Fazemos de tudo pelo clube que amamos. O futebol tem dessas coisas. Longas viagens, horas mal dormidas em aeroportos, 'loucuras financeiras' ou até mesmo faltar ao trabalho para apoiar a equipa durante 90 minutos. Haverá quem diga que são atos irracionais (alguns diriam que sim). Haverá quem diga que é um modo de vida e voltariam a repetir todos os passos, apenas para estarem perto dos jogadores que admiram.
Se para uns estes planos acabam por ser semanais, para outros... a história não é bem assim. A vida, por um motivo ou por outro, leva-nos para outras cidades e para longe de casa. O amor pela modalidade nunca desaparece, claro, apenas é vivido de forma distinta. Depois de uma pequena fase de adaptação e interiorização, tudo volta à - nova - normalidade.
A internet permite-nos uma consulta rápida e conclusiva relativamente ao que pretendemos ilustrar. A casa do Sporting Clube de Portugal de Bruxelas, a única na Bélgica.
Entrámos em contacto com André Paula Santos, um dos fundadores deste grupo de adeptos. Uma conversa recheada de histórias, experiências e, acima de tudo, muitas 'loucuras', no bom sentido da palavra. Embarque connosco nesta viagem em bom português, apesar da distância geográfica entre as duas partes.
«Estamos no centro da Europa»
Começámos esta reportagem com uma pergunta: sabe quantos núcleos estrangeiros do Sporting é que estão registados? De acordo com a informação disponível no website leonino, são 19, espalhados por 11 países: Angola (Luanda), Austrália (Sydney), Bélgica (Bruxelas), Canadá (London), Espanha (Madrid), Estados Unidos da América (Califórnia, Chicopee, Danbury, Hartford, Nova Inglaterra, Philadelphia, Rhode Island e Suffolk), França (Perpignan), Luxemburgo (Differdange), Moçambique (Maputo e Pemba), Inglaterra (Londres) e África do Sul (Joanesburgo).
«A partir daí, nunca mais conseguimos estar na mó de cima. Somos um grupo de portugueses que se junta de vez em quando para almoçar ou ver jogos do clube. Não possuímos a capacidade de ter a contabilidade organizada, personalidade jurídica, um registo... Tudo isso só vale a pena se tivermos uma base sustentada de adeptos. Eu sei que em Portugal existem núcleos a sério, pois têm cafés, autocarros próprios e as quotas estão todas em dia. Aqui acaba por ser mais complicado. Ou seja, o nosso trabalho passa por facilitar o trabalho quando alguém quer ir a alguma partida no estrangeiro», lamentou André, antes de falar dos horários das transmissões televisivas.
«Os encontros, para quem está na Bélgica, são muito tarde [n.d.r. diferença de uma hora]. Aqui começam às 21h00, 21h30, 21h45... Isso afastou o pessoal. Ninguém se vai meter num café num domingo à noite para chegar a casa muito tarde. Antes existia um sítio chamado Sporting Clube Campomaiorense, onde nos juntávamos. O espaço fechou e já não há qualquer vestígio do café. É uma pena», acrescentou o português, que trabalha numa empresa que fornece matéria-prima para biocombustíveis, estando responsável por «influenciar a legislação europeia para suportar o negócio da empresa».
«Eu vim para cá por causa de um estágio na Comissão Europeia. Depois fui fazendo outras coisas até arranjar um emprego a sério. Em termos familiares, casei-me com uma mulher que não é portuguesa, portanto, voltar a Portugal apenas de férias ou para ir ao Estádio José Alvalade acompanhar o Sporting», confidenciou.
Além-fronteiras
Estádio José Alvalade e aventuras inesquecíveis, exatamente. Uma ligação forte. Apesar dos milhares de quilómetros que separam as duas partes, o amor pelo clube continua sempre presente e também permite regressar a solo português com relativa frequência. «Faço um esforço adicional para ir aos jogos de maior interesse. Há uns anos fui ver um Sporting - Benfica. Se ganhássemos éramos campeões. O jogo acabou 0-0, foi miserável [risos]. Tinha viajado de manhã e fui embora no dia seguinte.»
«Uma das coisas mais difíceis quando emigrei, em 2011, foi deixar de ir aos jogos em Alvalade. É diferente só ir aos encontros fora, pois acaba por ser mais caro. Mas meto-me no avião e rapidamente chego a Lisboa. É vida. Agora vou passar o Natal a Lisboa e quero ir à partida com o Benfica, no dia 29 de dezembro. Para além disso, claro, pretendo ir à Loja Verde, onde gastámos sempre bastante dinheiro em camisolas e merchandasing oficial», referiu.
