Benfiquista_N1 09-12-2023, 00:55
O nosso convidado tem no palmarés uma segunda liga, cinco épocas de primeira liga e muitos golos, quase sempre a vir de fora para dentro. Foi bebé, defendeu dois castelos e só por uma vez ultrapassou a fronteira para trabalhar. Jogou em três divisões profissionais em Portugal e também em várias amadoras. Teve ainda a participação em três jogos nas provas da UEFA. No meio de tantas aventuras arrumou as chuteiras na sua cidade.
zerozero: Chegavas a este jogador se, do nada, te perguntassem quem era?
Jorge Gonçalves: Era difícil, sinceramente. Ia ter dificuldade.
zz: Qual seria a pista mais fácil?
JG: Talvez, o título na Segunda Liga. É provável que pudessem chegar por aí. Os dois castelos também seria uma pista importante. Estando a ouvir, pela primeira vez, esses pormenores, eu teria dificuldade em adivinhar.
zz: O teu último jogo foi a 16 de junho de 2019. Um Valadares Gaia diante do Canelas, um dérbi. Duas equipas de Vila Nova de Gaia e, com certeza, não foi para preparar o São João. [risos] Quando entraste em campo aos 70 minutos desta partida, já sabias que iam ser os últimos 30 minutos da tua carreira?
JG: Sim. Eu vinha a preparar-me há relativamente pouco tempo, é verdade, mas vinha a preparar-me. A partir do momento que tive um convite, no decorrer dessa época desportiva, para uma transição para a parte do treino, para treinador-adjunto do mister Frederico Ricardo - tinha trabalhado com ele em Fafe, acabei por decidir que seria a última época. Aliás, acabei por transmitir aos meus colegas antes do jogo que iria ser o meu último jogo.
zz: Mas por algum motivo ser apenas no último jogo?
JG: Não queria o foco. Eu sempre fui um bocadinho assim. O foco era o jogo. Era muito importante para nós. Sabíamos que, pelo menos, tínhamos de pontuar para garantir o segundo lugar, que poderia dar acesso à subida de divisão - que acabou por acontecer. Eu tinha de pensar um bocadinho à frente e não apenas na parte individual. Foram dois anos em Valadares, onde criei algumas amizades e que, de certa forma, não deixa de ser o último jogo. Pode mexer com a parte emocional de alguém. E, sinceramente, como pensei sempre um bocadinho no coletivo ou sempre pensei dessa forma ao longo da minha carreira, fiz questão de dizer só muito em cima do jogo, para que acabasse por ser uma motivação para os meus colegas. Uma vez que até vinha de lesão e que ia conseguir estar presente nesse último jogo, acabou por ser transmitido dessa forma e pela importância do jogo, como é óbvio. A partir desse momento e dessa proposta que tive, acabei por terminar a carreira. Coincidiu ser um dérbi de Valadares com o Canelas e que, por acaso, as duas equipas acabaram por subir de divisão ao Campeonato de Portugal.
zz: Nessa altura da tua carreira, tu tens 35 anos. Ainda te sentias capaz para continuar a jogar? Foi fácil tomar essa decisão?
JG: Acho que nunca é fácil. E, mesmo depois passando para o contexto do treino, eu tive dois, três anos ainda com alguma dificuldade. Sempre que havia falta de jogadores, eu, automaticamente, promovia-me a participar no treino. Mas, a partir do momento em que eu sabia que estava a fazer uma transição direta para o contexto do treino - portanto ligada à mesma área - acho que isso ajudou de certa forma a custar menos.
zz: É manter o ritmo, é manter o dia-a-dia.
JG: A mudança não foi muita, portanto eu acho que isso ajudou a ultrapassar de uma melhor forma.
zz: É mais difícil o patamar de deixar de ser profissional - acredito que tenhas sido profissional até ao teu último jogo e até ao último dia de trabalho como jogador -, mas é mais difícil quando estás no patamar de futebol profissional em que o foco é maior do que quando vais para terminares a carreira na distrital?
JG: É sempre mais difícil, porque nós, por muito que sejamos profissionais, a partir do momento que vamos baixando o nível competitivo, - que é isso mesmo numa Primeira Liga para uma Segunda Liga e na altura nem havia Liga 3 – por muito que sejamos profissionais o nível baixa e o profissionalismo não é o mesmo. É óbvio que a exigência que se tem numa Primeira e numa Segunda Liga é totalmente diferente de um Campeonato de Portugal ou de uma divisão de Elite, como é óbvio. O profissionalismo esteve sempre presente, mas o nível em que se está acaba por fazer toda a diferença. Os sacrifícios, a superação e, muitas das vezes, até a própria motivação. Tudo isso requer a preparação de treino e, acima de tudo, superação.
zz: Na rua, as pessoas ainda te reconhecem?
JG: Atualmente, é mais difícil. Num contexto de treino, acabo por começar a aparecer, novamente, num contexto profissional, mas é óbvio que os meus últimos anos…
zz: Como é era aquela malta no balneário? O tratamento que tinham para contigo pelo facto de tu seres um jogador que ganhou a Segunda Liga no Leixões.
JG: A partir do momento em que nós jogámos num nível elevado e, depois, quando vimos para este tipo de contexto, às vezes estão à espera de que o tipo de pessoa é diferente. Acham que podemos ser mais fechados ou que não damos tanta conversa, não somos tão abertos com eles. Seja nas brincadeiras, seja na partilha da nossa vida, acho que senti que para os meus colegas, que jogaram comigo nesses níveis, fui uma surpresa para eles. Num contexto de treino, fui sempre conhecido por isso. Fui sempre alguém chato, muito chato. Toda a gente dizia: «Eras um chato. Nunca joguei com um jogador como tu». Era exigente, cobrava muito dos outros, como eu cobrava de mim. Fui criado neste registo de superação, de sacrifício, e foi assim que eu consegui chegar a um patamar elevado. A partir do momento em que tu cresces nesse registo, depois vais sempre exigir dos outros porque, se tu exiges de ti, se dás o melhor de ti, vou exigir e vou cobrar dos outros. Nisso é que eu era chato mesmo. Eu era chato com os colegas, com os adversários. Até num contexto de distrital e de Campeonato de Portugal, os meus colegas sentiram isso, mesmo com 30 e tal anos. Dar voltas ao campo? Eu ia na frente.
zz: Também tinhas essa velocidade de ponta.
