O nome de Pedro Dias já não passa despercebido no seio do desporto português. Com um largo e distinto percurso académico e desportivo, o Diretor da FPF para o futsal esteve no zerozero para uma entrevista de fundo, onde se tocaram em vários aspetos do passado, presente e futuro da modalidade.
Dividida em quatro partes, por temas, a conversa foi do passado da modalidade aos objetivos da FPF para o futuro, da pandemia à vertente feminina, de Jorge Braz à questão académica no desporto e ainda à tão falada profissionalização do futsal português...
«Portugal, desde o início da modalidade, sempre foi uma potência»
zerozero (ZZ): Achava, em 2011, quando entrou na Federação Portuguesa de Futebol, que em 2022 ia ter este percurso e a conclusão deste percurso com títulos, com provas altamente organizadas, com muitas competições, com muitas seleções e com um futuro também risonho pela frente?
Pedro Dias (PD): Quem conhece o presidente Fernando Gomes percebe que em 2011, quando tivemos as primeiras conversas sobre a possibilidade de o acompanhar no novo desafio que ele se estava a propor, que o nível de exigência já nessa altura, quando estávamos a iniciar o processo, iria ser grande. Acordámos logo ali, por sugestão dele, que até 2026 o futsal em Portugal deveria ser a modalidade coletiva de pavilhão mais praticada no nosso país.
ZZ: Na altura não era.
PD: Antes de termos sido eleitos, quando estávamos a preparar a estratégia para o seu programa, esse foi um dos desafios que ele, no dia da tomada de posse, no seu discurso de posse, anunciou. Ia ser um dos compromissos que ele queria cumprir. E para o realizar naturalmente foram criadas condições para que nós pudéssemos refletir, analisar, contextualizar aquilo que era a realidade, a situação desportiva da modalidade no nosso país, e que foi feita de uma forma exaustiva, muito participada pelos diversos agentes. Não só os stakeholders internos, mas também alguns dos stakeholders externos.
Iniciámos um período de análise, reflexão, caracterização importante, tivemos a participação de equipas multidisciplinares especializadas que nos ajudaram a construir aquilo que foi o caminho com a ajuda e participação efetiva dos clubes das associações de futebol, dos árbitros, dos treinadores, dos jogadores, dos médicos, de todos os agentes e implicados com a modalidade que tiveram oportunidade de dar o seu contributo.
Foram milhares de entradas de questionários que recebemos que nos permitiram caracterizar a situação desportiva e recolher contributos para o desenvolvimento do futsal em Portugal. Demorámos sensivelmente oito/nove meses e apresentámos o plano em outubro de 2012. Foi uma viagem muito interessante, acima de tudo pela construção partilhada que nos levou a apresentar aquilo que foi um documento orientador com aquilo que eram as linhas principais de atuação.
Isso mantém-se. Ou seja, aquilo que são os indicadores que nos ajudaram, as métricas que definimos na altura e que nos ajudaram a analisar. Passados uns anos medir aquilo que foram as medidas implementadas ainda subsistem, foram afinadas, mas acima de tudo o que é importante é referir o completo alinhamento de toda a família da FPF na construção deste caminho, por um lado e, depois dele estar anunciado e apresentado, os clubes, essencialmente as associações de futebol, que são motores, são a célula base os clubes e as associações o braço do desenvolvimento nas regiões, arregaçaram as mangas e orientaram-se por percorrer esse caminho.
Para que nas etapas corretas os nossos jovens, em termos de desenvolvimento, tenham as aprendizagens adequadas, para que depois se possam desenvolver. Esse tem sido um desafio tremendo com muitas pessoas a participar e a contribuir, mas também assente naquilo que foi e é o legado da modalidade no nosso país. Nós não nos podemos, nem naturalmente nunca o iremos fazer, esquecer daquilo que foram as raízes, o início, ou seja onde estão as raízes da modalidade, seja nos clubes de bairro, nos torneios de bairro na década de oitenta.