«Ele ficou maravilhado com aquele ambiente. Perder por 1-5 e ter o estádio todo a apoiar incondicionalmente a equipa... Eu acho que, nesse aspeto, o Sporting não fica atrás de ninguém. Já acompanhei o clube para quase todos os sítios da Europa. Em Stamford Bridge, por exemplo, éramos mais ou menos 4000 pessoas e fizemos mais barulho que o estádio inteiro. Eles pareciam que estavam numa ópera, só estavam ali para ver ver o espetáculo», atirou, antes de falar das diferenças culturais dos povos.
«Quando digo aos estrangeiros que o Sporting não é só futebol, eles ficam sempre admirados porque isso não acontece na maior parte da Europa. Falei-lhes das temporadas do futsal ou do andebol, que estão em grande plano. Acho que eles não possuem um conhecimento aprofundado relativamente ao tamanho do clube.»
«Os adeptos do Legia eram um bocado assustadores»
Já tivemos referências a Dortmund (Alemanha), Eindhoven (Países Baixos) ou Londres (Inglaterra). A pergunta que se impõe é a seguinte: qual a melhor experiência até então? «Gostei muito de ir ao Signal Iduna Park. Aquela 'muralha amarela'... Impressionante. Fui com um amigo meu do Borussia e a receção foi muito amigável, excelente. Adorei o ambiente», disse.
Os sorteios das competições europeias não se «focam» apenas nas principais cidades europeias. Por vezes, é necessário viajar até estádios com ambientes mais... hostis. «Uma vez fomos até à Polónia. Éramos para aí 100 sportinguistas no estádio do Legia Warszawa. Os adeptos polacos eram um bocado assustadores. Termos perdido 1-0 até foi simpático porque evitou que tivéssemos alguma experiência negativa [risos]. Lembro-me que era novembro, ou seja, estavam menos dez graus.»
«Dentro do estádio vendem de tudo: whisky, cerveja... Lembro-me de estar cá fora com um amigo e de estarmos a beber cerveja. A polícia chegou à nossa beira, sem qualquer tipo de explicação, e tirou-nos as bebidas da mão porque não podíamos estar ali a beber. Numa fase posterior percebi que estava relacionado com a regulamentação que têm em vigor», confidenciou André Paula Santos.
«Acho que ficámos mal habituados nos últimos dois anos»
Já falámos das viagens, de todos os esforços realizados, mas ainda mas não fizemos uma 'ponte' para a partida que nos levou até ao contacto com este adepto: Club Brugge - Sporting, disputado esta terça-feira, às 20h00. André vai ser um dos muitos sportinguistas que irá marcar presença para apoiar a equipa.
«Já me disseram que estão previstas 3000 viagens de Portugal para ver a partida, sendo que o Sporting irá ter direito a... 1400 bilhetes. Em Bruges, ao contrário de outros estádios, não deixam adeptos da equipa visitante ir para a bancada central, mesmo que tenha um bilhete válido», acrescentou.
Este jogo, aliás, será o segundo europeu de João Pereira, depois da goleada sofrida em casa diante do Arsenal. «Eu acho que, nos últimos dois anos, ficámos mal habituados. No título da pandemia sofríamos imenso, existiam encontros em que eram mesmo até ao fim. Estávamos a perder e dávamos a volta. Ainda assim, penso que o Sporting está mais estável e é capaz de se reinventar todos os anos. Estamos a ser melhor geridos e tudo foi um processo», referiu, antes de fazer uma pequena comparação com Ruben Amorim.
Para terminar, um prognóstico, pois claro. «Vai estar muito frio e isso condiciona o estado do relvado. Mas os belgas estão habituados a este tipo de condições. O país é do tamanho do Alentejo e tem um campeonato em que as equipas lutam todas de forma aguerrida. O Club Brugge é forte. Eu tenho vários amigos do Club Brugge que estão motivados. Vai ser difícil, no entanto, temos qualidade e capacidade para ganhar. Apostava num 1-3», concluiu.
A distância entre Bruxelas e Bruges são quase 100 quilómetros, muito menos do que nós vamos fazer a partir do Aeroporto Sá Carneiro, no Porto. Até já, André, vemo-nos nas bonitas ruas de Bruges.