This is the end, hold your breath and count to ten. Estes dois versos do tema Skyfall, que a cantora e compositora Adele elaborou para o filme da saga 007 com o mesmo nome, podem muito bem ser desenho fiel do pensamento que invade a mente sportinguista nesta fase. A cerca de 72 horas do fim anunciado da história de amor entre Rúben Amorim e o Sporting, o tempo é de aceitar que a etapa chegou ao fim, lamber as feridas, contar até dez... e recomeçar.
Quis o destino, cujo lápis desenha as curvas mais inesperadas e dá vida às coincidências mais impensáveis, que o adeus de Amorim ao Sporting e a Portugal acontecesse não na casa onde tudo começou, porque isso nos remeteria para Pina Manique e para o Casa Pia AC, mas na casa onde começou a apresentação de um jovem treinador à elite, a casa onde se percebeu que estávamos perante um caso especial: Braga.
É na Pedreira, onde deixou uma curta mas acentuada marca, que Rúben Amorim vai atuar pela última vez - pelo menos por agora - como treinador leonino. Na Pedreira, onde colocou o primeiro título no currículo, Amorim diz até já a Portugal e parte, com uma mala cheia de sonhos, à descoberta de um público exigente em Manchester, de um campeonato onde entra apenas a nata do futebol mundial. Movido pelo desejo de replicar o milagre de Alvalade e despertar um gigante há muito agarrado a um sono profundo.
Antes da visita a Braga, o zerozero traz-lhe cinco recordações que marcaram a passagem de Rúben Amorim pelo Minho. A primeira conquista, as primeiras grandes vitórias, os primeiros craques lançados. Recordar é viver e quando o tempo é de despedidas, resta ao ser humano refugiar-se nas memórias.
Impacto desde o primeiro dia
27 de dezembro de 2019. Rúben Amorim torna-se, pela primeira vez, treinador principal de um conjunto da I Liga. Perante o despedimento de Ricardo Sá Pinto, apenas seis meses depois de preencher a vaga deixada em aberto pela saída de Abel Ferreira para o PAOK, Amorim recebe a oportunidade das mãos de António Salvador e sobe da equipa B - pela qual tinha assinado no verão e ganho oito de 11 jogos - para a equipa A.
O jovem treinador, que já tinha representado os arsenalistas enquanto jogador, tornou-se no 18.º treinador contratado por Salvador para a equipa principal minhota. Em tempos natalícios, os adeptos bracarenses receberam uma prenda, mas ainda estariam desconfiados em relação ao conteúdo do embrulho.
Amorim, contudo, não precisou de muito tempo para criar impacto. A estreia aconteceu a 4 de janeiro de 2020, no Jamor, e o SC Braga trucidou a B SAD por 1-7. Na estreia de Amorim, destaque para quatro nomes que vieram a ser importantes não só no Minho, mas também em Alvalade: Ricardo Esgaio (três assistências), João Palhinha (um golo), Francisco Trincão (um golo) e Paulinho (um golo e duas assistências).
Primeiro troféu em menos de um mês
Os primeiros jogos como treinador do SC Braga foram o desbravar do caminho para a confirmação do presságio: Rúben Amorim era - é - especial, de facto. A confirmação propriamente dita surgiu menos de um mês depois de se tornar o treinador principal dos minhotos. Em Braga, no meio das gentes minhotas, os Gverreiros do Minho fizeram de casa a fortaleza para arrecadar a Allianz Cup 2019/20.
Em menos de um mês na alta roda, Rúben Amorim colocou o clube da Cidade dos Arcebispos no patamar que António Salvador sempre idealizou, o de bater o pé aos ditos grandes do nosso futebol. Já o tinha feito, em pleno Estádio do Dragão, no campeonato e voltou a fazê-lo na final four da Allianz Cup, desta vez em dose dupla: o SC Braga bateu o Sporting na meia-final e impôs-se ao FC Porto no encontro decisivo, com um golo tardio de Ricardo Horta.
