para representar o Lille, que Renato Sanches renasceu e voltou a mostrar o seu potencial. Contudo, o Bayern ainda pesava.
«Acho que ele sentia esse peso anímico da passagem pelo Bayern. Várias vezes o tentei acalmar nesse aspeto e ele foi melhorando, como se vê na mudança de discurso dele ao longo dos anos. Deixou de falar que tinha de provar e passou a desfrutar», começa por explicar Jorge Maciel.
Prova desse sucesso é que Jorge e Renato - juntamente com Xeka, José Fonte, Tiago Djaló, Luís Campos, Carlos Pires e Luís Norton de Matos - foram campeões franceses em 2020/21, contrariando o esperado e acabando com uma "seca" de 10 anos dos dogues.
O novo João Neves? «Não perdeu a coragem e rebeldia em campo»
Estando incluído no negócio de João Neves e pisando ambos a mesma zona do terreno, não é de estranhar que os adeptos encarnados questionem se Renato Sanches é o certo para substituir o jovem internacional luso, até pelas diferenças de características entre ambos. Paulo Lopes e Jorge Maciel olharam para o que mudou entre o Renato de 2015/16 e o que agora regressa às águias e concordam em vários aspetos.
«Tem este lado inteligente. Não tenho dúvidas que, se o contexto de equipa o permitir, terá sucesso. Mas não será fácil, porque se há um problema de anos no Benfica é a dinâmica dos médios. Teve seis meses interessantes com o Enzo, mas desde aí tem faltado mais equipa. O Renato pode encaixar numa equipa que seja mais equipa. Não se vai esconder», aponta Jorge.
«Com o tempo vais aprendendo e passando a ver o jogo de forma diferente, o que faz com que te movimentes de forma diferente. O contexto, as várias equipas onde ele jogou, fazem-no aprender. Uma das características, que continua a ter, e ainda bem que não a perdeu, é a condução e transporte da bola. Nesse momento é forte. Chegou onde chegou por essas características. Vai continuar a ter isso e é uma mais valia», acrescenta Paulo.
E será que encaixa neste Benfica? «Não sei quais são as ideias, mas para um treinador todos os jogadores bons encaixam sempre. As características do Renato são diferentes do Florentino Luís Do João Mário, do Fredrik Aursnes e do Leandro Barreiro São características complemente diferentes. Tem coisas que os outros não têm e que o podem ajudar a afirmar-se», conclui o antigo guarda-redes.