Depois de um regresso na prateleira dos 'Jogadores', com a chegada de Renato Sanches a título de empréstimo, o Benfica também decidiu ir atrás de um treinador conhecedor da casa, após a saída de Roger Schmidt. Rui Costa foi à lista de técnicos livres no mercado e colocou o seu pesado dedo sobre o nome de Bruno Lage.
Com passagem na formação das águias, o treinador de 48 anos assumiu o leme da equipa principal na 16ª jornada do campeonato 2018/19, quando os encarnados estavam a múltiplos pontos da liderança. No entanto, com a introdução de uma filosofia bastante própria, foi a tempo de salvar o barco, colocando o emblema da Luz na rota da Reconquista.
Na temporada que se sucedeu, os resultados não foram os esperados, algo que acabou por levar à demissão do líder luso. Após aventuras no futebol inglês e brasileiro - pelo Wolverhampton e Botafogo -, Lage terá pela frente a difícil missão de voltar a contagiar os adeptos. Para alcançar o respetivo objetivo, deverá implementar um estilo de jogo atrativo, ao mesmo tempo que preenche o Museu Cosme Damião com premiações coletivas.
O zerozero compilou quatro desafios que esperam Bruno Lage no regresso à Luz. Vamos a isso!
1) Desvantagem abismal? Já saiu por cima!
Tal como foi mencionado anteriormente, Bruno Lage teve uma oportunidade dourada na equipa A do Benfica num período bastante conturbado. Um novo desaire, desta vez no Algarve, diante do Portimonense (2-0), acabou por corresponder ao fim da linha de Rui Vitória no comando técnico. A escolha recaiu, assim, no comandante de Setúbal, após um bom trabalho no conjunto secundário dos encarnados.
A tarefa era bastante difícil. Na busca pela Reconquista, sete pontos separavam o conjunto da Luz do líder FC Porto. No começo de uma nova Era, o cenário negro intensificou-se aos 20' do encontro frente ao Rio Ave, quando Bruno Moreira ampliou a vantagem dos vilacondenses para 0-2. Com um grande espírito de resiliência, a turma da casa conseguiu contornar a débil situação no Estádio da Luz, fenómeno que galvanizou as tropas para a restante campanha.
O plano traçado por Lage foi bem-sucedido: as 18 vitórias, nos 19 confrontos que restavam disputar, levaram a turma lisboeta a erguer o troféu da Liga Portuguesa pela 37ª vez na sua história, fruto de uma grande cavalgada na tabela classificativa. De realçar, ainda, a prestação na Europa League, com o glorioso a atingir os quartos-de-final da prova, mas caindo perante o Eintracht Frankfurt, numa eliminatória pautada pelo equilíbrio.
O milagre já foi operado uma vez e, como tal, a esperança da direção (e da massa associativa) é acrescida. A diferença para o Sporting é já de cinco pontos, com apenas quatro jornadas a terem sido realizadas até ao momento. Veremos se Lage ainda vai a tempo de organizar os seus soldados e encontrar o caminho apetitoso para o Marquês.
2) A amostra Félix: transformar a prata da casa em ouro
25 de agosto de 2018. O Benfica perdia por uma bola frente ao rival Sporting, na terceira jornada do campeonato. Rui Vitória aponta o dedo em direção a Félix e diz: 'João, vais entrar'. O camisola '79', na sua terceira aparição pela equipa principal, pisou o relvado aos 71' e, nos últimos suspiros do encontro, saltou mais alto que a defensiva contrária, tornando-se herói improvável.
Porém, a opção pelo jovem promissor acabaria por não ser recorrente, pelo menos até Lage assumir a pasta. O novo ourives da Luz confiou nos apurados recortes técnicos do avançado logo numa primeira instância, sendo prontamente recompensado com dois preciosos golos. Seria o início de um show interminável, com o camisola '79' a apontar 20 tentos e oito assistências (!) durante o percurso vitorioso das águias.
