Não foi exatamente à hora marcada (19h45, hora de Champions), mas foram uns minutinhos depois: Bruno de Carvalho entrou no auditório Artur Agostinho, seguido de Augusto Inácio e Marco Silva. Confirmava-se que era este último o 82º treinador do Sporting. O zerozero.pt traça-lhe o perfil do técnico, alicerçado por várias conversas tidas com quem de perto lidou com um jogador que não abdicava de dar opinião e que, nas funções atuais, tem o dom de fazer pingar as lágrimas no rosto dos seus jogadores, ele que só jogou dois jogos no primeiro escalão nacional, dos quais perdeu um... contra Jorge Jesus.
«O Marco era sempre muito pontual e já com os jornais todos debaixo do braço», contou-nos Hélder Sousa, que jogou com o agora técnico do Sporting no Trofense (em 1998/1999) e na equipa B do SC Braga (2001/2002). Mais que colegas, eram amigos. Viviam ambos em Matosinhos e iam todos os dias juntos para os treinos, pelo que, ao atender o nosso telefonema, o ainda avançado do Trofense tenha desde logo garantido que não iria ter dificuldades em recordar-se das vivências.
«Conheço-o bem. Discutíamos muito sobre futebol nas nossas viagens, pois tínhamos muitas vezes opiniões contrárias, embora também tivéssemos as nossas palhaçadas, que somos duas pessoas bastante bem dispostas. Ele sempre foi ambicioso e ganhador, sempre foi um vencedor. Até nas peladinhas ele queria sempre ganhar e picava-se constantemente», explicou o seu colega de viagem, naquela altura em que o século virava, naqueles tempos em que andavam pelos escalões secundários do futebol português.
Nem sempre isso aconteceu. É certo que, como disse ao MaisFutebol em maio do ano passado, a sua carreira como jogador «foi mediana» e que «claramente» a de treinador já é superior, só que Marco Silva também teve o seu momento de glória ao mais alto nível. Em 1996/1997, de tenra idade (19 anos, o primeiro como sénior), fazia parte do plantel do Belenenses, que começou mal a época com Quinito, substituído entretanto por Vítor Manuel. Marco Silva era lateral direito, mas quase só nos treinos, já que, a jogar, era Lito Vidigal (o agora treinador) a tomar conta do lugar.
«Quando cheguei estávamos na oitava jornada. O momento do Belenenses não era fácil, porque precisávamos de pontos e eu servi-me dos mais experientes. Era um menino muito correto no trato, fiquei com essa impressão, embora claro que nunca poderia dizer que ele viria a ser treinador, até porque só tinha 19 anos», disse Vítor Manuel ao zerozero.pt.
Marco Silva, pois, praticamente não jogava. A exceção foi uma apenas, no já demolido Vidal Pinheiro, a 29 de novembro de 1996. Lito andava lesionado e não foi a jogo, pelo que o jovem lateral, mesmo não sendo titular, foi lançado a dez minutos do fim para o lugar de Rogério, para ajudar a segurar o 1x2.
«Ai foi o Rogério que saiu? Eu sabia que a estreia tinha sido contra o Salgueiros, mas não me lembrava desse pormenor», relembrou Vítor Manuel, que se sentiu tão nostálgico ao saber que tínhamos falado com o próprio Rogério, que logo nos pediu o contacto dele. «Rogério? Aquele do meio campo? Era muito jeitosinho. Que é feito do malandro? Ainda por Viana do Castelo?», não soubemos responder, mas mais um laço de amizade será reatado. O futebol é lindo!
Voltando a Marco Silva, que teve aqueles 10 minutos de fama, na vaga de Rogério, que confessou não ter grande recordação do momento: «Lembro-me mais ou menos desse jogo. Lembro-me do Marco, lembro-me de partilhar o balneário com ele. Divertido, muito trabalhador e com grande entrega nos treinos, sendo muito disciplinado. Fazia um bom balneário».