JG: Mas sempre que trabalhei, mesmo nos últimos dois anos num contexto de jogar sempre em sintéticos com 30 e tal anos, eu acho que parei uma vez por lesão. Tirando isso, treinei sempre no máximo e nunca ninguém pode apontar nada de estar a facilitar ou «o velhote já não aguenta».
zz: O pequeno Jorge Gonçalves, que começou a jogar futebol no Pedroso, achava que ia atingir esta carreira?
JG: Não, claro que não. Todos nós temos os nossos sonhos, não é? Foi pelo gosto, pela diversão, pelo estar com os colegas a jogar futebol - que era aquilo que eu mais gostava - e acabei por começar no clube da minha terra, com um sonho que todos temos de querer ser jogador de futebol, mas sem ilusões.
zz: Pedroso e não Carvalhos.
JG: Pedroso e não Carvalhos. [risos] Carvalhos é um lugar de Pedroso.
zz: O Estádio Jorge Sampaio? Como é que eram essas condições?
JG: Muito idênticas ao atual campo pelado do Pedroso, que está ao lado do estádio Jorge Sampaio, embora, atualmente, com melhores condições, como é óbvio. Conseguiu-se melhorar, pois já tem bancada coberta, melhores balneários e mais balneários. Na altura, para nós, era o que chegava. Era o suficiente: se houver bola e até balneário. As condições na altura, para mim, eram ótimas, portanto, a partir do momento em que tínhamos um campo de futebol com as balizas direitas e não feitas por nós em madeira, como costumávamos ter à porta de casa, para mim, era ótimo. O que eu queria era jogar futebol.
zz: Como é que surge o FC Porto, nos infantis?
zz: Estiveste lá três épocas?
JG: Três, praticamente quatro.
zz: Estiveste na parte da Constituição, era ali que tu treinavas. Como era? Eram treinos diferentes? Sentias que eram treinos diferentes, uma forma de trabalhar diferente?
JG: Senti, principalmente, na cultura tática dos jogos. Lembro-me perfeitamente de ser infantil, na altura, e tive a sorte de o treinador ser o mister António Frasco, alguém que trazia experiência como jogador e garantidamente nos passava isso. Sentia uma diferença muito grande na qualidade dos jogadores. Todos tinham qualidade, uns podiam ter mais um bocadinho nuns pormenores, outros tinham noutros. Enquanto no Pedroso, todos nós tínhamos bastantes dificuldades, cada um com as suas características, com as nossas dificuldades – o que é normal -, ali sentimos que a qualidade do treino era muito superior. A qualidade dos meus colegas era muito superior. Tecnicamente, tinha debilidades. Taticamente, tinha debilidades. Não conhecia o jogo. A estratégia era colocar a bola no Jorge e bola na frente. Há uma história que eu conto, que era quando tinha treinos de técnica individual. São treinos fundamentais, pois a relação com bola é muito importante. Eu era um jogador tecnicista, um jogador que faz boas receções, bons passes, bons remates. Acho que é um bocadinho por aí. Na altura, estávamos a trabalhar passe e receção até que houve uma altura o mister António disse para dar uma trivela na bola – eu nem sequer tinha ouvido que era uma trivela – e, então, comecei a observar os meus colegas. Realmente, todos eles já conseguiam aplicar a técnica quase de forma perfeita. Quando chegou à minha vez, como é óbvio, tentei aquilo que eu estava a observar e consegui colocar um «bico» na bola. Acho que meti a bola fora. Aí, tive a noção que, realmente, tinha muito trabalho pela frente. Tentei aprimorar ao longo da minha carreira, potenciar aquilo em que eu sentia realmente que era bom e ir melhorando aquilo em que eu sentia que era menos bom. Acho que foi esta autoavaliação constante, a autocrítica, que também me fez evoluir e crescer.
zz: E conseguiste, porque és campeão no FC Porto.
JG: Sim. No primeiro ano, somos logo campeões distritais de infantis. Depois nos dois anos seguintes, sou também campeão nacional. Fomos bicampeões nacionais de iniciados. O facto de estares integrado num contexto bom, estás sempre mais perto de ganhar títulos e faz toda a diferença.
zz: Tu depois sais do FC Porto para o Leixões. Como é que vais parar a Matosinhos?
zz: Isso antes das tuas idas para Avanca e para o Pedras Rubras.
JG: Exatamente. Ali, na formação, no meu primeiro ano de júnior, acabo por assinar contrato profissional, porque começou a haver um investimento muito grande na formação. Lembro-me de ter assinado eu, o Jorge Vilaça e o Daniel. Assinámos três jogadores. Depois, claro, o atual mister com quem eu estou, e amigo, o Bruno China. Houve ali cerca de seis, sete jogadores de primeiro e segundo ano de juniores que assinaram contratos profissionais.
zz: E não te surpreendeu esse empréstimo que tu tiveste?
JG: O primeiro ano surpreendeu-me, sinceramente, porque eu, com 17 anos, vou fazer o primeiro jogo aos seniores. Para surpresa minha, mas foi um bocadinho fruto do trabalho que eu tinha vindo a desenvolver. Faço dois jogos.
zz: O Adelino Teixeira era o treinador?
