[O Mundial de 1994 marcou uma geração e está a celebrar os 30 anos. O torneio norte-americano teve jogos inesquecíveis, maravilhosos underdogs e colecionou novos heróis para as cadernetas de cromos e as conversas de café. O zerozero junta-se às festividades e vai publicar até quarta-feira, dia 17 de julho e da final Brasil-Itália, cinco entrevistas a protagonistas do torneio. O terceiro convidado é Ioan Lupescu, antigo médio romeno e membro da geração de ouro daquele país]
Três décadas desde o maior feito do futebol da Bulgária. Argentina e Alemanha entre os países que caíram frente à geração de ouro dos leões, cujo talento brilhou debaixo do intenso sol americano.
Uma seleção com toque luso, com a representação de Nica Panduru, antigo médio do Benfica, FC Porto e Salgueiros - a quem não nos foi, infelizmente, possível chegar à fala - e que vinha esperançosa para se mostrar ao Mundo, nos palcos norte-americanos.
Já tinham deixado boas indicações quatro anos antes e vinham com fome de mais, como mostraram ao eliminarem a Argentina. Ficaram-se pelos quartos de final, mas para a história fica a melhor performance do país e a sua Geração de Ouro. Ioan Lupescu estava entre esse Ouro romeno.
LEIA TAMBÉM:
- Dino Baggio em exclusivo: «Nos EUA jogámos em condições obscenas»
- 1994, o épico verão búlgaro: «Não nos deixaram voar mais»
- Bronze sueco, estilo Top Gun: «Pedimos a um piloto para ir dar uma volta»
Zerozero (ZZ): Falamos numa altura em que faz 30 anos daquele mítico Mundial de 1994, nos EUA. Ainda tem alguma ligação ao futebol?
Ioan Lupescu (IL): Estou ligado a um cargo administrativo desde 2005. Parei com o futebol em 2002. Fui CEO da Federação de futebol Romena por cinco anos e em 2011 mudei-me para a UEFA, para ser diretor técnico, durante vários anos. Estive na Arábia Saudita, como membro da Federação. Desde há dois anos que sou conselheiro técnico da UEFA. Continuo muito ligado ao futebol. Acabei de chegar a casa vindo do Euro, onde estive a ajudar na coordenação de um grupo de estudo sobre o Euro.
ZZ: Que memórias guarda daquele torneio? Deve ter sido incrível para vocês jogadores
IL: Foi incrível. Ainda há dois meses celebrámos os 30 anos desse Mundial nos EUA, com um jogo entre a nossa seleção da altura e uma equipa de lendas, comandada pelo teu compatriota José Mourinho. Foi um grande prazer tê-los todos em Bucareste. Para ser sincero, estava surpreendido por o estádio estar tão cheio e barulhento, passados 30 anos. Tínhamos 55 mil espetadores, o que nunca aconteceu na Arena Nacional, em Bucareste. Sabíamos que eramos amados pelas pessoas, mas não tanto. Foi tocante. Ganhámos o jogo, no final, o que também foi bom, mas foi uma experiência muito boa. Vimos muita gente nova, muitos trouxeram os filhos, para lhes poder dizer: “Eu via aqueles jogadores quando tinha a tua idade”. Foi um momento fantástico. Foi o nosso segundo Mundial, depois de 1990. Alguns de nós tinham alguma experiência. Depois da Revolução, alguns de nós queriam jogar internacionalmente e fomos para Espanha, Itália, Alemanha e Países Baixos. Toda essa experiência levamo-la para a seleção. Passados 30 anos continua a ser o grande feito da nossa seleção. Por um lado, estamos orgulhosos. Por outro, estamos à espera que outra geração nos bata e chegue às meias finais ou vença um troféu, mas não têm conseguido. Eramos jovens e tivemos grandes momentos. Fizemos, segundo a UEFA, o melhor jogo na história dos Mundiais, nos oitavos de final, com a Argentina…
ZZ: Com a Suécia também foi um grande jogo…
ZZ: Os EUA eram uma escolha de risco, por não terem grande expressão no futebol. Sentiram isso durante o evento? O que acharam da organização, dos campos e tudo mais?
IL: A nível de organização foi muito bom, na altura. Jogámos em estádios fantásticos, embora fossem de futebol americano. Tínhamos 100/120 mil pessoas nas bancadas. Estavam cheias. Jogámos em Los Angeles, depois em Detroit, na nossa primeira vez num Dome, que não foi uma grande experiência, porque perdemos com a Suíça (1-4). Seguimos para São Francisco, de seguida, e era um belo estádio. O único aspeto negativo era jogar à hora de almoço, onde estava muito calor, em vários Estados. Não podíamos jogar como queríamos, com futebol de posse, para dominar o jogo. Tivemos que apostar noutras táticas, defendendo bem e apostando no contra-ataque. Mas tivemos sucesso.
