Existem competições marcantes. Portugal Sub-20 tem estado em altas e o M20 EHF Euro 2024 foi a mais recente prova disso mesmo. Carlos Martingo e companhia levaram os jovens lusitanos a um espetacular segundo lugar, depois de perderem (novamente) contra Espanha Sub-20 no jogo decisivo da competição que decorreu em Celje, na Eslovénia.
Pese embora exibições praticamente irrepreensíveis em quase todas as partidas, a equipa de Petar Cikusa ou Ferran Castillo (brilhou com 11 remates certeiros na final) conseguiu vencer, fazer uma festa pintada com as cores da sua bandeira e dar sequência ao que tinham apresentado no U20 EHF Euro 2022, onde conseguiram triunfar em Matosinhos.
Nesta conversa com o zerozero, Carlos Martingo, o responsável por esta geração, falou do enorme feito que a sua equipa alcançou, explicou o que correu mal na segunda partida contra a turma espanhola, lamentou alguma «falta de interesse» da população portuguesa no que toca aos resultados obtidos e anteviu a participação de Portugal Sub-18 no M18 EHF Euro 2024, competição que já vai para a terceira jornada - dois jogos e duas vitórias.
ZEROZERO (ZZ): Já regressou aos trabalhos do FC Porto para preparar 2024/2025, mas acredito que o M20 EHF Euro 2024 ainda esteja na cabeça de toda a seleção, pese embora a derrota no jogo decisivo diante de Espanha.
CARLOS MARTINGO (CM): Sim, claramente. Revelou-se uma prova marcante para todos. Penso que apresentamos um excelente nível e não queríamos terminar no segundo lugar. Sentimos que foi um pouco injusto, porém, temos de dar os parabéns ao nosso adversário. Se resumirmos a competição à final, eles acabaram por ser melhor do que nós. Partilhamos a opinião de que fomos a melhor seleção durante toda a prova. Isso não chegou para vencer. Sabíamos que só teríamos hipóteses se nos apresentássemos irrepreensíveis em todos os aspetos. Fica uma sensação amarga por não termos conseguido chegar ao título, mas ao mesmo tempo saímos satisfeitos, uma vez que fizemos de tudo para lá chegar. Ainda assim, acredito que seja um marco importante na minha carreira, da equipa técnica e dos jogadores que se deslocaram até à Eslovénia.
CM: É uma pergunta difícil de responder. Podia estar aqui a enumerar diversos fatores. Toda a gente sabe que, quando se enfrentam duas excelentes equipas, nem sempre ganha aquela que nós queremos. Neste caso, claro, queríamos que fôssemos nós [risos]. Conseguimos um desfecho positivo na Main Round (num jogo importante para ambos), mas na final a história escreveu-se de forma diferente. Eu acho que a chave do jogo passou pela nossa entrada, um cenário que não foi verificado de igual modo nos anteriores encontros. A sensação que tivemos foi que a Espanha entrou com bastante receio do que poderíamos fazer, mas nós falhamos demasiadas 'situações fáceis' de concretização. O início do duelo esteve equilibrado e até podíamos ter passado para a frente do marcador. Não conseguimos e eles, aos poucos, foram ganhando confiança ao marcar vários golos sem resposta. Controlaram o jogo até ao apito final, depois da vantagem conquistada na primeira parte. Não respondemos na mesma moeda, apesar da nossa equipa nunca ter desistido, mesmo quando já estava perdido.
ZZ: O fator mental também entrou em jogo? A final de 2022, que perderam contra Espanha, mas em Matosinhos, pairou no pensamento dos seus jovens jogadores?
CM: Não acredito, sinceramente. Temos que dar mérito a Espanha, acima de tudo. Se tivermos em conta esta geração, eles são a melhor seleção do mundo. Fomos capazes de os derrotar numa ocasião e continuamos a acreditar que o vamos repetir no futuro ao jogar de igual para igual. Por outro lado, é evidente que podemos encontrar diversas justificações como os fatores mentais ou físicos. Se calhar cada treinador teria feito as coisas de forma distinta, mas estamos perfeitamente tranquilos com a resposta que demos. Ninguém queria ganhar aquela final mais do que nós, pois fomos demonstrando isso ao longo da prova. Este resultado foi brilhante se tivermos em conta as diversas variantes: modelo competitivo diferente - novo para todos -, assim como a qualidade de todas as seleções presentes. Repito: brilhante.
ZZ: Sentiram que Espanha entrou com 'sede de vingança' por essa derrota mencionada? Acabaram por colocar um ponto final numa longa sequência vitoriosa que perdurava há várias competições...
ZZ: Existiram jogadores como o Francisco Costa ou o Xavier Barbosa, por exemplo, que, por um motivo ou por outro, não participaram na prova. A conquista da medalha de prata, mesmo com estas ausências, ainda vos deixa mais satisfeitos?
CM: Além dos atletas que mencionaste, podemos falar do Vasco Costa, Gabriel Cavalcanti ou o Francisco Coelho, este último que esteve connosco em quase todos os estágios e que, infelizmente, teve um pneumotórax. É um pouco difícil comparar gerações. Ainda assim, se tivemos em conta toda a gente disponível, se calhar é a melhor geração de sempre do andebol português, pois temos grandes jogadores em todas as posições. Podíamos estar a argumentar dizendo que, estivéssemos com todos os jogadores, se calhar ganhávamos, mas não sabíamos o que é que iria acontecer. Não podemos esconder que seriam mais valias, no entanto, não gosto muito de falar sobre isso. Prefiro realçar que a grande chave desta turma foi ser uma verdadeira equipa, algo que fomos construíndo ao longo do tempo. Demonstraram um enorme espírito de entreajuda, vontade de ganhar. Fantástico. Os que estiveram convocados foram brilhantes e desempenharam na perfeição o seu papel.
