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    Entrevista de Rui Miguel Tovar

    «O Sr. Pedroto deixava-nos usar o balneário do futebol. Quantas vezes não calcei os chinelos do Bibota no balneário?»

    E1

    Vítor Hugo. Por muitos anos que passem, o seu nome está gravado em maiúsculas na história de Portugal. A do hóquei em patins, em primeiríssimo lugar, com 31 golos em finais europeias (senhoras e senhores, trinta e um) (nove dos quais num só jogo, vs. Sporting). Arrumados os patins, dedica-se ao cargo de treinador e ganha uma Taça CERS pelo FC Porto mais um Mundial por Portugal.

    Vítor Hugo. Por muitos anos que passem, o seu nome está gravado em maiúsculas na história de Portugal. A da memória do futebol, em segundo lugar. O homem está em todas, entre o único golo de um apanha-bolas na 1.ª divisão, num FC Porto vs. Sporting, o hat-trick de Duda num FC Porto vs. Manchester United, o hat-trick de Oliveira num Sporting vs. Dínamo Zagreb, o autogolo de Alhinho num irrepetível FC Porto 0 Belenenses 4.

    Vítor Hugo. Por muitos anos que passem, o seu nome está gravado em maiúsculas na história de Portugal. A do basquetebol, em terceiro lugar. O homem é o director da modalidade do FC Porto e leva-me ao jogo mais importante da história do clube, vs. Karhu (Finlândia), para os ¼ final da FIBA Europe Cup.

    A viagem é extraordinária porque Vítor Hugo fala das jogadas com relativa antecedência. Por exemplo, o FC Porto ganha um ressalto e parte para o ataque organizado. ‘Agora vai ser jogada interior.’ No quadradinho seguinte, dois pontos para o FC Porto. Outro exemplo, lançamento livre. ‘Vai falhar um.’ Meu dito, meu feito. Mais um exemplo, Karhu recupera a bola e vai para a frente sem medos. ‘Vais ver agora, triplo.’ Piiiimba. E isto não é uma nem duas vezes, é sempre. Nem falha uma.

    Ao intervalo, Vítor Hugo leva-me a conhecer Cristiano Pereira , uma instituição portuguesa do hóquei patinado. Com aquela voz bem vincada e um sotaque engraçado, Cristiano olha para mim da cabeça aos pés e cá vai disto. ‘Conheço-o bem da televisão, não vale a pena estarmos aqui com introduções, mas devo dizer que você é, desculpe lá, hã, mas você é um minorca. Julgava-o mais alto, você parece mais alto na televisão.’ É só rir.

    No fim do jogo, o FC Porto perde por um ponto e Vítor Hugo arrepia caminho para o elevador. Sigo-o. Chegamos ao piso menos-não-sei-quantos e, em vez de carros estacionados, estou à porta do balneário do FC Porto. Cruzo-me com Landis, o número 10, e mais uns quantos calmeirões, vejo o treinador Fernando Sá com os seus adjuntos pela frincha de uma porta. A todos eles, Vítor Hugo incentiva-os em português e inglês.

    Agora sim, entramos no carro e vamos para uma zona residencial, onde Vítor Hugo me apresenta a última camisola de Livramento na selecção nacional. Uma peça de coleccionador, equipamento branco e número 4 a verde nas costas. Um mimo. As histórias do antigamente voam entre jogos inesquecíveis em pavilhões a abarrotar, golos imperdíveis em ambientes de cortar à faca, os Dragões de ouro, as fotografias de toda uma vida

    Já se faz tarde, umas onze e tal da noite, vou mas é para o hotel. Vítor Hugo joga uma última cartada. ‘Quando perco, fico sem cabeça para dormir. Vamos jantar ali ao My Palace.’ E vamos, claro. Uma omeleta com cebola e arroz mais um prego com batatas fritas e ainda dois finos. Siiiiiga a marinha. Mais memórias pelo ar, falamos dos tempos da RTP: Rui Tovar, Gabriel Alves, Ribeiro Cristóvão, Cecília do Carmo, Orlando Dias Agudo, Mário Rui e por aí fora.

    ‘O teu pai era especial, guardo muitas boas memórias dele, tinha um registo jornalístico diferente, falava com fina ironia.’
    Já se faz tarde, é agora o toque de saída. A entrevista propriamente dita, a propósito dos 60 anos, está apalavrada para quarta-feira, 29 Março. O restaurante é o Aquário, ali em Espinho, em cima do mar, ao lado do casino.

    Senhoras e senhores, ei-lo.

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    Finalmente.

    Que sossego, maravilha.

    Vens cá há muito?

    Há anos e anos, com os meus pais, a minha mulher, as minhas filhas.

    O teu pai, que tal?

    Era uma peça. Quando estávamos juntos, sem mais ninguém ao pé de nós, falava dos meus golos ou passes falhados. Atenção, mesmo que marcasse os golos todos da minha equipa. À frente de toda a gente, chamava-me monstro. Quando deixei de jogar, já me chamava ex-monstro. Uma peça, só te digo.

    E a tua mãe?

    Tem uns 45 álbuns cheios de recortes de jornais e fotografias de tudo e mais alguma coisa.

    Sobre o hóquei?

    Só sobre o hóquei.

    Quarenta-e-cinco álbuns. Isso é uma dedicação magnífica, e tem de ser uma viagem divinal.

    À conta dessas memórias, sei que já tinha 500 golos aos 14 anos de idade.

    Quinhentos?

    Só jogos oficiais.