Por esta altura, as dúvidas que pudessem ainda subsistir já se viam bem ao longe, como um navio de carga a desaparecer na linha do horizonte. Rúben Amorim, o jovem que bebeu de alguns dos melhores quando jogou, estava destinado a grandes feitos.
Grandes? O que é isso?
Se há marca para lá da Allianz Cup conquistada que Rúben Amorim deixou em Braga foi a capacidade de colocar a equipa a competir contra os ditos grandes da nossa praça. Vejamos: nos 13 jogos em que liderou os destinos do SC Braga, até ter surgido Frederico Varandas para cobrir a cláusula de rescisão e o levar para Alvalade, Amorim defrontou os três grandes por quatro vezes... e venceu as quatro.
O primeiro confronto surgiu logo no terceiro jogo do técnico com a equipa minhota, na visita ao Estádio do Dragão. Na 17.ª jornada do campeonato, o primeiro sinal de que este SC Braga podia ser muito especial surgiu por via de uma vitória por 1-2 no anfiteatro do FC Porto.
Não fossem pensar que esta vitória tivesse sido mero engano, Rúben Amorim fez questão de corroborar a sua aptidão para os jogos de maior exigência. Na final four da Allianz Cup que conquistou, o SC Braga bateu Sporting (2-1) e FC Porto (1-0). Depois disso, nova vitória frente aos leões, desta feita em casa e para o campeonato (1-0). E se achava que o Benfica ia escapar, talvez seja melhor pensar duas vezes: na 21.ª jornada, os arsenalistas foram à Luz vencer por 0-1. No espaço de um mês, Rúben Amorim venceu águias, dragões e leões, dois deles fora de portas.
Dois meses chegaram para entrar no livro de recordes
Já não é treinador do SC Braga e caminha para deixar de ser treinador do Sporting, mas ao fim deste tempo todo, Rúben Amorim ainda guarda lugar no livro de recordes dos bracarenses. Uma vez mais, os confrontos diretos com os grandes catapultam Amorim para junto dos imortais na história minhota.
As cinco vitórias consecutivas em encontros com Benfica, Sporting ou FC Porto, que detalhamos acima, são recorde no SC Braga. Nunca nenhum outro treinador na história do clube conseguiu levar de vencida quatro encontros consecutivos com os ditos grandes. Se olharmos ao coletivo, Amorim deu início a uma série dourada que se prolongou por mais uma partida: com Artur Jorge no banco, os arsenalistas ainda venceram o FC Porto novamente, em casa, e chegaram às seis vitórias consecutivas contra os três grandes.
Há ainda um outro recorde que perdura dos tempos de Rúben Amorim: é o único treinador na história do SC Braga a vencer dois jogos consecutivos contra grandes, no campeonato, fora de casa. Aconteceu com as vitórias no Dragão, a 17 de janeiro de 2020, e na Luz, a 15 de fevereiro do mesmo ano.
Chegar, ver, vencer... e sair
Foram apenas dois meses. Dois meses e 13 jogos compõem o capítulo de Rúben Amorim em Braga. Uma ascensão meteórica, assente numa série de jogos a roçar a perfeição por parte dos arsenalistas, levou Frederico Varandas a perder a cabeça e depositar dez milhões de euros nos cofres bracarenses para levar Amorim de imediato, em março de 2020, para Alvalade. Afinal, o presidente sportinguista tinha assistido a duas derrotas frente aos Gverreiros do Minho no espaço de duas semanas.
Em Braga ficam as memórias. 13 jogos, dez vitórias, um troféu conquistado. As únicas duas derrotas deixaram os minhotos fora da Liga Europa, é certo, mas poucos - nenhuns? - serão aqueles que no epicentro minhoto têm algo de negativo a dizer sobre Amorim, que agarrou a equipa no décimo lugar após a 14.ª jornada e a deixou em terceiro no final da 23.ª, com quatro pontos de vantagem sobre... o Sporting.
Domingo é dia de batalha entre gverreiros e leões. No centro do conflito, o homem que está de partida e cujo nome se inscreve de forma muito positiva na história dos dois emblemas: Rúben Amorim.