Rogério também era jovem na altura, mas jogava mais tempo que Marco. Razão para este amuar? «Não, nunca. O Marco tinha sempre grande vontade de trabalhar, não era de amuar». Numa equipa experiente, jogavam outros nomes familiares dos atuais bancos portugueses: o já referido Lito Vidigal e Paulo Fonseca. Toda uma escola que passou pela mão de Vítor Manuel... «Escola não, que se eu tivesse escola estaria rico neste momento», disse-nos o técnico, sempre bem disposto.
«Mesmo jogando muito pouco na Primeira Liga, ele esteve lá, ele conhece o jogo, ele sente o cheiro do balneário...», exclamou o experiente técnico, que achava que tinha sido o único a fazer jogar Marco Silva na Primeira Liga. Corrigimo-lo, que na última jornada de 1999/2000, o lateral entrou ao intervalo na Reboleira, ao serviço do Campomaiorense, na derrota contra o Estrela da Amadora de Jorge Jesus.
45 minutos em campo, depois de substituir Cao, e nada mais do que manter o 3x0 que tinha sido construído pelos da casa em apenas 16 minutos de jogo. E foi tudo o que existiu, ao mais alto nível. O natural de Lisboa, mas residente na Cova da Piedade, uma localidade de Almada, situada na Margem Sul, já tinha estado no Atlético e no Trofense e voltaria novamente ao clube da Trofa no ano seguinte, onde marcaria o primeiro golo de que há registo como sénior (e foram poucos).
A chave que Jesualdo Ferreira não abriu
Depois do Trofense, o Rio Ave sem grande brilho, seguindo-se a equipa B do SC Braga, onde esteve durante época e meia, sob a orientação de António Caldas. O atual treinador do Sagrada Esperança orientou-o quando o atleta tinha 24 e 25 anos: «Era uma pessoa com uma personalidade diferente dos outros. Era um bom observador e já se notava nele alguma maturidade na forma de contacto, não só comigo, mas também com o grupo de trabalho. Pela sua forma de estar, era alguém com voz no grupo».
O traço que António Caldas fez ao zerozero.pt foi igual ao que, há dez anos atrás, tinha feito num relatório ao então técnico da equipa principal dos minhotos: «O Marco foi um dos atletas que eu sugeri ao professor Jesualdo Ferreira para a primeira equipa, pela sua qualidade futebolística e humana. Na altura, acabou por não ficar, porque se fizeram contratações, mas, com um bocadinho de felicidade, podia ter feito uma carreira ao mais alto nível. Esse pode ter sido o momento-chave na sua carreira de futebolista», uma chave que não abriu a porta.
«Uma vez foi castigado num jogo em Braga e o comportamento dele, mesmo com os adeptos todos a protestar com o árbitro, foi exemplar, com uma postura fantástica. Pelas conversas que tinha com ele, pela forma como se exprimia, notavam-se traços de personalidade próprios de um treinador. Sempre teve voz, não era dos que se limitavam a ouvir. Havia sempre uma opinião no Marco, se bem que sempre de forma cordial. É essa a imagem que levo dele», explicou António Caldas, facilmente envolvido numa conversa que se notou ser do seu agrado, pelas qualidades que viu em Marco Silva.
A porta da ribalta fechada fez com que Marco Silva voltasse a pegar na mala para viajar, mas sempre cá dentro, pois era uma «pessoa de família», como contou Hélder Sousa, dedicando-se à mulher e às duas filhas, bem como à outra paixão: o futebol. Salgueiros um ano, Odivelas outro e, por fim, o Estoril, para estabilizar finalmente.
Preparação para a nova carreira
Chegado à Amoreira em 2005, logo se preocupou em começar a preparar o seu futuro, pelo que, um ano depois, iniciava os estudos do nível II do curso de treinador, enquanto continuava a jogar. Em 2007/2008, Tulipa foi o seu treinador e promoveu-o a capitão.
