Não eram mares nunca antes navegados, pois a história dos clubes portugueses na Europa é longa e rica, mas nunca uma embarcação dessa ocidental praia lusitana tinha navegado em tão boa companhia como no primeiro ano da segunda década do século XXI. Falamos, é claro, da edição de 2010/11 da Liga Europa.
O futebol já existia na sua versão moderna. Nada era super, isso ainda estava num horizonte distante, mas o domínio das big five era notório no contexto das competições continentais e era progressivamente menos comum o surgimento de finalistas exteriores às grandes ligas. Foi preciso um abanão à portuguesa... e uma final inédita.
Foi neste dia, há precisamente 10 anos, que o SC Braga e FC Porto garantiram a passagem à final. Não fosse uma final four 75% lusa impressionante o suficiente - Benfica e Villarreal foram os restantes semi-finalistas -, os azuis ultrapassaram os espanhóis para marcar encontro com os bracarenses, naquela que seria a primeira vez que dois emblemas portugueses se defrontaram numa final europeia.
Em Dublin, a final sorriria ao FC Porto de André Villas-Boas, é claro, mas essa é uma história para outro dia. Se no dia 5 de maio de 2011 se celebrou uma final em bom português, quando o desfecho não era mais do que prognósticos, então recordemos as equipas, os jogos, e todos os fatores da epopeia de dragões e gverreiros.
Boas vidas, Villas-Boas
Comecemos pelo campeão. O FC Porto foi o finalista menos surpreendente, o que por si só é um enorme elogio àquilo que a turma de André Villas-Boas fez ao longo da temporada 2010/11. Para além da conquista do campeonato nacional, os dragões exibiram-se à altura na Europa e o troféu foi o prémio justo por uma temporada para recordar.
A história começou em Genk, Bélgica, no playoff de acesso à fase de grupos. Passado com distinção (agregado de 7x2), os dragões rumaram a um grupo onde foram a força dominante. Um 3x0 ao Rapid a abrir, um 3x1 ao CSKA Sofia a fechar e pelo meio outras três vitórias, com um empate frente ao Besiktas (1x1) a impedir o pleno.
Radamel Falcao era a figura ofensiva da equipa nas provas europeias, transcendendo o impacto de Hulk e até mesmo as suas exibições domésticas. No final da fase de grupos já tinha sete golos, e marcou mais na Liga Europa do que no campeonato (17 versus 16), registando, discutivelmente, a temporada individual mais impressionante de qualquer jogador na segunda maior prova europeia.Na fase a eliminar haviam quatro representantes portugueses, com o Sporting a também vencer o seu grupo enquanto Benfica e SC Braga caíram da Champions. O leão caiu logo na primeira ronda, mas mesmo os outros, que viveram uma caminhada impressionante, ficaram aquém daquilo que o FC Porto fez.
Não era só Falcao, claro. Havia uma defesa sólida, liderada por Helton e com uma postura coesa, que permitia a Álvaro Pereira protagonizar uma ala esquerda em que o ataque fluía, no apoio a Varela. Mesmo os centrais (Rolando e Otamendi, por norma), nem sempre tinham trabalho, por se posicionarem atrás do polvo Fernando, que dava segurança e liberdade ofensiva a Guarín e Moutinho. Para esmagar adversários havia Hulk, e quando as coisas complicavam havia no banco um jovem James Rodríguez...
Essa equipa azul e branca não era brincadeira, e foi isso que o Sevilla sentiu nos 16-avos-de final, quando foi batido em casa por 1x2 depois de ter vencido em Portugal, e acabou eliminado pela regra dos golos fora. Seguia-se uma dupla moscovita, que saiu do caminho com um póquer de vitórias portistas: Primeiro o CSKA (agg 3x1) e, dias depois de garantir, em pleno Estádio da Luz, mais um título de campeão nacional, o Spartak (agg 3x10).
Foi preciso Paciência
Domingos Paciência SC Braga 2010/2011 |
54 Jogos
25 Vitórias
10 Empates
19 Derrotas
76 Golos
61 Golos sofridos
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A primeira época de Domingos Paciência no comando do SC Braga já tinha sido impressionante, com os Gverreiros do Minho a terminar o campeonato em segundo lugar, mas a segunda, da qual falamos agora, foi ainda melhor. A descida de duas posições, para quarto lugar, foi um claro downgrade a nível doméstico, mas foi, também, um efeito secundário daquilo que a equipa estava a fazer nas competições europeias.
O alvo era a fase de grupos da Liga dos Campeões, onde os arsenalistas nunca tinham estado, e esse objetivo foi alcançado desde logo com o claro início de uma epopeia europeia. Para lá chegar, o SC Braga teve de bater o Celtic e o Sevilla, duas equipas teoricamente superiores.
No grupo a situação complicou um pouco, com Arsenal, Shakhtar e Partizan a sair na rifa. Foram três vitórias em seis jogos, uma boa prestação que serviu para ser o melhor terceiro lugar nessa edição da Champions, mas para nada mais. Dupla vitória frente ao Partizan e o histórico 2x0 frente aos gunners deu para garantir... a queda para a Liga Europa.
Na segunda maior prova europeia a caminhada fez-se longa, até à final mesmo, e foi de muitas reviravoltas. Começou mal, com uma derrota em Poznan frente ao Lech (1x0), mas a reviravolta (2x0) permitiu aos bracarenses marcar encontro com o colosso Liverpool nos oitavos, naquela que seria uma eliminatória para recordar. 180 minutos não foram suficiente para os reds marcarem qualquer golo à equipa portuguesa e o resultado da primeira mão (1x0) foi mesmo o agregado final.
Foi nos quartos que a competência e organização da equipa de Paciência foi mais evidente do que nunca. Um empate forasteiro com o Dynamo Kyiv (1x1) deixou o SC Braga em vantagem para o jogo caseiro, em que o nulo valeu passagem pelo golo fora. A mesma regra beneficiou os gverreiros na ronda seguinte, frente ao Benfica.
As águias venceram em casa por 2x1, mas a Pedreira manteve-se fortaleza europeia e o SC Braga venceu por 1x0, com um golo de Custódio, para garantir um lugar à mesa na sua primeira final da Liga Europa. Dublin, o local do jogo decisivo, estava a 2 178 quilómetros de Braga, mas o adversário estava bem mais perto, e por isso já estava feita história.