ZZ: Pegando nesse lado podemos catalogar como sendo um desafio histórico, quase utópico, de transformar uma modalidade quase selvagem, em que há regras, mas são jogos entre amigos, e passá-lo para este campo?
PD: É importante, em termos históricos, enquadrar isto porque estas são as raízes da modalidade. Isso aconteceu naturalmente, eu recordo-me perfeitamente desse período, da importância que tinha na comunidade onde eu estava inserido o torneio de futebol de salão que era organizado todos anos no final da época.
Naquela altura específica, no início da década de oitenta, já havia duas entidades a coordenar aquela prática de pavilhão jogada com os pés, neste caso o futebol de salão. Havia uma federação de futebol de salão com utilidade pública e a Federação Portuguesa de Futebol, que organizava as competições de futebol de cinco. Depois mais tarde, já na década de noventa, essa Federação de Futebol de Salão teve um conjunto de dissidentes que criaram uma outra federação, a Federação Portuguesa de Futsal.
Ou seja, houve momentos na nossa história da modalidade no nosso país que tínhamos três entidades de âmbito nacional a organizar competições. Isso naturalmente não era benéfico para aquilo que poderia ser uma modalidade como conhecemos agora mas esse percurso foi feito, com pessoas que tiveram grande responsabilidade naquilo que foi a unificação dessas entidades dentro da estrutura da Federação Portuguesa de Futebol.
Ou seja, não são muitos anos, são 25 anos, mas é importante perceber que esse caminho foi trilhado, não foi fácil, naturalmente com dificuldades, mas as raízes eram aquelas. E de repente, 25 anos depois, as coisas naturalmente que estão diferentes porque há uma evolução natural em termos internacionais, em termos das entidades de cúpula que gerem as modalidades neste caso da família do futebol, quer a FIFA, quer a UEFA. Têm neste momento um posicionamento diferente relativamente àquilo que é o futsal, vão oferecendo competições internacionais, vão provocando aqui ajustes e a orientação em termos de desenvolvimento nas federações...
ZZ: E consegue perceber porque é que é que há essa vontade de crescimento, também por parte das instâncias internacionais? Tem a ver com aquela árvore, como tantas vezes apelidamos, ser igual para todos, com os ramos a serem o mais parecidos possível?
PD: Penso que a ambição da FIFA não deverá ser diferente daquela que é a ambição da Federação Portuguesa de Futebol a este nível, ter no seu seio as modalidades mais praticadas, seja outdoor, neste caso o futebol, seja no pavilhão, neste caso o futsal, ou seja nas atividades de praia ou de areia, o futebol de praia. Criar condições para termos aqui estas três modalidades, já que elas estão dentro das nossas estruturas e esse deverá ser o propósito e ao longo dos anos, não ao ritmo que nós gostaríamos, mas naturalmente que há aqui vários fatores que têm que ser ponderados sempre.
Portugal, desde o início, e é importante que isto seja dito, desde o início da modalidade sempre foi uma potência. Nós todos sabemos que Portugal já foi campeão do mundo, na altura com outra dimensão naturalmente, de futebol de salão, já foi campeão da Europa de futebol de salão... Na década de oitenta. no início da década de noventa, quando as coisas estavam sobre outros chapéus institucionais, não no caso pela FIFA, mas pela FIFUSA, isso foi o início da modalidade. Nós somos um país que gosta de jogar com a bola no pé e o futsal, no seu início historicamente, no nosso país teve uma grande procura, esta paixão sempre esteve presente.
Agora o que é que este percurso nos mostra? Mostra-nos que a nível internacional as coisas se foram regulando, a nível nacional as coisas foram-se regulando também, não temos várias entidades, temos uma entidade, um chapéu institucional, que tratam e cuidam do desenvolvimento da prática e a nossa responsabilidade como federação, de uma forma transversal, é cuidar do desenvolvimento, criar condições para que tenhamos no âmbito das competições competições cada vez mais competitivas e equilibradas, no âmbito das seleções ter condições para que as nossas seleções possam potenciar o trabalho dos nossos clubes, em termos do desenvolvimento dos nossos praticantes, e em termos de desenvolvimento criar todas as condições para que os resultados desportivos sejam consequências desse processo, mas acima de tudo que sejam, quer as competições, quer as seleções nacionais, o melhor veículo de promoção à prática desportiva, de atração de novos praticantes.