JG: Era, sim. O Adelino Teixeira. Acabo por ter, depois, a experiência no ano seguinte com o Carvalhal, numa altura em que já treinava mais com os seniores. Fui convocado para a final da Taça, mas acabei por ficar de fora dos convocados para o jogo. Mas foi um momento único, sem dúvida.
zz: Tu estavas ali mais numa de observar se havia algum jogador que podia não ir a jogo?
JG: Até muito em cima do jogo, havia a possibilidade de, pelo menos, ir para o banco. Eu acho que também devo ter sido convocado por esse mesmo motivo. Não só por ter acompanhado uma longa parte da época a treinar com os seniores em alguns momentos, mas o Detinho estava em dúvida. Tinha ali alguns avançados e o Detinho, como estava em dúvida hum devido a uma pequena lesão que ele tinha tido, acaba por ser convocado e fiquei sempre ali até à última a ver essa possibilidade. Estamos num contexto muito mais de observação, sem dúvida. Nós ficámos colocados logo atrás de uma das balizas, onde foram, também, alguns jogadores do Sporting. Estava lá o Sá Pinto que também não jogou, ou por estar lesionado ou castigado. Eu estava ali, com a equipa toda do Sporting e a nossa , juntamente com o resto do staff que não podia estar no banco. Sá Pinto acaba por ser uma referência. Estava a vivenciar algo único para mim. Tanto que foi a única vez que consegui estar presente numa final da Taça de Portugal. Mesmo não tendo conseguido jogar, para a minha experiência, valeu tudo, poder estar com a equipa aqueles dias. Toda a envolvência, as emoções durante o jogo – onde acabámos até por fazer um grande jogo - com cerca de 15 mil leixonenses no Estádio do Jamor. Quase não se notou a diferença de ser um clube da segunda divisão B e um clube campeão. Isso também foi o que nos fez chegar à Taça UEFA, no ano seguinte. Sem sombra de dúvida, foi uma experiência única, única, única e fantástica.
zz: É essa expetativa que faz com que tu acredites que no ano seguinte vais ter a tua oportunidade?
JG: O facto de vir de dois anos a treinar e jogar, sendo júnior, a jogar pelos seniores – mesmo em poucos jogos – fez-me sentir que estava presente e que fazia parte do grupo. Não estava a contar. Na altura, o Leixões acabou por fazer uma parceria com a Associação Atlética de Avanca, um clube do distrito de Aveiro, a disputar a terceira divisão nacional. Para mim foi, sem sombra de dúvida, um ano em que mais cresci na parte emocional, de superação, resiliência e vontade de querer. Teve de ser ali. Foi um ano de muito sacrifício, não só pela distância que fazia todos os dias, mas também porque tinha treinos à noite, fim de tarde e tudo fora daquele contexto a que eu estava habituado - a um contexto praticamente já profissional. Uma equipa amadora, não era uma equipa profissional. Tínhamos, com todo o respeito, um pintor, um eletricista, um picheleiro que vinham jogar à bola e, de certa forma, eu era jovem com as experiências que trazia e com e os sonhos mais vincados.
zz: Hoje, a esta distância, consegues perceber? Se fosses treinador ou se fosses presidente irias tentar explicar aos jogadores daquela idade e o jogador ia achar que era uma injustiça tremenda?Jorge Gonçalves, durante a gravação do Ponto Final, nos estúdios do zerozero @zerozero.pt
JG: Sempre tive essa capacidade de perceber que se é assim é porque tinha de ser e vai ser bom para mim. Acredito que as pessoas também o possam ser. Eu acredito sempre que nós tentámos fazer uma mudança que será sempre para o benefício, não só do clube, mas também do atleta. Custou-me, mas, a partir do momento que comecei os treinos, mudei o chip. Foquei-me naquela época desportiva, que sabia que tinha de dar tudo, mesmo com essas dificuldades todas e voltei aos campos pelados. Clubes sem condições nenhumas, estádios sem condições nenhumas. Um clube não-profissional. Fez-me realmente perceber que tinha mesmo de dar tudo, tinha de me destacar para sair deste contexto. E, atenção, o Avanca tinha grandes condições, grande estádio. Tinha lá estado uns anos antes para disputar um torneio pela seleção da AF Porto.
zz: O ano em que lá estás e no ano de Euro 2004 e, durante esse período em que tu lá estás, houve seleções que estagiaram lá e o próprio Beira-Mar utilizou aquele estádio.
JG: Exatamente. Eram excelentes condições, sem dúvida. O único mal eram os mosquitos [risos] e ser, efetivamente, distante. É muito diferente. Foi um ano que também me ajudou a crescer.
zz: No ano a seguir és novamente emprestado.
JG: Sim. E melhorei. O Leixões também consegue subir de divisão, da segunda divisão B para a Segunda Liga, e fez parceria com o Pedras Rubras, na segunda divisão B, e eu acabo por ser emprestado. A partir do momento em que o Leixões sobe, eu também subi um patamar e estava mais motivado, como é óbvio. Atenção que a segunda divisão B, naquele tempo, era supercompetitiva, muito forte e a um nível, se calhar, quase de Segundo Liga, atualmente. Fácil.
zz: Apanhavas ambientes muito, muito difíceis.
JG: E grandes jogadores.
zz: Havia muita diferença da zona norte para a zona sul.
JG: Por isso é que se criticava um bocadinho o modelo que estava. Subia um de cada série. Na grande parte das vezes, na zona norte, existem sempre equipas mais competitivas.
zz: Nessa zona, tu tens Infesta, o Lixa…
JG: Tínhamos o Porto B, também na segunda divisão B. Foi um ano bastante positivo também. Acabava por ser o meu penúltimo ano de contrato que eu tinha com o Leixões. Eu sabia que depois ia para o último ano. Era o momento e num nível competitivo elevado. Eu tinha a noção que, se com 19 anos me destacasse, a probabilidade de ter a minha oportunidade no Leixões seria grande.
zz: Os nossos registos dizem que foram 12 golos.