ZZ: Gostava de pegar nas palavras do Carlos relativamente à 'melhor geração de sempre do andebol português'. Tendo em conta que já está ligado à Federação Portuguesa de Andebol (FPA) há algum tempo, como é que olha para o trabalho jovem que tem sido desenvolvido?
ZZ: ...
CM: Sem o trabalho dos clubes nada disto era possível. Para além disso, gostava de realçar o apoio da FPA, das cidades e dos municípios que nos recebem para criarem as melhores condições possíveis. Toda esta conjugação de fatores permitiu atingir os resultados que estão à vista de todos e eu acho que, tendo em conta a nossa realidade, são de elevado nível. Toda a gente devia reconhecer que o andebol português atravessa uma fase bastante positiva. Temos gerações sucessivas a conseguirem resultados fantásticos e nós somos apenas a face mais vísivel de todo o processo. Esse processo, aliás, engloba os pais que levam os miúdos aos treinos, muitas vezes com sacríficios pessoais, por exemplo.
ZZ: Tendo em conta que Portugal está a passar por este período 'dourado', o que é falta para a consolidação do estatuto?
CM: Um bocado de investimento, como é óbvio. Não obstante, melhores condições de trabalho para muitos clubes, embora eu esteja inserido numa realidade que é completamente distinta dos demais. Tenho conhecimento de vários emblemas a passar dificuldades. Colocando isso de parte, penso que faltam maiores apoios, dinheiro, condições nos pavilhões, melhores condições, melhor público. Eu acredito, sinceramente, que os resultados alcançados nesta modalidade mereciam muito mais apoio e visibilidade comparativamente ao que tem acontecido.
CM: A envolvência em 2022 foi fantástica. Vivemos momentos inesquecíveis. Tivemos pessoas que não conseguiram entrar nos pavilhões para ver os nossos jogos porque a capacidade máxima já tinha sido atingida. Nesta competição, por sua vez, não tive tanta noção do impacto, só pelas redes sociais. O que nós fizemos, ainda por cima fora do nosso país, só valoriza este resultado. Contamos com o apoio permanente de seis pessoas, dez no máximo, na Eslovénia, portanto, só sentimos o feedback que nos iam dando através de amigos ou familiares. Tenho pena porque passado uma semana já ninguém se lembrava do que tínhamos feito. Temos a noção de que não se trata de uma seleção sénior, mas o andebol tem de aproveitar melhor estas conquistas.
ZZ: ...
CM: Há que criar marcas, ídolos, jogadores que sejam uma imagem e que sejam reconhecidos. Penso que estes momentos são perfeitos para isso. É uma forma de fidealizar as pessoas e fazer com que sigam a modalidade com mais regularidade. Tivemos o melhor pivô do M20 EHF Euro 2024 [n.d.r Ricardo Brandão], mas três ou quatro jogadores também podiam ter entrado nesse lote: o Tomás Teixeira, Diogo Rêma, Filipe Monteiro ou o Miguel Oliveira, por exemplo. Gostava apenas de deixar uma nota relativamente ao último atleta mencionado. Jogou todo o torneio com o nariz partido. Partiu-o no último duelo de preparação em Estarreja e até nem entrou em ação diante da Grécia. Esteve em dúvida até ao último dia, porém, fez sempre questão de jogar e da forma que vocês observaram. Nunca disse que queria ficar de fora, muito pelo contrário, pois foi o primeiro a dizer que ajudaria. Treinou com máscara, mas não pôde jogar com ela. É necessário enaltecer todo o sacríficio pessoal do Miguel.
ZZ: Fazendo uma ponte para o M18 EHF Euro 2024, que começou na passada quarta-feira. O Carlos chamou dois miúdos que vão voltar a representar Portugal, o Rafael Vasconcelos e o João Magalhães. Como é que olha para esta competição e, sobretudo, para Portugal?
ZZ: Daqui a pouco será o Carlos Martingo a treinar a maior parte desta equipa. Será um olhar especial nesse sentido?
CM: Nós, no início desta época, tínhamos planeado não convocar nenhum atleta mais novo, ao contrário do que tinha acontecido nos anos anteriores, onde estivemos a trabalhar com jogadores de gerações anteriores. Voltando um pouco atrás no raciocínio: temos grandes atletas, dos melhores do mundo, mas não possuímos 40/50 do mesmo nível. O Tiago Sousa já fez vários encontros pela geração mais velha, mas este ano não o chamamos. O João Bandeira chegou a estar convocado para um estágio, porém, acabou por não ir devido a uma lesão. O Bernardo Sousa realizou um estágio de preparação.
CM: São atletas de excelência e que já jogam ao mais alto nível no andebol português com bastante tempo de utilização. Acredito que seja um grupo que poderá trazer alegrias para Portugal, embora existam alguns postos específicos em que não sejam tão fortes. Nestas idades, sublinhe-se, é normal existirem algumas surpresas com evoluções rápidas e surpreendentes. Parte do nosso trabalho passa por isso: procurar novos jogadores, ajudá-los a crescer em todos os níveis, sobretudo físicos. Isso também é importante realçar: o trabalho realizado pelo departamento de saúde na Eslovénia. Não tivemos uma lesão nesta competição e muitos jogadores disputaram vários encontros seguidos, apesar de nenhum deles ter jogado 60 minutos. Oito jogos em 11 dias. Se uma equipa não estiver preparada fisicamente, não tem a mínima hipótese. Acho que, a nível físico, demos um passo em frente na Eslovénia.