8 títulos oficiais
É esse que deve e tem sido esse o nosso foco, ou seja utilizar estes eventos, estes resultados desportivos de excelência, como polos de atração de mais praticantes, que é esse o nosso objetivo, ou seja é aumentar a base de praticantes desportivos, ter cada vez mais crianças e jovens a praticar desporto de uma forma regular, a Federação Portuguesa de Futebol tem uma grande responsabilidade social a esse nível, é a maior federação do país, tem um número significativo dos praticantes federados no nosso país, cerca de sensivelmente um terço, e essa responsabilidade tem que estar sempre presente no nosso dia a dia.
O Governo, recentemente, no âmbito dos compromissos com a União Europeia, colocou como um dos desafios, um dos compromissos, das metas a atingir, posicionar o nosso país em termos de prática desportiva regulada pela ação portuguesa no top-15 da Europa. Nós sabemos que esse é um objetivo amplo, temos sensivelmente oito anos para tentar alcançar esse objetivo, e naturalmente carece da participação ativa de várias entidades e naturalmente as federações desportivas são uma das entidades que deve tudo fazer para que consigamos daqui a oito anos olhar e perceber que demos um contributo sólido, qualificado, para que a população portuguesa esteja mais ativa em termos de prática desportiva regular.
«O propósito é criar as condições ideais para potenciar o jogador português»
ZZ: Tocou no ponto das competições, das equipas... Houve a pandemia. Como é que em tão pouco tempo a sua equipa teve que se reinventar, reestruturar competições... Como foi esse trabalho em plena pandemia?
PD: A pandemia infelizmente foi algo que aconteceu à escala planetária. Tínhamos o mundo todo em dificuldades e aconteceram coisas que eram novas para todos nós. Termos que suspender e parar as competições, porque não era possível continuar... Nunca tinha acontecido na história do desporto algo semelhante. Naturalmente que agora se olharmos para os regulamentos das federações desportivas todos eles têm disposições que, em situações semelhantes no futuro, existem mecanismos que permitem tomar decisões que não são fáceis e nunca serão consensuais. Mas acima de tudo que nos permitam desbloquear situações complicadas como aconteceram em todas as federações desportivas no nosso país e no mundo inteiro.
Mas o que é que é importante perceber? O completo alinhamento, quer da federação com os os seus sócios, e dos seus sócios com os seus clubes filiados, no sentido de uma forma construtiva tentar encontrar soluções para resolver estas questões que eram novas para todos e nós naturalmente tínhamos uma entidade que tem a responsabilidade de coordenar e dirigir as três modalidades no nosso país e depois tínhamos os nossos sócios e as nossas células bases que tinham que ser parceiros ativos na construção das soluções.
O que é importante destacar aqui desse período: aproveitar esse momento para qualificar aquilo que era as nossas competições e tentar nessa altura perceber de que forma é que nós, com essa intervenção, podíamos fazer, por força da pandemia alterar o regulamento na própria época desportiva, alterar formatos competitivos...
ZZ: Algo que não estava em mente...
PD: Estava em mente fazer algumas alterações, mas elas tiveram ali um acelerador, algumas das questões por força da pandemia, porque havia várias questões que estavam em cima da mesa. As modalidades de pavilhão coletivas tiveram um impacto superior às modalidades individuais... Houve muitos praticantes, e sabemos e estudamos esse tema, que migraram, que não tinham condições para, por várias razões, ter uma prática desportiva nas modalidades de pavilhão, mas podiam e optaram por ir fazê-lo nas modalidades ou individuais ou modalidades coletivas que não eram disputadas disputadas em pavilhão.
