Acordar, olhar para o calendário e pensar: já lá vão 15 anos... Não há adepto, treinador, jogador, jornalista, árbitro, dirigente que, ao rever as imagens da trágica morte de Miki Feher, não solte um arrepio, não encharque os olhos, não suspire!
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Fehér não era um jogador de top mundial, não era um jogador de top do campeonato português, nem sequer era um titular no Benfica, como não tinha sido no FC Porto. Era, quando muito, uma promessa do futebol húngaro e do campeonato nacional. Mas a vertente futebolística não é chamada ao caso. Fehér tornou-se um símbolo, não apenas do Benfica ou da Hungria, mas de Portugal e do futebol.
25 de janeiro, noite em Guimarães, frio e chuva brindavam um intenso, mas mal jogado, Vitória SC x Benfica. Fehér estava a jogar pouco, vinha de apenas uma participação nos anteriores quatro desafios para o campeonato, só que Nuno Gomes não pôde ir a jogo e, face ao nulo, o avançado foi a primeira opção de Camacho, entrando ao minuto 58 para o lugar de João Pereira.
«Todos os anos, por esta altura, passa-me sempre a mesma coisa pela cabeça: marcar o golo e logo a seguir o Miklos cair para o lado. Logo na hora tive aquele feeling de que algo estava mesmo muito mal», referiu, ao iniciar a conversa com o zerozero, relativamente a um tema que mostrou recordar com lucidez.
«Nunca estamos à espera de uma coisa destas. Era um jogo numa noite fria e de chuva e acontece algo que ninguém estava à espera e de que eu nunca tinha ouvido falar, sequer. Foi trágico, pois estávamos a fazer aquilo que fazemos sempre, que é jogar futebol», considerou.
O desespero foi visível, no estádio e na televisão, mas prolongou-se pelas horas seguintes, numa apreensão lógica de quem sentia o palpitar de uma catástrofe a chegar. Angústia, medo, ansiedade, pânico e um balneário rasgado por gritantes ruídos de... silêncio.
«Quando chegámos ao balneário imperou o silêncio, no máximo havia os que abraçavam outros. Ali só queríamos tomar banho rapidamente para irmos para o hospital, embora soubéssemos que a situação era muito negra e muito grave», explicou Fernando Aguiar, nesta entrevista ao zerozero.
Tragédia que fortaleceu união, mas que não sai da memória
![]() | Miki Fehér 5 títulos oficiais |
«Confesso que, a partir daí, fiquei um bocado abalado, com medo que alguma coisa me acontecesse, estava sempre com a mão na pulsação. Ainda hoje, quando há um treino mais forçado, acabo a pensar nisso e a controlar a respiração para me certificar que está tudo bem comigo», confessou.

«Éramos um grupo forte e amigo, mas aquilo tornou-nos ainda mais unidos e queríamos ganhar alguma coisa para simbolizar aquela época. Acabámos por ganhar a Taça de Portugal e a união foi realmente enorme, tanto que ainda hoje falo frequentemente com muitos dos meus colegas da altura», considerou o médio luso-canadiano.
Fehér, o reservado, estava a aparecer
Somava 24 anos e meio (faria 25 em julho) e tinha chegado a Portugal muito cedo, para o FC Porto. Chegou a comemorar o Penta, só que esteve noutras paragens (Salgueiros e SC Braga) para ter mais oportunidades e acabou por sair dos dragões em litígio.
Seguiu-se o ingresso no Benfica e uma época e meia de águia ao peito. Na primeira, tinha feito quatro golos em 18 jogos, na segunda já levava mais um jogo disputado e o mesmo número de golos, o último dos quais contra os belgas do La Louvière (1x0), no Estádio do Bessa, em jogo da Taça UEFA.
O espaço ia sendo trilhado a pulso, por causa da forte concorrência, mas Miklos Fehér conseguiria a afirmação, segundo a convicção de Fernando Aguiar: «O Fehér tinha uma concorrência bastante forte. O Sokota estava muito bem naquela altura, muito forte e agressivo, a quem não era fácil tirar o lugar. O Nuno Gomes era um excelente avançado. Contudo, o Fehér era novo e estava a aparecer, não tenho dúvidas de que seria um avançado que se iria afirmar no futebol português».E, para além do jogador, que pessoa se perdeu? «Não era uma pessoa de muita conversa. Era muito reservado e gostava de estar no seu cantinho. Apesar de gostar de entrar nas brincadeiras, não era uma pessoa extrovertida, mas toda a gente gostava dele».
A vida de Miklos levou um pontapé de surpresa, que enganou toda a gente, naquela fatídica noite. Existem os passes, os cruzamentos, os dribles, os desarmes, os golos e tudo no futebol parece ter um efeito de sucesso e também uma fórmula que contrarie a lógica. Tudo, menos a morte, porque nisso também o futebol é pequenino...
Até sempre, Miklos Fehér!
[Artigo originalmente publicado a 25 de janeiro de 2014]