JG: É verdade. É verdade. Fui o melhor marcador do Pedras Rubras e o quinto ou sexto melhor marcador da segunda divisão B na zona norte. Era uma divisão fortíssima e acabámos por fazer uma grande época no Pedras Rubras. Iniciámos até muito bem. Estivemos em primeiro durante as primeiras seis ou sete jornadas. Tínhamos muitos jogadores que vinham no contexto do Leixões, por empréstimo. Alguns deles até já vinham do contexto da segunda divisão B. Isso também fez com que se conseguisse criar ali uma equipa bastante competitiva. Para mim, foi muito importante. Foi um ano em que joguei bastante. Fez-me crescer e depois tive a minha oportunidade. No ano seguinte, o Leixões manteve-se na Segunda Liga e teve de baixar orçamentos. Foi um ano difícil, abriu a porta aos atletas que estavam emprestados e um deles era eu.
zz: Aí, agarras a oportunidade com «unhas e dentes»?
JG: Sim, sem dúvida. Eu encontro o mister José Gomes, que esteve agora no Marítimo. Também estava a começar como treinador, praticamente. Estava com dois anos de treino. Eu tinha contrato, era o meu último ano de contrato, e acabo por ter a oportunidade de ficar no Leixões. Tivemos um misto da equipa da época passada, com atletas emprestados e outros novos. Acabámos por fazer uma grande época. Para mim, foi mais um ano de crescimento. Um ano muito importante, onde acabo por jogar bastante, mas foi uma experiência única. Para mim, foi um ano que me fez crescer.
zz: Vocês restabelecem aquele título de «bebés do mar» que já tinha existido há muitos anos, mas com esta aposta da formação faz com que vocês sejam vistos novamente nesse sentido.
JG: Sim, porque até acaba por ser uma grande época. Não sei se ficamos em quarto ou quinto lugar. Uma equipa com muitos jovens, muitos atletas oriundos da casa fez chamar a atenção. Acho que isso foi o foco principal. Quando o coletivo está bem, o individual vai ser sempre destacado. Acho que é essa a mensagem que muitas das vezes nós tentámos passar. Temos de perceber que para se destacar o individual é preciso o coletivo estar bem, se não vai ser impossível o individual se destacar ou pelo menos é muito mais difícil.
zz: Mas é fácil fazer isso também quando as coisas correm bem.
JG: Claro que sim. É quase uma bola de neve. A parte emocional comanda tudo e ajuda muito. Claro que quando se começa bem, depois, também estamos imbuídos num espírito de grupo bom. Foi um ano em que nós sentimos que tínhamos um balneário muito forte, muito forte mesmo. Tínhamos muitos convívios, o facto de nós estarmos fora do contexto de balneário também ajudou. Quando temos muita malta jovem a querer aparecer, a querer mostrar-se, isso tudo também ajuda, juntamente depois com outros atletas que tínhamos. Jogadores experientíssimos que nos ajudaram a crescer. O Leão, João Pedro, o Baptista. Tínhamos jogadores que também nos ajudaram a crescer e a dar outro conforto.
zz: Para o romantismo ser perfeito, só faltava mesmo um homem que foi quem vos levou à subida: Vítor Oliveira. Como é que foi esse ano de 2006/07?
JG: O mister Vítor Oliveira entra três meses, aproximadamente, antes de terminar a época anterior à época da subida, e eu era um jogador titular. O mister acompanhava alguns jogos da bancada. Era natural de Matosinhos e leixonense. Na altura, não tinha clube e era normal que acompanhasse bastante o Leixões. Acho que só joguei um jogo a titular até ao final do ano. Ia entrando, mas senti não me enquadrava dentro daquilo que ele queria. Eu senti isso. Tendo em conta as minhas qualidades, eu se calhar não se me encaixava nas ideias que o mister pretendia. Vou, novamente, para o último ano de contrato. O Desportivo das Aves tinha acabado de subir no ano anterior, tinham interesse em que eu fosse para lá. Era o professor Neca o treinador. Eu tentei falar logo, no primeiro treino, tentei falar com o mister Vítor Oliveira, uma vez que não havia essa confiança em mim e nós jogadores também sentimos isso. O mister foi claro comigo: 'Ó Jorge, se a direção assim o permitir, uma vez que tens um ano de contrato, da minha parte também ajudo.' Sempre fui frontal. Às vezes, não se deve de ser sempre, mas sempre o fui de forma educada. Logo ao final do primeiro treino, consegui com que essa informação chegasse à direção, mas a verdade é que não me deixaram sair. O presidente ligou-me e disse que não permitia, porque era um ativo do clube e eu disse: 'Mas eu sou um ativo se jogar. Se não jogar, não sou ativo nenhum, portanto o máximo que podiam fazer era renovarem mais um ano e emprestarem-me.' Não me deixaram sair. Eu mantive-me com aquele único e último ano de contrato e senti que durante para a pré-época, com o mister, não ia jogar. Eu acho que nunca entrei nenhum jogo de início, mas sempre a dar o máximo. «Cara de poucos amigos», como eu costumo dizer, porque é importante também demonstrar que não estamos satisfeitos, mas, em momento algum, a deixar de ser profissional. Foi aquilo que fez com que eu continuasse em boa forma e a manter os meus níveis. Nós íamos começar o campeonato com o Gil Vicente na altura da tal polémica no caso Mateus. A primeira jornada acaba por não acontecer porque a decisão ainda não estava tomada. Na semana seguinte, tínhamos o Santa Clara e houve alguns problemas com inscrições de estrangeiros e, obrigatoriamente, o mister devia meter-me. Eu senti isso. Eu senti que estava a jogar porque não havia outros. Ganhámos dois zero. Fiz um golo. Fiz bom jogo, a equipa fez um grande jogo. Era sempre um jogo difícil. Nunca mais saí. Acabo por fazer uma grande época, se calhar das minhas melhores.