No caso do futsal, muito em particular no feminino, acho que é muito importante destacar e relevar isto. Apesar de, se nós fossemos apenas pelo aquilo que são os indicadores de procura, ou seja um número de clubes, o número de praticantes no caso do feminino, provavelmente poderíamos ser tentados a dizer que eventualmente não se justificaria tomar determinadas medidas, mas tomamos. Vou tomar como exemplo a criação de uma II Divisão sénior feminina ou a criação de um Campeonato Nacional de sub-19 feminino. E estou a dizer isto porquê? Porque nós sentimos que, neste momento, o sinal importante que era necessário dar, e temos feito isso nos últimos dez anos de forma muito assertiva, na prática feminina precisamos muito de aumentar a oferta de prática desportiva nos nossos clubes.
ZZ: No fundo, dizer também à sociedade 'nós temos isto e queremos que vocês estejam connosco'.
PD: Precisamos muito de aumentar a oferta porque as nossas crianças, as nossas meninas, têm grande dificuldade, em determinados contextos ou na maioria dos contextos do nosso país, de se iniciarem na prática da modalidade. E é importante que elas possam iniciar a prática desportiva no contexto correto e na idade correta.
Esse sinal é importante dar, a sensibilização tem sido muito por aí. Sabemos que as equipas seniores normalmente também são utilizadas como veículos de promoção da prática, ou seja são as referências localmente para as crianças e jovens, e o importante aqui era estimular que todo esse processo fosse feito, mas acima de tudo aumentar a base de prática desportiva na iniciação à prática na formação, nos escalões mais jovens, e é um caminho que está a ser duro, mas temos que o fazer.
ZZ: Sente que o número já subiu?
PD: Não subiu muito.
ZZ: ... mas estamos a falar de um período em que também perderam.
PD: Sim. Estou a falar do futsal apenas. No global das praticantes femininas da formação, para ter uma ideia, sensivelmente duas em cada 100 praticantes na federação eram praticantes femininas. Isto quando Fernando Gomes chegou à FPF. Neste momento são praticamente sete em cada 100. O número é muito baixo, mas é mais do triplo que encontramos quando chegamos, mas temos que continuar a fazer esse caminho.
Nós não podemos ter apenas sete em cada cem praticantes na Federação Portuguesa de Futebol femininos. Temos que multiplicar este número, idealmente se me perguntar qual é a minha opinião deveríamos ser 50/50, sensivelmente. Isto teria que estar alinhado com aquilo que é a realidade do país em termos desportivos, que não é essa. A média das várias federações das 65 sensivelmente federações desportivas está nos 33 por cento. Nos países de referência está acima dos 40 por cento. Por isso acho que nós nos deveríamos alinhar por aquilo que são as referências.
ZZ: Estamos na sombra do Campeonato da Europa realizado em Gondomar por estes dias... É mais um sinal da própria Federação que faz com que as pessoas queiram estar, as pessoas queiram experimentar...
PD: Sem dúvida. Foco: aumentar oferta. Tudo serve, e as seleções nacionais são veículos extraordinários de promoção da prática desportiva. A decisão da UEFA teve um impacto tremendo de criar condições, não tenho dúvidas que com uma participação e intervenção muito forte do nosso presidente, que na altura membro do comitê executivo, como se mantém, porque esta visão que eu referia...
Temos já 27 países na Europa a participar no Campeonato da Europa sénior feminino. No masculino temos 50. No feminino estamos a fazer caminho. Na mesma altura foi decidido criar o campeonato da Europa sub-19. O caminho está a ser feito, há outros passos que são muito importantes a ser dados, mas acima de tudo acho que o Campeonato da Europa, e Portugal como sendo uma potência da modalidade, quer no masculino, quer no feminino, como consequência do do processo felizmente os resultados desportivos de excelência têm aparecido, mas dos primeiros a aparecer foi no feminino.
Não me posso esquecer do fantástico Torneio Mundial que tivemos em Oliveira de Azeméis em 2012 com Portugal a chegar à final desse Torneio Mundial com o Brasil. Eliminar na meia-final a Espanha nos pontapés de grande penalidade... Aquilo que representou para todos nós, os sinais que foram dados, especialmente pela sociedade, enchendo os pavilhões, criando uma atmosfera fantástica...
