Os pulmões de Tadej Pogacar são humanos e as pernas de Jonas Vingegaard têm asas. Duas explicações possíveis para os eventos transcendentes transmitidos para todo o mundo a partir dos Alpes franceses.
No Col de Granon, o favorito dos favoritos quebrou como nunca antes se vira e o magricela da Jumbo-Visma mostrou que Bjarne Riis (vencedor do Tour de 1996) tem sucessor à altura na Dinamarca.
Jonas nasce em 1996 na pequena localidade de Hillerslev, um subúrbio da cidade dinamarquesa de Viborg, não muito distante da baía de Lovns Bredning. Nos primeiros anos de vida frequenta a escola e joga futebol no clube da terra, mas a coisa não corre bem.
«Ele era muito pequeno», contou o pai de Vingegaard ao Cycling Weekly, já em 2021. «Saiu do futebol e certo dia levei-o à partida de uma etapa do Tour da Dinamarca, na cidade onde vivíamos. Começou tudo aí, devagarinho.»
VÍDEO: imagens de Vingegaard na fábrica de peixe
Before turning pro Jonas Vingegaard used to work in a fish factory pic.twitter.com/W7JrdLr3wG
— the Inner Ring (@inrng) July 8, 2021
Devagar, e depois cada vez mais depressa. Jonas sentou os pais, olhou-os nos olhos e disse-lhes que queria ser ciclista profissional. «Foi duro no início. Nessa altura de adolescência ele estava a sair da escola e foi trabalhar para uma fábrica de peixe que temos na cidade. Ensinou-lhe o que é a vida real, o que ele teria de fazer para ter regras, disciplina, saber o que é o compromisso.»
Nessa mesma fábrica trabalhou também Michael Valgren, outro ciclista profissional dinamarquês. O peixe chegava todas as manhãs e era tratado pelos operários. Uma parte ia para as conservas, a outra era colocada no gelo e seguia para os mercados e restaurantes da região.
Jonas Vingegaard passou quatro anos a mexer em peixe e a pedalar quatro horas ao fim do dia. «A dada altura senti que tinha de deixar a fábrica para dar o próximo passo no ciclismo», confessou Vingegaard numa entrevista à mesma publicação. «Eu tinha de acordar muito, muito cedo nessa fase. Acabava por chegar aos treinos já muito cansado.»
Dos amadores do Odder CK (2012-2016), Jonas passou para a Team ColoQuick. E mostrou logo bons resultados. Foi segundo na Volta à China e no Grande Prémio de Viborg (2016 e 2017, respetivamente), ganhou um prólogo no Giro della Valle d'Aosta (2018) e em 2019 impôs-se numa etapa da Volta à Polónia e fez top-10 na geral da Volta à Alemanha.

Ironicamente, a fama bateu primeiro à porta da sogra de Jonas Vingegaard. Rosa Kildahl, mãe da esposa de Jonas e avó da pequena filha de cinco anos, é muito conhecida na Dinamarca. Participou e venceu um reality show dedicado à gastronomia, aparecendo a partir daí em vários programas de televisão.
Nesta altura, porém, é seguro dizer que Rosa já não é o membro mais famoso da família. Jonas Vingegaard foi oitavo na Volta à Polónia em 2020 e explodiu em 2021: segundo lugar no Tour, segundo na Volta ao País Basco, vencedor da Semana Internacional di Coppi e Bartali.
Jonas Vingegaard diz que quer «continuar a ser um rapaz discreto». Adora ver séries televisivas com a mulher, ouve Tom Cochrane e devora, sempre que pode, o puré de batatas com bife e molho de strogonoff feito pela mãe - com a devida licença da sogra cozinheira.
Aos 25 anos, o rapaz da pequena vila de Hillerslev lidera o Tour e provou que Tadej Pogacar não é imbatível. Tem 2m16s de avanço sobre Romain Bardet e 2m22s sobre o esloveno da UAE. Quando o virem a subir de amarelo as montanhas francesas, lembrem-se que Jonas passou anos a estripar e embalar peixe. Todos os sonhos são autorizados.