zz: Conversaste alguma vez sobre com ele sobre isso?Jorge Gonçalves nos tempos em que representou o Fafe @Global Imagens / Ivan del Val
JG: Não. Por acaso não. Foi um mister que me marcou pela positiva sempre. Independentemente destas situações, faz parte. A gente tem de estar preparada. Foi sempre o mister que me marcou pela liderança, a forma justa como ele tentava fazer as coisas. Por muito que não se consiga ser justo com toda a gente (é impossível a partir do momento que jogam 11 e só podiam entrar três e agora é cinco). A partir desse momento, já não se consegue ser justo com toda a gente, mas ele tentava. Connosco, foi sempre muito frontal e nós sentíamos isso. Em momento algum sentíamos que estava a fazer isto porque gostava mais dos olhos do «Manel» ou do «Joaquim». Não. Era pelo sempre pelo trabalho e por aquilo que ele achava. Aquilo que a equipa precisava, independentemente do que nós achássemos.
zz: Quando é que vocês sentem que vão subir?
JG: Vínhamos há dois ou três anos também a tentar subir e estávamos, como se costuma dizer, «sempre a morrer na praia». [risos] Depois, no ano seguinte, que até, para mim, o ano até foi considerado o ano mais competitivo da Segunda Liga, com Rio Ave, Vitória SC, Feirense, Santa Clara. Era um ano de aposta de muitos clubes e que nós sentíamos que ia ser um ano difícil e fomos campeões. Nós sentimos isso a partir do momento em que jogávamos bom futebol. Eu acho que o espírito era bom, a liderança feita dentro do balneário, a mística das gentes da terra conseguia com que se passasse uma mensagem de dentro para fora bastante positiva. Nós conseguimos fazer essa gestão como deve ser feita ao futebol, sempre de dentro para fora. O Bruno China, Joel, Nuno Silva, jogadores que fizeram toda a diferença dentro do balneário, não só pelas qualidades que tinham desportivas. O Beto acaba por entrar, vem do Marco de Canaveses, depois de um ano difícil. Acaba por descer de divisão numa equipa que tinha muitas limitações. Eu acho que nós contra eles marcamos cerca de 11 golos. Ele era um excelente guarda-redes, sem dúvida. É uma fase da época, a partir do último terço, principalmente, em que nós começámos a fazer contas e tínhamos a noção que, com todos os jogos que iríamos encontrar, iríamos estar mais perto da subida. Tínhamos o Olhanense também muito forte nessa altura.
zz: E estamos a falar num período em que, efetivamente, Vítor Oliveira, que é o homem das subidas, mas eu diria que nessa altura, ele está à metade do percurso.
JG: Estava há alguns anos sem subir de divisão e ali acaba por ser o primeiro ano de muitos novamente, a partir dali.
zz: No ano a seguir, começas, mas sais logo em agosto. Havia essa vontade tua também?
JG: Eu acabo por ser o melhor marcador do Leixões e tenho o Belenenses e o Marítimo, a nível nacional, que tinham interesse. Como eu tinha mais um ano de contrato, ia ser difícil. Na altura, tentou-se com trocas de jogadores, mas o Leixões tinha interesse de uma compensação financeira, para ajudar o clube. De forma, depois, natural, começa-se a época e a parte das transferências começa-se a passar. É óbvio que nós, como jogadores, começámos a notar que há interesse e vamos transmitindo, mas estava sempre focado no treino. Estava num clube em que eu me sentia bem, sentia-me super confortável. É um clube que eu aprendi a gostar, sem sombra de dúvida.
zz: Foi o clube onde passaste mais tempo.
JG: É um dos clubes do meu coração. É um clube totalmente diferente da grande parte dos outros. Vamos à Trofa na segunda jornada e, no final desse jogo, o meu empresário liga-me para ter uma reunião comigo. Estávamos a um ou dois dias de terminar o fecho do mercado de transferências e a proposta era do Racing Santander, de Espanha. Para mim, foi uma surpresa muito grande porque a Primeira Liga espanhola era um contexto muito superior. Ia melhorar a minha vida, ia melhorar em termos de Liga. Era um sonho. Não eram gentes fáceis. Senti isso não só de portugueses. Acho que se nota muito em Espanha. Também senti os franceses, também estavam na equipa.
zz: É o sentir que estás a ocupar um espaço que pode ser de um espanhol? @zerozero.pt
JG: Sem dúvida. Eles são mesmo nacionalistas a 300 por cento. O meu primeiro mês e meio foi muito difícil. Tinha acabado de ser pai há três ou quatro meses. A minha namorada tinha ficado em Portugal com a menina e eu ainda fui fazer aquele primeiro mês de adaptação para ver casa.
zz: Porque as pessoas não têm a noção que tu vais para jogar, mas sem nada.