Neste momento, algumas seleções, não muitas mas algumas seleções, estão a esse nível e discutem qualquer jogo e nós estamos nesse lote, quer no masculino, quer no feminino, quer nos seniores, quer na formação, as nossas meninas foram campeãs olímpicas sub-19 em 2018, no mesmo ano em que fomos pela primeira vez campeões da Europa no masculino, no primeiro europeu feminino chegamos à final... São indicadores, mas são indicadores da qualidade do processo e da qualidade do trabalho que é feito nos clubes na formação, das jogadoras, tudo potenciado e a federação tem essa responsabilidade de criar condições para que o processo esteja bem afinado porque tudo aquilo que fazemos em termos da formação na Federação Portuguesa de Futebol terá que ter um propósito. E o propósito é criar as condições ideais para potenciar o jogador português para que ele consiga chegar ao nosso patamar mais elevado, que é a seleção absoluta.
Essa é a nossa razão, a intervenção a diversos níveis, nomeadamente quadros competitivos que têm uma importância forte, mas qualificação do processo formativo. Qualificação do processo de formação de treinadores, qualificação do processo de formação desportiva dos clubes, através de um processo de certificação de entidades formadoras que temos implementado, e que é um processo estratégico, ajudar os clubes a qualificar o seu processo de formação desportiva...
A criação de um conjunto de regras que permitam aos clubes participar nas competições desportivas de uma forma equitativa - o processo de licenciamento - para participação nas competições nacionais, ou seja ajudar os clubes a terem um conjunto de regras que nos permitam a todos ter contextos semelhantes, não só em termos administrativos, em termos institucionais, em termos financeiros, mas também em termos desportivos, que sabemos que esse é um aspeto muito importante e vamos ao processo de certificação depois pegar nesse critério desportivo. Um conjunto de passos todos ligados, de medidas pensadas, construídas, com a participação da família do futebol para podermos depois olhar e perceber que tudo isto é consequência desse processo.
«Uma das decisões mais importantes foi entregar a coordenação técnica a Jorge Braz»»
ZZ: Deixe-me virar aqui para o lado masculino, mantendo aqui na seleção nacional... Essa revolução silenciosa teve sempre também aqui um homem por trás: Jorge Braz vai para a seleção nacional, e nos primeiros anos não havendo grandes resultados, há uma natural contestação. O Pedro Dias nunca teve necessidade de justificar a sua escolha e se calhar agora e vemos os resultados e as pessoas podem perceber que afinal alguém tinha razão para essa continuidade...
PD: Importante dar aqui esta nota. Quando Fernando Gomes chegou à Federação, em 2011, o Jorge Braz era o selecionador nacional. A decisão do presidente e da direção de ter aqui uma política relativamente à condução, à liderança das das equipas técnicas nacionais, acho que é evidente. Olhando para trás, Jorge Braz é um exemplo, mas temos outros. Seleções importantes... Mas vamos olhar para a seleção sub-21. Masculina de futebol. Rui Jorge. Mais de uma década. Vamos olhar para a seleção feminina de futebol. Francisco Neto. Quase uma década. Vamos olhar para a seleção A masculina de futebol. Fernando Santos, oito anos. Para a Seleção A feminina de futsal. Já vai fazer uma década. Está quase para o Luís Conceição.
ZZ: E nesse processo como é que se perspetiva o futuro? Há a tranquilidade ou o alerta porque quem está de fora também vai perceber, não é?
PD: Cada contexto, cada realidade, cada país, cada cultura, tem a sua realidade. E as questões têm que ser contextualizadas. Nós olhamos muito sempre para o início, ou seja quando começamos a elaborar a estratégia para o futsal, e fizemos o mesmo no futebol feminino... Olhamos para onde? Para as referências. Mas depois temos que de fazer a análise e a caracterização, temos que perceber o nosso contexto. Porque há medidas e há coisas que são feitas em determinados contextos que não vão funcionar no nosso e nós temos que ter essa capacidade. Mas acima de tudo, nós fizemos, tomámos uma uma decisão que para mim foi uma das decisões mais importantes atendendo ao contexto e ao nível de desenvolvimento que tinha o futsal naquele período, em 2012.