«Recordo dele a preocupação em perceber as coisas que se faziam, interessando-se pela compreensão do jogo. Além disso, era uma ajuda muito grande para o treinador, numa fase em que o clube passava por dificuldades, e sabia como lidar com o balneário, daí também o termos elegido capitão de equipa. Soube antever que o seu tempo como jogador estava a terminar e preparou-se para isso e para o que pretendia a seguir. Quando preparávamos o jogo e mostrávamos referências do adversário, notava-se que ele tinha o cuidado de enriquecer o conhecimento e a análise», declarou Tulipa, também em conversa com o zerozero.pt.
A influência de Marco Silva no grupo era inegável, «não por ser o capitão, mas pela personalidade, pelas suas ações». O exemplo não podia ser melhor: «Teve uma lesão muito grave no joelho e soube sempre lutar contra isso, o que foi um exemplo para o grupo, que via nele uma pessoa de bom trato, um companheiro muito chegado».
A última época de Marco Silva como jogador foi em 2010/2011. Já bastante fustigado por lesões e sem a mesma frescura de outros tempos, o capitão pouco jogou, mas atuou de forma tão positiva que o clube da Linha o elegeu para diretor desportivo na época seguinte, cargo que só desempenhou até outubro, altura em que Vinícius Eutrópio era despedido por maus resultados, deixando a equipa quase em zona de despromoção ao fim de cinco jornadas. Marco Silva foi convidado para o cargo e não recusou.
Lameirão, defesa central, acompanhou essas duas temporadas por dentro e seguiu a par e passo a mutação de Marco Silva pelos diferentes cargos: «Foi dos melhores profissionais como jogador. Como diretor, pouco tenho a falar dele, porque esteve pouco tempo nesse cargo. Como técnico, ajudou-me muito e provou ser um excelente treinador, como se tem visto».
«Era o capitão e via-se que ele tinha outra capacidade. Na última época, mesmo tendo algumas lesões e jogando pouco, nunca foi pessoa de amuar. Apesar de não jogar, era uma pessoa sempre presente. É verdade que nunca tivemos grandes problemas no Estoril com esta direção, mas, os poucos que existiam, ele resolvia. Tenho falado com ele e nem ele estava a contar ser treinador tão cedo nem ter o sucesso que está a ter tão repentinamente. Tivemos que o deixar de ver como jogador e passá-lo a ver como treinador. Há sempre ali uma diferença, já não somos colegas, mas sempre o respeitei», assegurou Lameirão, ao zerozero.pt.
Marco Silva pegou na equipa, perdeu o primeiro jogo em Penafiel (3x1), só que, dois meses depois, era líder da então designada Liga Orangina, que viria a conquistar.
«Sem dúvida que ele foi o grande obreiro daquela subida. As nossas cabeças estavam más e foi ele que as mudou. Usava muitos vídeos. Havia palestras em que olhava para o lado e via colegas com as lágrimas a caírem. Ele tentava atingir muito as nossas emoções e sabia como nos comover. Estava sempre presente, mesmos nos momentos mais descontraídos do treino, tentava sempre corrigir as falhas. E conseguia ter sempre os jogadores do lado dele, mesmo os que não jogavam», finalizou.
Depois da conquista do segundo escalão, tudo o resto é ainda muito recente e está na cabeça do seguidor do futebol. O quinto lugar da época passada, a brilhante estreia do clube nas competições europeias, o quarto lugar desta época são cartões de visita aliciantes e que Bruno de Carvalho não quis deixar fugir.
Mais do que isso, humildade, conhecimento, bom trato, compreensão, sensibilidade, influência positiva, cordialidade na opinião que nunca fica por dar. São estas algumas das muitas (boas) características que os entrevistados do zerozero.pt definiram sobre o novo treinador do Sporting, um exemplo de persistência, motivação, determinação e ambição. Com quase 37 anos, até se pode pensar que a juventude não lhe dará o calo necessário. Errado, segundo quem conviveu com ele. E, voltando a citar Vítor Manuel... «ele esteve lá, ele conhece o jogo, ele sente o cheiro do balneário...».