Félix não foi caso único, que o diga Florentino Luís. O jovem treinador chamou o meio-campista à equipa B e rapidamente colheu os frutos desta aposta. Também Ferro, de forma surpreendente, subiu um patamar na hierarquia dos encarnados, formando uma sólida parceria com Rúben Dias, numa época onde as suas atuações foram irrepreensíveis.
Roger Schmidt trouxe à tona todo o potencial de João Neves, transformando o médio num jogador superlativo. Gustavo Varela, João Rêgo, Diogo Prioste, Hugo Félix e Joshua Wynder poderão ser os próximos na linha de montagem. Lage quer certamente voltar a moldar a prata da casa a seu belo prazer, com o intuito de arranjar novas armas para o ataque à temporada 2024/25.
3) Para a frente é o caminho: o vertiginoso 4x4x2
O bom futebol praticado na caminhada até à Reconquista esteve assente num dinâmico esquema tático: o 4-4-2. Haris Seferovic e João Félix foram os elementos mais utilizados na frente de ataque, com o internacional luso a recuar por múltiplas vezes no terreno, obtendo o esférico entrelinhas. Pizzi procurava zonas interiores proveniente da linha, enquanto Rafa Silva, fruto da sua verticalidade, explorava os movimentos de rotura.
O meio-campo era ainda sustentado por jogadores mais físicos, como Gabriel Pires ou Andreas Samaris, encarregues da ligação entre a linha defensiva e os avançados. Porém, a principal mudança passou pela objetividade no processo ofensivo. Com a chegada de Lage, a equipa aumentou a velocidade na construção, chegando com poucos toques à área adversária. Este ideal vertiginoso apanhava as defensivas contrárias em contrapé.
Nesta provável reinvenção, Zeki Amdouni, reforço proveniente do Burnley, poderá vestir a pele de Félix, uma vez que as suas características se adequam à função de 'Falso 9'. O suíço gosta de soltar-se da marcação e, posteriormente, servir os colegas que se encontram em posições mais vantajosas. Ao seu lado, Vangelis Pavlidis irá ficar responsável por agitar as bancadas com finalizações certeiras. Tal como Seferovic, o grego adora desmarcar-se nas costas da defesa, dando uso à sua envergadura física.
Se ainda é cedo para prever as restantes alterações, o 4-2-3-1 montado no tabuleiro germânico será mesmo dissipado. Para além disso, os elementos mais próximos das faixas laterais deverão ser portadores de uma maior imprevisibilidade, bem como apetrechos significativos no um-para-um. Estes eventuais requisitos são do agrado de Andreas Schjelderup e de Kerem Aktürkoglu, desequilibradores natos.
4) 'Sei que o melhor de mim está por chegar'
'Sei que o melhor de mim está por chegar'. Verso de um tema musical da intérprete Mariza, mas que traduz na perfeição o impacto de Bruno Lage em 2018/19. Para além de ter lapidado as diversas pérolas do Seixal, o treinador oriundo de Setúbal também procurou exponenciar as valências do plantel que tinha à sua disposição.
Haris Seferovic foi a cobaia onde os efeitos da poção foram mais notórios. Depois de ter feito apenas nove golos na época de estreia pelas águias, o suíço acabaria por realizar a campanha mais goleadora da sua carreira, com a grande maioria dos 27 tiros certeiros a surgirem no arranque da Era Lage.
O camisola '14' não foi o único a beneficiar do respetivo feitiço. Após duas temporadas com registos individuais pouco significativos, Rafa Silva abriu, subitamente, o livro. Os 21 tentos da sua autoria foram determinantes para a conquista do título. Também Pizzi caiu como uma luva nestas dinâmicas distintas, tendo somado 28 contribuições (!) ao longo de toda a temporada. Um ano muito prolífero para os sujeitos mais adiantados no campo!
Bruno Lage terá agora o mesmo desafio: obter a melhor versão de jogadores desacreditados, como Orkun Kökçü. O médio turco está longe do futebol apresentado em território neerlandês, mas uma mudança no banco de suplentes pode aumentar os índices de confiança do ex-Feyernoord. António Silva segue o mesmo padrão, esperando alcançar novamente o rendimento de épocas anteriores.