Se me disserem 'epá, dez anos depois, se tivéssemos que tomar agora novamente medidas...'. O contexto é diferente. Temos que olhar e contextualizar as coisas no momento certo e foi uma medida estratégica que, naturalmente que percebemos, que não é fácil fazê-lo da forma como o Jorge Braz o faz, mas foi muito importante...
ZZ: Se calhar só podia ser assim, não é? ´Toda a gente diz que ele conhece o jogador desde os sub-11...
PD: E mais importante do que isso, e eu acho que este aqui é um é um elemento decisivo, tem sido a forma como o Jorge Braz e a sua equipa técnica nacional têm contribuído para a qualificação e a formação dos treinadores do nosso país, e dos praticantes. Sendo eles um exemplo a esse nível, naturalmente que isso tem impacto e repercussão em cadeia na estrutura do futsal português e e isso é um processo contínuo. Se perguntarmos, a primeira seleção de sub-15, na sequência de um torneio interassociações, que foi criado com 30 crianças com 13/14 anos que chegaram às mãos deles...
ZZ: E como é que isso se faz?
PD: Por diversas vias. Temos aqui uma via direta, que é através das medidas de formação, dos planos de formação da Federação Portuguesa de Futebol a nível dos treinadores, de uma segunda via que é possível entrar no mercado de trabalho, sendo o treinador visto como uma profissão, termos as instituições de ensino superior também a contribuírem decisivamente para essa qualificação, introduzindo nos seus planos de estudo aquelas que têm concessionária do desporto, a educação física e desporto introduzirem a formação específica de futsal nos seus planos curriculares, que vai permitir ao que os profissionais depois que saiam já com equivalência em termos de títulos profissionais de treinador de desporto e diplomas UEFA, que estejam mais aptos e qualificados porque nós sabemos que eles são muito importantes.
Jorge Braz Portugal [Futsal] Total |
176 Jogos
115 Vitórias
30 Empates
31 Derrotas
606 Golos
302 Golos sofridos
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Uma terceira via é criarmos aqui um conjunto de projetos que nos permitam, de forma cirúrgica, intervir, a exemplo daquilo que temos feito com o projeto de formação e treino e identificação de talento dos guarda-redes, sermos mais assertivos no aproveitamento dos torneios de observação e deteção/seleção de talentos na formação dos nossos treinadores que estão com essas equipas e ir ao nível abaixo, que é o nível do clube, e ajudar os clubes a qualificar os seus quadros técnicos com programas e projetos específicos, um deles sobre os fundamentos, que vamos introduzir na próxima época desportiva, reforçar o projeto, ter um programa específico relativamente àquilo que são os fundamentos da prática da modalidade e melhorar e qualificar aquilo que é a formação dos nossos treinadores.
ZZ: Sente que o facto de, hoje em dia, este trabalho todo que a Federação Portuguesa de Futebol fez com a modalidade, ter esta base muito sustentada de forma académica, com os resultados depois daí os resultantes, e ter também, olhando para esta componente dos próprios intervenientes, esse passado.
Nuno Dias com um grande passado na parte académica, inclusive no desporto académico, o Pedro Dias foi presidente da FADU, o Jorge Braz que também teve essa componente... Ajuda a que, no fundo a mensagem, que passe para os clubes e que os clubes entendam que é muito importante haver esta sustentabilidade e haver uma regra para perceberem que 'se vamos treinar assim é porque o resultado vai ser assado'.
Esse foi um passo. Mas importante também destacar que no dia da apresentação da Portugal Futebol School o presidente Fernando Gomes assinou o memorando de entendimento com o conselho de reitores das universidades portuguesas e tinha na sala ao seu lado o Ministro da Ciência e Tecnologia do Ensino Superior e o Ministro da Educação... O sinal que estávamos a dar naquela altura era que isto é uma aposta importante, isto é uma aposta estratégica da Federação Portuguesa de Futebol. O conhecimento é fundamental e termos a capacidade de resolver problemas ou ter aqui ao nosso lado entidades que nos vão permitir e ajudar, por um lado identificar, ou seja o conhecimento técnico, termos pessoas altamente qualificadas na estrutura da Federação, e qualquer federação desportiva tem isso, técnicos altamente qualificados especificamente naquela modalidade, naqueles contextos.