ZZ: Vocês foram uma das boas surpresas do torneio, terminaram a fase de grupos em 1º lugar e eliminaram a grande Argentina, com nomes como Simeone e Batistuta, nos oitavos. Sentiam-se quase imbatíveis nessa altura, não?
IL: Não necessariamente, porque respeitávamos todos. Depois do primeiro jogo, com a Colômbia (1-3) e jogámos contra a Suíça não estávamos 100 por cento concentrados. Tínhamos jogado com eles no Euro e vencido e pensávamos que íamos, pelo menos, empatar. Foi algo arrogante da nossa parte e perdemos. Ainda bem que perdemos por 1-4, para recomeçarmos do zero. Voltávamos e fomos muito sérios. Temos que respeitar todas as seleções. Jogámos com a Argentina em 1990, do Diego Maradona. Não tínhamos problemas em defrontar seleções sul-americanas, por isso tínhamos sucesso. Apesar disso, o estádio era 80 por cento argentinos ou colombianos. Tínhamos uma bela equipa. Tivemos a sorte necessária em alguns momentos, mas trabalhámos muito e lutámos. Acho que fizemos o nosso país orgulhoso. O facto de, passados 30 anos, nos terem ido ver é inacreditável.
ZZ: Depois houve aquele jogo com a Suécia…onde perderam nos penáltis, após 2-2. O prolongamento foi de loucos, com a expulsão do Schwarz e dois golos. Sentiram que mereciam a vitória?
IL: Recuperámos do 1-0 e fizemos o 1-2. O Schwarz foi expulso e eles falharam primeiro nos penáltis. Tivemos a oportunidade de vencer três vezes e foi horrível não termos conseguido. Não nos podemos queixar, porque, no final, foi culpa nossa. Não fomos espertos o suficiente.
ZZ: Fez mais de 70 jogos pela seleção, teve uma bela carreira internacional, onde jogou em clubes como o Leverkusen e o Gladbach, além do Dinamo Bucaresti. Esse Mundial foi o ponto alto da sua carreira?
IL: Foi um dos melhores momentos da minha carreira. Fizemos também a qualificação para 1998, mas não conseguimos ter o mesmo sucesso. O melhor foi nos EUA.
ZZ: Ainda hoje são apelidados como a Geração de Ouro da Roménia. Que tal é ter feito parte dela?
IL: Estamos muito orgulhosos. Fizemos um bom trabalho e as pessoas adoraram-nos. O título de geração de Ouro não vem de nós, mas sim dos Media e dos adeptos. Não tivemos influência. Somos adorados e respeitados pelos adeptos e isso é o mais importante, como se viu nesse jogo há dois meses. Se fizermos algo bom, as pessoas não vão esquecer.
ZZ: Ainda o param na rua para falar desse Mundial?
IL: Claro. Temos sempre tempo para falar com as pessoas.
ZZ: Tinham grandes jogadores, como você, o Florin Raducioiu, Dumitrescu ou o Gica Popescu, mas a figura maior era o Hagi. Como era ele, dentro e fora de campo?
ZZ: E fora do campo?
IL: É uma pessoa muito boa.
ZZ: A Roménia também impressionou neste último Euro 2024. O que achou?
IL: A geração de 1970 foi a primeira a qualificar-se para o Mundial e era a geração do meu pai [Nicolae Lupescu], no México. 20 ano depois, a minha geração conseguiu ir a todas as provas. 1990, 1994, 1998, 2000… Agora tivemos esta geração que se qualificou para o Euro, com um grupo bastante decente. Fizemos um bom jogo contra a Ucrânia (3-0), mas nos outros acho que foi algo desapontante. Podiam ter feito mais. Tivemos um público fantástico, com cerca de 30 mil nas bancadas. Foi uma pena não terem tido mais da seleção. Espero que se qualifiquem para o Mundial.
ZZ: Acredita que num futuro próximo podem ter outra geração como a vossa?
IL: Esperamos que sim, mas não é fácil, porque o campeonato na Roménia não é bom e a maioria dos nossos jogadores estão lá fora, a jogar em clubes pequenos ou sem jogar noutras ligas. Esperemos que deem os passos certos de agora diante, subam a confiança e se qualifiquem para o Mundial.