JG: Sem nada. Sem nada. Completamente sem nada.
zz: E não tinhas a verba monetária para levar um playersitter contigo. [risos]
JG: Nada. Em termos de condições, melhorei, é verdade, mas não foi um contrato que me fazia ficar rico. Nada disso. Eu acho que acontece muitas vezes o seguinte: a partir do momento que vamos buscar um jogador, a uma equipa mediana de Portugal, tem a noção daquilo que pode fazer a diferença para trazer o jogador, sem dúvida. Não precisam de ser valores muito altos e realmente fui melhorar bastante. Não dava para levar tudo comigo. Eu fui sozinho. Durante um mês, estive sozinho até me organizar em termos das minhas condições de estadia. Depois, sim, a minha namorada e a minha filha fizeram essa transição. Felizmente, tive a sorte de encontrar um português que era o Zé António que também me ajudou. A verdade é que há portugueses em todo o lado e também estavam em Santander com os seus negócios. Eles procuraram-me, quando souberam que mais um português foi para o Santander. Fui treinar e senti que no treino não passavam a bola ou não tratavam pelo nome: era «Português». Ao final do mês e meio, saí dum treino completamente frustrado com uma atitude que um colega meu estava a ter e a primeira coisa que fiz foi chegar ao balneário e tive de o 'pôr no sítio'. Entrámos e houve um pequeno início de agressões que foram o meu limite. É isso que, às vezes, as pessoas não percebem. Já não me importava o dinheiro, se estava na Primeira Liga espanhola. Ali, o meu foco era o meu bem-estar e eu não estava bem. Eu estava a ter dificuldade porque não estava a ser bem recebido e tive de mostrar que o «Português» tinha de meter as coisas no sítio. Foi um acumular de várias situações ao longo desse mês e meio. Mesmo o capitão sentiu que não estavam a acolher bem. Há até um episódio, no último jogo da época, em que já tínhamos a grande garantida manutenção há algumas jornadas e nós fizemos uma roda e o Munitis promoveu a todos falarem individualmente daquilo que foi a época. Quando chegou à minha vez, disse-lhes tudo sobre isso. Que não recebiam bem os estrangeiros, que eu tive muita dificuldade, que não deixava de ser como eles, estava longe do meu país, com a minha namorada e com a minha filha pequenina. Precisava que eles me apoiassem, que me ajudassem para ser mais um a ajudá-los dentro de campo. O Munitis, depois, voltou a falar novamente e reconheceu, deu esse valor, que muitas das vezes eles não recebem bem e não veem as coisas desse lado. São muito focados, muitos nacionalistas e que, inconscientemente, são situações que não são as ideais. Em Portugal, nós recebemos os estrangeiros como ninguém e é verdade. Eu senti isso.
zz: Sentes que acabas por ser emprestado também um bocado em virtude disso?
q Ao final do mês e meio em Santander, saí dum treino completamente frustrado com uma atitude que um colega meu estava a ter e a primeira coisa que fiz foi chegar ao balneário e tive de o 'pôr no sítio'.JG: Faço um ano. Vou para Espanha e até começo a jogar. O meu primeiro jogo é em Camp Nou e entro a trinta minutos do fim. Tenho logo essa primeira experiência na altura. Depois, jogo logo em casa com o FC Honka, que é da Finlândia, para a Liga Europa, a meio da semana e depois jogámos, novamente, para o campeonato. Principalmente, até dezembro, estava a entrar. A verdade é que surge a oportunidade do Vitória SC, logo nessa época, só que eu já tinha jogado em dois clubes: o Leixões e o Racing Santander. Nem eu, nem o meu empresário, nem o clube, nem ninguém se lembrou disso. Começámos a tratar de tudo para o empréstimo. Embora eu estivesse a entrar, e a jogar, o Vitória SC estava a lutar pelas competições europeias. Para mim, era uma oportunidade. Vou para ao pé de casa novamente. Sentia que era um clube que, garantidamente, podia-me continuar a abrir portas para os meus objetivos. Era e é um grande clube. A verdade é que dois ou três dias antes é que tive a informação do meu empresário a dizer que nos esquecemos de um pormenor. 'Ninguém se lembrou de que já jogaste no Leixões e no Santander. Podes fazer mais uma inscrição, mas não podes jogar em mais nenhum clube.' Simultaneamente, o Santander estava a ir buscar um jogador, também por empréstimo à Segunda Liga para colmatar a minha saída. Portanto, esse empréstimo concretizou-se, o meu não e ele começou a jogar nos minutos em que era eu que entrava. Condicionou ainda mais um bocadinho o que eu pretendia. É óbvio que aprendi muito, mesmo tendo jogado menos nessa segunda metade do campeonato, mas, para mim, o nível do treino era elevadíssimo. Os minutos, fossem dez, fossem 15, tentava aproveitar da melhor forma porque sabia que seria benéfico para mim. A partir de março, abril, o Vitória SC demonstrou novamente interesse para eu integrar no ano seguinte, por empréstimo. A minha namorada também estava grávida da minha segunda filha e juntou-se o útil ao agradável. Integrei o Vitória SC no ano seguinte.Jorge Gonçalves, antigo futebolista
zz: Este é o teu regresso a Portugal e é um regresso para a Primeira Liga, onde tu tinhas estado com o Leixões, mas acaba por ser diferente. Depois há também o Olhanense, outro Vitória [FC]. Andas aqui de clube em clube. Não houve uma estabilidade. Porque é que isso aconteceu?
JG: Essa pergunta é muito interessante porque eu acho que a minha vinda para a Segunda Liga, eu não estava a contar, sinceramente. São anos em que eu venho sempre a jogar. Se calhar, quem não me conhecia pensava: «Este jogador não está mais do que um ano num clube.» Mas eu fazia isso sempre por opção minha. Eu costumo dizer que tirei anos de vida aos meus pais. O normal dos jogadores é quererem dois, três, quatro anos de contrato. Eu não.
zz: Mas porquê?