ZZ: Mas isto depois também passa para os jogadores. Se calhar o rácio ainda não é aquele que gostariam que fosse, mas é um caminho...
PD: Sim, e aproveito a deixa para dizer que, por exemplo, o Governo lançou um programa muito importante para o desporto português há sensivelmente seis anos, um programa de unidades de apoio ao alto rendimento na escola, que é um programa de compatibilização da prática desportiva com a vida académica dos jovens. Ele está no segundo e terceiro ciclos e tem permitido, no caso particular dos nossos praticantes, neste momento estão sensivelmente cerca de oitocentos envolvidos nesse programa nas várias modalidades no país.
Temos feito isto e os resultados têm sido fantásticos, a taxa de sucesso dos praticantes desportivos que estão em escolas toca os 90 por cento, 87/88 por cento. Isto quer dizer que estas medidas naturalmente têm um impacto muito positivo na performance académica, mas não só, também na desportiva. Cada vez mais importante sensibilizar os pais famílias, e eu penso que isso tem sido uma realidade para essa importância, para as crianças o fazerem e naturalmente que agora falta dar o passo seguinte que é fazer, e sabemos que esse programa tem uma extensão já para o ensino superior, mas era importante e estratégico implementá-la de imediato porque essa transição da formação para os seniores é crítica...
ZZ: Para não se perder atletas...
PD: Nós sabemos que, por vezes, ter que tomar essa decisão é muito difícil, essencialmente para o atleta, porque esse vínculo é importante mantê-lo, de praticar desporto de forma regular. O contexto depois depende de das opções de cada um, mas acima de tudo sentir que tem condições para dar continuidade à prática se tiverem determinado patamar de rendimento, ter condições e estarmos todos tranquilos que não é por esse facto que a taxa de abandono vai acontecer.
«É um passo que a sociedade tem de dar de uma forma estruturada»
ZZ: Tenho aqui duas/três perguntas para terminar: a primeira prende-se com a profissionalização que tantos clubes pedem na I Divisão masculina. Esse é um papel que a Federação deve ajudar a que os clubes devam fazer ou é um papel que os clubes também têm que ter a capacidade de perceber se podem ou não fazê-lo?
PD: Esse passo só pode, no meu ponto de vista, só deve ser dado quando a modalidade for autossuficiente, ou seja quando o clube quando, e estamos com doze clubes na I Divisão, for autossuficiente. Se o mercado permitir e a modalidade permitir angariar um conjunto de receitas que permitam aos clubes serem autossuficientes e, no caso em questão, da profissionalização, terem condições para proporcionarem essa profissionalização, porque a profissionalização não é apenas termos jogadores a viverem apenas do futsal. É muito mais que isso, os jogadores têm que ter planos de carreira, têm que ter estruturas técnicas profissionalizadas...
ZZ: Mas esse é o trabalho principal da Federação?
Dessas experiências naturalmente nós temos que tirar ensinamentos e quando/se chegar a esse momento, é importante estarmos todos conscientes que é um passo que a sociedade tem de dar de uma forma estruturada, os clubes terem bases sólidas e, acima de tudo, serem autossuficientes, não dependerem de ninguém para poderem participar numa competição profissional. Isso é que é o aspeto mais importante, o clube conseguir gerar as receitas compatíveis, compagináveis, com aquilo que são as responsabilidades que vai ter que assumir para terem uma equipa profissional a participar numa competição profissional.
ZZ: Dizem-me que quando era presidente da FADU era o último a votar, quase como um democrata, para talvez não influenciar a opinião dos seus pares. Ainda é assim?
