Difícil é encontrar quem nunca tenha, pelo menos, experimentado. Se ama futebol, é bem provável que no ambiente do trabalho do seu computador resida um pequeno ícone com as iniciais 'FM' e o respetivo ano. Football Manager, esse viciante vídeojogo que já nos agarrou - ainda agarra - a todos a um ecrã durante horas a fio, fonte de muitos «já vou» quando a mãe chama para jantar, de muitos «hoje não me apetecia muito sair de casa» quando a namorada ou namorado já desenhou todo o plano para a tarde solarenga.
No meio dessas longas tardes, quiçá madrugadas, onde a vontade de jogar é maior a cada partida terminada ou contratação assegurada, longe estaríamos nós de pensar que um dia tudo ia evoluir para um patamar onde fosse possível decidir quem é o melhor treinador virtual do Mundo. O dia chegou, senhores. Já não se trata apenas de mergulhar nos escalões inferiores de Inglaterra, agarrar no Woking e torná-lo a maior potência no universo virtual. A FIFA deu o passo seguinte, caro leitor, e trouxe para cima da mesa toda uma nova realidade: o Campeonato do Mundo de Football Manager.
20 treinadores, 100 mil dólares na mesa
Antes de mergulharmos mais a fundo na experiência, vamos dar-lhe todo o contexto que necessita. A edição inaugural do Campeonato do Mundo de Football Manager, organizada pela divisão de esports da FIFA (FIFAe), arrancou a 28 de agosto, na cidade inglesa de Liverpool.
Por Terras de Sua Majestade passaram 20 treinadores virtuais, os melhores da atualidade, num total de 19 países representados. Inglaterra, nação anfitriã, foi a única representada por dois atletas. Em cima da mesa estava um total de 100 mil dólares em prémios monetários, cerca de 90 mil euros.
A competição dividiu-se em cinco dias, de 28 de agosto a 1 de setembro. O primeiro dia foi reservado para a pré-temporada e os três dias que se seguiram foram reservados para as três temporadas que compunham a fase de grupos, sendo que a última das temporadas era jogada sem mercado de verão. Ou seja, a fase de grupos da prova obrigava cada treinador a realizar três épocas com a equipa que lhe fosse sorteada.
Mas como é que se jogou efetivamente a prova? Muito simples: foram sorteadas quatro equipas, uma para cada grupo. Os treinadores de cada grupo treinaram, portanto, a mesma equipa e o objetivo foi aferir quem conseguia amealhar mais pontos, com a pontuação a ser distribuída por vários objetivos como vencer o campeonato, vencer uma competição europeia e por aí adiante. Os primeiros classificados de cada grupo seguiram para as meias-finais, onde aí assim o modo de jogo já contemplou o confronto direto entre treinadores, através do modo de jogo draft.
Confuso até agora? Já vamos tratar de o esclarecer. Por agora, cabe-nos indicar que, claro está, Portugal foi uma das nações selecionadas para competir na primeira edição do torneio. E sim, está a pensar bem: o zerozero tem a ficha do treinador virtual que representou o nosso país em Liverpool. Lica foi o vencedor do qualificador português e viajou para Inglaterra acompanhado do selecionador nacional de futebol virtual, Francisco 'Quinzas' Cruz.
«Já pensei várias vezes em ter o curso de treinador»
Fomos à procura do responsável por um marco histórico para o desporto virtual nacional, o primeiro jogador de Football Manager português a competir a uma escala global. Lica, alcunha que carrega desde os tempos de jogador e que transportou para o mundo dos vídeojogos, tem hoje 29 anos e o quadro tático acompanha-o quase desde o berço.
«Já jogo há quase 20 anos. O primeiro FM que joguei foi em 2006, tinha ali 11/12 anos, foi quando tive o meu primeiro computador», contou ao nosso portal. Apaixonado pelo futebol, o casamento foi perfeito. Quase 20 anos depois, tudo ainda parece irreal: «Se me dissessem isso [que ia haver um Campeonato do Mundo], eu dizia que estavam malucos», deixou escapar entre sorrisos.
As proezas que Lica alcança nos bancos de suplentes virtuais podem ser acompanhadas por quem o segue. As transmissões em direto através da plataforma Twitch são uma constante na vida de Daniel Almeida «há cerca de dois anos» e o talento inato para orientar jogadores num relvado virtual leva a pensar, porventura, em tentar a sorte com jogadores que efetivamente respondem de volta: «Já pensei várias vezes em ter o curso de treinador, já ando a pensar há vários meses. As pessoas estão sempre a dizer-me para tirar o curso.»
Cai a ficha: não é um sonho, é a realidade
O caminho começou a ser traçado e a paragem seguinte do comboio, cujo destino final era Liverpool, seria no qualificador português. Aqui, Lica teve de se digladiar com outros candidatos e superar os mesmos para arrecadar a vaga. Missão cumprida. «Estávamos poucos, não estava muito divulgado ainda», recordou o atleta luso.
Avançamos no tempo e chegamos ao primeiro dia da competição. Já não é um sonho, mas a realidade. Está mesmo a acontecer e a ficha cai a Daniel Almeida quando pisa o palco pela primeira vez. «Isto foi um boom gigante. Parecia que estava a sonhar acordado, olhava para a frente e parecia que estava a sonhar», afirmou.
Há futuro no Football Manager para ser um esport?
A competição não correu propriamente de feição para o treinador luso. Lica ficou sorteado no grupo B e orientou os ingleses do Brighton & Hove Albion. Conquistou 15 troféus nas três temporadas, número insuficiente para concorrer com os adversários, e despediu-se no quarto lugar de um grupo de cinco jogadores. O Mundial veio a ser ganho pela Indonésia.
Feito o mais difícil, erguer a primeira edição, agora ficam as questões: por onde continuar o caminho? Há, de facto, condições para que o Football Manager seja um esport como o são o Counter-Strike, o EA SPORTS FC ou o League of Legends? Está o jogo preparado para isso?
«O formato era muito agressivo, eram poucas horas para fazer muita coisa ao mesmo tempo. O FM ainda não é um jogo talhado para ser um esport, nem tem modos de jogo para isso», realçou Lica. O português mantém, contudo, a esperança no potencial do vídeojogo.
«Há muito trabalho a fazer nos próximos anos, o próximo FM vai ser completamente diferente. Há potencial, mas não dá para comparar o talento dos jogadores. Estamos a comparar saves, o ganhar ou não ganhar, os sorteios, as lesões... muita coisa que não dá para comparar», explicou-nos, lamentando que o formato atual não sirva propriamente de comparação direta entre os treinadores.
Não sabendo com antecedência a equipa que ia treinar na competição, visto que o sorteio foi realizado pouco antes do início, a preparação de Lica consistiu em «uma semana e meia, a jogar cerca de oito, nove horas por dia» e a trabalhar nos piores cenários possíveis. «Treinei nas piores equipas de cada campeonato. Na Croácia, no Japão, na Coreia do Sul», disse-nos.
O futuro a Deus pertence, mas os sinais são positivos e uma segunda edição pode estar a ser cozinhada: «Eles ficaram muito contentes e o diretor da Sports Interactive estava encantado com a competição e tudo o que a envolveu. Acho que o jogo tem tudo para evoluir nos próximos três, quatro anos. Tem tudo para dar um boom e chegar perto dos outros esports», concluiu.