JG: Sempre quis decidir de ano a ano. Depois de vir de Espanha, desse registo, sempre decidi assim. Eu vou para Olhão, eles querem dar dois anos de contrato eu não aceitei. Vou para Setúbal, querem dar dois anos de contrato, não aceitei novamente. No jornal, até vem Jorge Gonçalves assina dois anos porque a ideia era essa. Deve ter ficado isso, mas acabo por assinar um ano. Sempre quis deixar que o clube chegasse a janeiro e decidisse por eles se estavam satisfeitos com o jogador que tinham. Eu também acreditava em mim e no meu trabalho, é óbvio, mas também dependemos dos treinadores. Isso sempre fez com que eu estivesse sempre a mil. A verdade é que tive quase sempre proposta para renovar. No caso do Olhanense, fizeram a proposta em janeiro para renovar e, no final do ano, acabou por prolongar até ao final do ano. Tinha a parte negativa de uma lesão ou de opções do treinador que me pudessem condicionar, mas também tinha esse poder de, no ano seguinte, poder negociar seja com o mesmo clube ou com outro por melhores condições. O mister da Daúto Faquirá, na altura, sempre a ligar. 'Então? Ainda não te resolveram a vida?' Porque ele queria ajudar-me. Eu mesmo também queria dar uma continuidade e acabou por não acontecer. Depois, alguns clubes começam a demonstrar interesse. O Olhanense acaba por demorar um bocadinho na proposta. Depois, a proposta quando vem é a mesma. Não foi ao encontro daquilo que eu estava a pretender e acabo por ir para Setúbal, no ano seguinte, nesse mesmo registo, apenas um ano. Na altura, o Vitória FC passava por grandes dificuldades financeiras e eu senti que não era o momento de arriscar uma vez.
zz: Sofreste com isso também?
JG: Sim. Podia ter dado continuidade no ano seguinte. Mas eu acabo por ir para a Segunda Liga. Não há vergonha nenhuma de dizer isto, para mim, foi uma surpresa chegar e quase a começar uma nova época, o meu empresário dizer que 'em Portugal, a Primeira Liga não tem clubes. Não há interesse em ti.' Se forem à minha carreira, eu vinha fazer aos 30 jogos por época.
zz: Porque é que achas que foi assim?
JG: Não sei. Eu acho que passei essa imagem. Apareci muito cedo. Eu lembro-me de estar em Setúbal, na minha apresentação, dizer que tenho 28 anos e o pessoal começou-se a rir. 'Tens 30 e quê? 28 é impossível.' Não era pela minha forma de jogar, mas era por ter cabelo comprido- se calhar era mais fácil de fixar -, tendo estado em equipas medianas e sem grande projeção na altura. Atualmente, qualquer clube tem bastante projeção em termos da televisão, em termos mediáticos. Na altura não era tanto assim. Mas, mesmo assim, devido às minhas características físicas, acabava por chamar um bocadinho mais à atenção e são muitos anos sempre a ver aquela imagem. A falta de golos, de alguma forma, também deve ter influenciado. Eu tive ali dois anos em Guimarães que foram os anos mais difíceis da minha carreira. Senti que era o ano em que podia fazer a diferença para, novamente, regressar a Espanha. Com o mister Paulo Sérgio, até hoje, não consegui encontrar uma explicação para aquilo que me fez. Nunca, nunca consegui. Fui sempre um profissional de excelência. Sempre.
zz: Mas o que é que ele fez?
zz: Mas conseguiste, depois, perceber com o teu empresário porque é que não havia propostas de Primeira Liga?
JG: A idade. A verdade é que eu tinha clubes estrangeiros quando saí de lá.
zz: Porque é que não nunca optaste?
JG: Porque, em termos financeiros, era muito idêntico ao que estava na altura e eu não estava para ir para um clube onde podia não dar grandes garantias de continuidade e crescimento na carreira. Não queria ir só pelo contexto financeiro, porque nem mesmo me compensava. Acabo por ter, mais tarde, a proposta do Feirense. Um clube que tinha acabado de descer. A aposta era grande e eu tinha um acordo de renovação com a subida de divisão, se isso acontecesse. Tínhamos uma excelente equipa, mas correu muito mal nos resultados. Acabo por fazer uma grande época, tanto é que tenho, no ano seguinte, o Gil Vicente para poder integrar na Primeira Liga. Já está quase tudo acertado com o presidente António Fiúsa e o mister Paulo Alves vai embora. É contratado o mister João de Deus. Estava eu, o Moreno e o Danielson. 'Bem, estamos já com tudo praticamente fechado com estes jogadores.' O mister disse: 'Daqui só quero o Danielson e o Moreno. O Jorge Gonçalves não quero.' Não entendi, mas o mister João de Deus acho que transmitiu que queria um extremo rápido. Eu lembro-me do meu empresário dizer: 'O importante é a qualidade com que se chega ao último terço e, se for a ver, o Jorge, mesmo não sendo um velocista, ganha muitas vezes a linha com muito cruzamento, muita assistência e golo.' Foi difícil para mim, mas dei continuidade no Feirense e acabei por fazer a mesma uma grande época. @zerozero.pt
zz: Começas a perceber que está a acabar quando vais para o Felgueiras, para o Fafe ou quando sai do Feirense?