Mas sim, era mais ou menos assim, quase sempre, ouvir as pessoas e depois decidir. Acho que que é muito importante estarmos a percebermos o contexto, conseguirmos analisar, e acima de tudo depois, fazemos a nossa reflexão, que acho que é importante depois de tudo isso. Nem sempre tomamos as melhores, mas em consciência estamos a tomar as melhores, depois o resultado às vezes poderá não ser aquele que efetivamente pretendíamos, mas felizmente acho que temos tomado boas decisões, apesar de não serem nem todas consensuais, e nunca vão ser, sabemos disso, mas acima de tudo, no nosso ponto de vista, perceber isto: no contexto onde estamos, quem está num órgão executivo que tem a responsabilidade de tratar das questões do desenvolvimento de uma modalidade desportiva tem que ter a capacidade de ter uma visão 360º e a olhar para o contexto global sempre.
Naturalmente que há, no nosso país, e as mais importantes foram tomadas tendo isso em consideração, atendendo às especificidade que tem determinados contextos no nosso país. O nível de desenvolvimento não é o mesmo em todas as regiões. Há contextos muito particulares. Temos as questões da continuidade territorial. Temos as questões da densidade demográfica. Temos as questões da localização geográfica, há um conjunto de de aspetos que temos de ter em consideração, mas eu acho que o que é importante aqui é, no caso do desporto, o compromisso com os elementos desportivos. E eu gosto de dar sempre um ou outro exemplo para que as pessoas se consigam identificar.
A mesma coisa se passa o Eléctrico, por exemplo. Num curto espaço de tempo conseguiu, no distrito de Portalegre, do interior do nosso país, ter uma centena de crianças a jogar futsal, assim como o Fundão, ou pegando num outro exemplo mais recente que é o Candoso. Quando chegou à I Divisão tinha pouco mais de trinta praticantes: os seniores e mais alguns praticantes de formação. Hoje tem mais de uma centena de praticantes! E esses exemplos é importante identificá-los, dar-lhes visibilidade.
Estou a dar estes exemplos e não estou a pegar nos exemplos dos dois clubes cinco estrelas do nosso país no futsal. Quer os Leões de Porto Salvo, que estão num contexto à esquerda da A1, quer do Caxinas, que também está à esquerda da A1. São clubes que têm dado um contributo inestimável! São referências a vários níveis, mas acima de tudo o que é importante é que percebermos que é possível ter projetos de desenvolvimento desportivo alavancados por clubes, ser referências em alguns contextos, até podem ser projetos que congreguem várias vontades, e devem ser em determinados contextos, e isso pode acontecer, várias entidades a contribuírem de forma decisiva para que aquela região possa ter um clube que seja uma referência nacional e que ajude, acima de tudo, que ajude a ter mais crianças a serem ativas na prática desportiva.
ZZ: Hoje em dia já não deve ser assim, até porque é muito difícil termos apontamentos, mas dizem-me que adormecia com os apontamentos na cabeça. É um hábito que ainda mantém?
PD: Ainda mantenho, sim. Mas isso só acontece com algumas pessoas, aquelas que partilharam comigo, que provavelmente a fonte foi exatamente a mesma. Todos nós temos alguns hábitos e eu gostava muito de adormecer a ler. Sempre. E mantenho esse hábito. Com esse grupo de amigos que partilharam comigo, em termos profissionais, e várias etapas desde o início, mas tínhamos e posso dizê-lo, que em alguns casos, algumas das decisões mais importantes tomamos, no caso do desporto universitário, até agora mesmo neste período de uma década que estou na Federação, são reflexões e momentos de partida que temos fora de contexto de trabalho.
São esses momentos que por vezes nós estamos cada vez mais assoberbados de conteúdos, de informação, é muito difícil hoje em dia, todos nós temos consciência disso, de selecionar, dada a tremenda oferta que temos, mas temos de parar e ter momentos de partilha fora da caixa, como costumamos dizer. Porque muitas das vezes é nesses momentos que que nós conseguimos encontrar aqui soluções para algumas das questões e foi isso que aconteceu durante muitos anos, num contexto diferente naturalmente, mas muito importante.