Um de setembro de 2021. Com a reativação da seleção feminina de futebol de praia, a FPF escolheu Alan Cavalcanti para liderar este novo projeto e regressar, assim, a casa. Desde então, os resultados estão à vista: contra seleções com bem mais anos de experiência, Portugal tem subido patamares e em 2023, para além do bronze nos Jogos Europeus, esteve em duas finais internacionais.
Em ambas (Liga Europeia e Mundialito) perdeu com a Espanha e apenas isso tirou outro tipo de brilhantismo ao trabalho que a antiga lenda dos areais nacionais tem vindo a realizar. Mas nem isso fez com que recuássemos na nossa ideia: tínhamos de falar com Alan sobre este seu novo desafio. Um novo desafio para toda a Federação e que tem muito que se lhe diga.
Alan tinha acabado de chegar a casa depois do Mundialito Feminino e não tardou em atender a nossa chamada. Estava a ver futebol de praia no Canal 11 quando parou para, ao seu estilo amável e com um sorriso na voz, falar com o zerozero sobre este novo desafio da seleção feminina. E foi aí que a lenda nos explicou tudo e mais alguma coisa sobre o projeto...
zerozero (ZZ): Apesar das muitas vitórias, ainda não há títulos... Dá para estar contente?
Alan Cavalcanti (AC): Dá para estar contente por um lado pela prestação que elas estão a ter... mas por outro, não gosto de comemorar coisas que não ganho. Fica um sabor amargo, é um misto de sentimentos.
ZZ: Este é um projeto ambicioso, uma aposta da Federação. Tem três anos desde a reativação. Como é que se consegue ter tão bons resultados em tão pouco tempo?
AC: Esta é a terceira época completa, dois anos e meio de projeto até agora. E isto consegue-se pelo trabalho, pelo conhecimento de tantos anos de futebol de praia que tive e tenho. É tentar passar o máximo de ensinamentos para elas, para evoluírem.
Também está a ser um bom trabalho da Federação, porque desde o primeiro ano para este têm aparecido várias equipas femininas e o trabalho do primeiro ano motivou muitas equipas a jogar o campeonato nacional. E isso ajuda bastante, porque quanto mais miúdas estiverem a jogar mais qualidade há na seleção e opções para ter boas dores de cabeça.
ZZ: Acredito que não seja fácil começar uma seleção do zero e foi o que acabou por acontecer. Quais foram os maiores desafios?
AC: Ensiná-las a andar na areia [risos]. Acho que esse é o maior desafio. Todas elas vêm do futebol ou do futsal e as movimentações e os gestos técnicos na areia são completamente diferentes. No futsal nem tanto, mas no futebol ficam a olhar muito para a bola. E aqui, como é um espaço muito curto, têm de estar a olhar para o adversário e para a bola.
Não podem parar um segundo, ao contrário do que acontece no futebol. No momento em que te descuidas... podes sofrer golo. E isso ainda é um problema muito sério no nosso futebol de praia feminino. Ainda não têm tanta experiência como o masculino já tem.Alan Cavalcanti
Portugal [Praia Feminino]
Total
24 Jogos
13 Vitórias
3 Empates
8 Derrotas
69 Golos
55 Golos sofridos
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ZZ: E é aí que entra a sua experiência.
AC: Aí é que entra o meu conhecimento para poder, aos poucos, ensinar-lhes o que é o futebol de praia.
ZZ: E está contente com o que tem visto até agora?
AC: Sim, contente estou. Elas têm uma coisa muito boa que é a disciplina, a entrega e a vontade no jogo e no treino. Facilita muito a minha vida. Ajuda o processo a evoluir mais rápido.
ZZ: E Portugal pode sonhar em breve com a conquista de títulos?
AC: Isso foi o meu primeiro objetivo, quando chegámos. Quando cheguei, no primeiro ano, disse que era para participar com intuito de ganhar. Quando ficámos em quinto, disse-lhes que, no segundo ano, tínhamos de ficar de quarto para cima. E ficámos em terceiro.
E depois disse-lhes: não podemos ficar de terceiro para baixo. Ficámos em segundo na Liga Europeia. E agora disse-lhes que não podemos mais sair das finais. Perdemos na final do Mundialito outra vez por pouco e agora vai ter de ser ou estar na final ou ganhar! Temos sempre de andar para a frente.
ZZ: Ainda se nota muita diferença entre as equipas internacionais e a nossa?
AC: Sim, nota-se. Muito, muito. Mas é uma questão de trabalho porque todas as outras seleções têm 10 anos de futebol de praia. Elas já têm um conhecimento ao nível da movimentação na areia e as nossas estão a começar. E com dois anos e meio estarmos com medalhas de bronze e de prata... já é um progresso muito grande.
ZZ: Então podemos dizer que há muita margem para crescer.
AC: Sim, há. Muita mesmo. Desde o primeiro ano já apareceram tantas jogadoras para jogar futebol de praia... e com a evolução que elas tiveram e com outras jogadoras a entrarem na seleção, com certeza vão aparecer muito mais jogadoras no próximo ano no campeonato nacional, que vai melhorar mais ainda.
Para a Liga Europeia, por exemplo, houve uma convocatória mais alargada: pedi que fossem 15 para estágio para dar mais dinâmica nos treinos e para haver outro tipo de competitividade. Elas ali tinham uma sombra ao lado e não podiam relaxar, têm de correr mais. E quanto mais jogadoras aparecerem, mais elas vão crescer, evoluir. E a seleção vai ganhar mais com isto.
ZZ: O próprio futebol de praia feminino ainda está a crescer a nível internacional...
AC: Sim, claramente. Mesmo em termos de seleções para realizar provas ainda está muito, muito atrás do masculino. Há anos que vão umas seleções, depois já não vão e vão outras... por exemplo, o ano passado não estava a Chéquia e este ano esteve. No passado a Suíça esteve e este ano já não esteve. Ainda não há essa consistência que existe no masculino.
ZZ: Uma última pergunta, mister: foi uma figura lendária como jogador. Este cargo é uma espécie de cadeira de sonho?
AC: [risos] Eu digo muitas vezes que sou muito mais português que muito português. Além do coração ser português, fui eu que escolhi ser português e canto o hino muitas vezes. Para mim é até complicado falar sobre isso porque elogio sempre muito o nosso país... [pausa] Para mim, depois de servir a seleção como jogador, servir como selecionador... foi como voltar a casa.
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