JG: Quando vou para o Atlético CP, praticamente decidi que ia ser o meu último ano. Ou conseguia clube de Segunda Liga, perto de casa, ou seria o meu último ano. Vínhamos de uma fase em que as condições eram muito baixas. Houve ali uma diferença muito grande nos valores que se pagava ao jogador e já não me compensava estar longe. Mesmo estando em Portugal, estar em Lisboa, longe da família… Não dá para acompanhar. As minhas filhas crescidas na escola, portanto já não compensava. O que eu fiz foi decidir. Ia terminar bastante cedo por esse mesmo motivo. Estava a sentir-me desmotivado para as condições que se tinha na altura. A verdade é que não apareceu nada, nem a Segunda Liga perto de casa, nem de estrangeiro que compensasse. Tanto é que eu integro o Felgueiras em setembro. Os campeonatos já tinham começado, já íamos na segunda ou terceira jornada. Ligaram-me a dizer que gostavam de contar comigo. Tinham percebido que eu não estava em clube nenhum. O Campeonato de Portugal, sinceramente, não era do meu interesse. Acabei sempre por rejeitar, mas o mister Pinto andou a forçar, até que me disse: «Anda ver aqui um jogo e vais ver que a equipa é boa. São bons miúdos e vais ajudar.» Fui ver o jogo e mexeu um bocadinho comigo porque vi que era uma equipa até interessante de jovens. Acabei por ir naquela pressão que o mister fez. No final do jogo, obrigou-me a ir ao balneário. Foi uma coisa que eu disse: «Pronto, eu fico aqui um aninho a ver o que é que isto dá». Tivemos logo jogo contra o Tirsense para a Taça de Portugal e fui jogar para aí com um dois ou três treinos. Assumi o compromisso. Acabam por ser as duas equipas que sobem de divisão. O Fafe, na altura, acaba por me fazer a proposta para transitar para lá e acaba por ser a única contratação do Fafe para a fase de subida. Aceitei. Tive a oportunidade de continuar para lutar para subir de divisão e acabo por passar para essa fase. Subimos de divisão.
zz: Orgulhas-te de tudo o que fizeste?
JG: Sim, sem dúvida. Sem dúvida. Olhando para trás… Maior parte de colegas meus fizeram 15 anos de Primeira Liga, mas jogaram um em quatro cinco clubes porque foram-se mantendo sempre no mesmo clube. Eu acho que isso pode ter sido algo que prejudicou o facto de me ter dado essa estabilidade ou de continuidade de mais anos em cada clube. Em momento algum saí de um clube devido a má postura ou falta de respeito. Sempre deixei uma imagem de profissional, da boa pessoa que sou. Brincalhão, mas exigente. Já estivemos em Felgueiras, um clube onde joguei e que foi especial treinar em Felgueiras. Sinto que foi dever cumprido. Senti sempre que consegui fazer a minha carreira pelo meu trabalho. Em momento algum senti que me deram a mão, nunca senti isso. Eu sempre senti isso. Sempre senti que tudo o que eu consegui foi pelo meu trabalho.
zz: Se tivesses de agradecer a alguém, quem é que era essa pessoa?
JG: É sempre difícil agradecer a uma pessoa. Nós temos de estar gratos a todas as pessoas que passam na nossa vida, mesmo até de forma negativa que nos fazem que nos fazem aprender. Pelo menos, foi sempre essa mentalidade que eu tive. Em fases muito importantes, no meu primeiro ano de contrato, o José Manuel Teixeira, o presidente do Leixões, foi importante. Como é óbvio, à minha família pelo apoio incondicional ao longo de todos os anos. Aos meus amigos, principalmente nas fases menos boas, que, felizmente, foram poucas, mas tive. A toda a gente, a todos aqueles que me fizeram rir, chorar, crescer, aprender ao longo destes anos neste mundo e espero que continue na parte do treino.
zz: Consegues nomear onze jogadores para fazer o teu onze inicial?
JG: Eu vou tentar escolher mediante a forma em que apanhei esses jogadores. Na baliza, podia dizer o Oblak. Ele treinou connosco em Olhão e acabou por praticamente nem jogar. Era um miúdo que estava a aparecer, mas percebi que era um guarda-redes que com um potencial tremendo. Portanto, o guarda-redes - não sendo o Oblak - podia escolher outros, mas o Beto. Apanhei o Beto numa fase forte da carreira. Foi um guarda-redes que me marcou, sem sombra de dúvida. Também é muito ranhoso, ao meu nível [risos]. Lateral direito? Torna-se difícil, também. Tive dois laterais que me marcaram, o João Gonçalves do Olhanense - que acaba por terminar a carreira bastante cedo devido ao joelho – e o Filipe Oliveira no Leixões, para premiar também pela carreira que ele teve. Como centrais, Garay. Tive a sorte de o encontrar em Santander, emprestado pelo Real Madrid. Central esquerdo, Zé António. Coincidiu ser em Santander com ele. Realmente, um central acima da média, um central magnífico. Lateral esquerdo, o Ismaily, que apanhei no Olhanense. Não era um titularíssimo, mas foi um lateral que eu notei que tinha umas capacidades incríveis. «Número seis», o Bruno China. Não só pela amizade que tenho com ele, mas jogámos mais de dez anos juntos e também devido à carreira que teve. Médios interiores, posso colocá-los: Nuno Assis e o Silas. Foram dois jogadores que me marcaram pela qualidade e liderança dentro dos grupos. Foram dois jogadores incríveis. O Nuno mais jovem um bocadinho do que o Silas, mas com uma qualidade muito acima da média e pela carreira que fizeram. Extremo esquerdo, o Diogo Valente. Foi dos melhores extremos com quem eu joguei a servir os avançados ou os extremos do lado contrário. Tem uma capacidade de definição de cruzamento, do último passe, acima da média, e acho que é por isso que continua a jogar no Campeonato de Portugal com 40 anos. Extremo direito, o Vieirinha. Era um extremo diferente de todos os outros. Era super-rápido, forte tecnicamente. Tinha um remate fortíssimo e rematava de qualquer lado. Humilde, trabalhador e acaba por fazer uma carreira mais que merecida e a ser reconhecido mais no estrangeiro do que cá. Estou indeciso no avançado entre o Roberto , que jogou comigo no Leixões, embora foi um jogador que não andou num patamar muito elevado, mas foi dos melhores avançados com quem joguei. Super inteligente e bom finalizador, mas consigo destacar também o Nikola Zigic, um sérvio encontrei-me em Santander. Fez a diferença na nossa época. Com extremos como o Diogo e o Vieirinha, tinha de ter um jogador mais da área. Um finalizador nato de dois metros que calçava o 50. Ele era uma coisa impressionante.
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