    E acabaste a carreira com quantos golos?

    Perdi a conta, só a minha mãe é que sabe.

    O que havia nessa altura para miúdos até aos 14 anos?

    Campeonatos regionais e torneios de abertura, essencialmente.

    Tu jogavas onde?

    Aqui [e aponta para a sua frente]. O primeiro rinque de hóquei em Espinho era ali [um dos empregados confirma]. Se vires bem, as grandes equipas de hóquei nascem ao pé da praia: Paço de Arcos, Paredes, Cascais. Em Itália, há o Viareggio. Na altura, as boas equipas eram Paços de Arcos, Alenquer, Benfica. Para veres, só três equipas do Norte foram campeãs nacional de juniores até aos anos 70. E nenhuma do Norte foi campeã nacional de seniores até ao FC Porto em 1983.

    E tu foste campeão de juniores?

    Fuuuuui, pelo Académica. Comecei a jogar aos 10 anos e fiz infantis mais iniciados. No primeiro ano de juvenis, saltámos todos um escalão e chegámos aos juniores. E fomos logo campeões, vs. Benfica. Estávamos a perder 5:1 e fomos ganhar 6:5. Atenção, esse Benfica era o campeão nacional em título. E o FC Porto era o vice. A eles, demos 11:2 na primeira mão e depois só 4:3, porque eles começaram a bater forte e feio em nós. Ahahahah.

    Como é que tinhas patins?

    Ó, era uns patins de chapa. Os primeiros a sério, com bota e tal, foram-me comprados pelo meu pai em Lisboa.

    E o primeiro stick?

    Outro presente do meu pai, trouxe-me de Espanha.

    E os treinos?

    Nos infantis, uma vez por semana. Ao sábado, íamos às duas e meia e só saíamos do rinque às sete e meia.

    Maraviiilha.

    Nem por isso.

    Então?

    O aquecimento com os patins era de três horas. Se achassem que eras bom ao fim desse tempo, davam-te um stick e fazias dessa hora em falta o melhor da tua vida. Era como se fosse um bónus.

    Quem orientava os treinos?

    Uma figura imensa do hóquei português, um academista dos sete costados: Vladimiro Brandão. Foi campeão europeu de juniores por Portugal e dedicou toda uma vida à Académica, depois ainda treinou o FC Porto e ganhou uma Taças das Taças.

    Craque.

    Muito.

    Pergunta inocente: o 5 inicial do hóquei é como o 11 do futebol?

    Nem mais. Uma vez, já eu era treinador do FC Porto, e depois também como seleccionador de Portugal, fui acusado por muita malta de meter quatro jogadores de uma vez. Dizia-se mal dessa ideia, que tinha sido copiada do hóquei no gelo.

    E então?

    E foi mesmo copiada pelo hóquei no gelo, as boas ideias copiam-se e transformam-se. Eu fazia isso porque estava a preparar duas equipas.

    E fizeste quanto?

    No Mundial 2001, na Argentina. Estava a programar esse Mundial para outras competições, como os Jogos Mundiais no Japão, o Euro em Itália e o próximo Mundial, em 2003.

    Esse Mundial em 2003 soa-me familiar. Ganhámos, não foi? Barcelos?

    Ganhámos, sim, em Oliveira de Azeméis.

    Ahhhhhh.

    O de Barcelos foi em 1982, também ganhámos. Essa equipa era qualquer coisa, Ramalhete, Franquelim, José Carlos, Fernando Pereira, Chana, Cristiano, Sobrinho e Leste.

    @Arquivo Pessoal
    E esse de 2003?

    Convoquei um guarda-redes chamado Guilherme Silva, que tinha sido operado ao joelho e estava sem clube, depois de ter sido dispensado do Óquei de Barcelos. Mais uma vez, toda a gente me caiu em cima com essa convocação. Chegaram a dizer que chamei um paraplégico e tal. Enfim, apanhei de todo o lado.

    E o resultado?

    O Guilherme só falha o primeiro jogo, um 4:3 à França. Estávamos a perder por três a oito minutos do fim. Demos a volta e adivinha a reacção da imprensa? Em vez de enaltecer a reviravolta, foram escrever ‘como é que possível estar a perder com a França’. O Guilherme entra para a baliza no jogo seguinte, passamos à fase seguinte, eliminámos o Brasil nos ¼, a Argentina nas ½ e ganhámos 1:0 à Itália, após prolongamento, na final. Sabes o que aconteceu ao Guilherme?

    Nem ideia.

    Foi para o Gulpilhares, depois Oliveirense e, finalmente, Follonica. Em 2006, o Follonica  é a primeira equipa italiana a ganhar a Taça dos Campeões Europeus com o Guilherme na equipa. É uma equipa engraçada, a do Follonica, tem os irmãos Mariotti, os irmãos Bertolucci e os irmãos Michielon e os irmãos Silva, o Sérgio e o Guilherme, ahahahahah. Eles não são irmãos. Os portugueses, digo.

    Ahahahahah, Silva.

    Ganham essa final four em Torres Novas. Vamo-nos rir um pouco? Deixa cá ligar para ao Massimo Mariotti, é um personagem.

    [estamos sozinhos, não estamos? pergunta-se a si mesmo, a mim e ao chefe de sala]

    [marca o número e cá vai disto]

    [toca toca toca e nada]

    Olha olha, não me atende. Vai levar na cabeça.

    Lembro-me bem desses irmãos todos, é incrível como os nomes ficam na cabeça durante anos e anos.

    É a magia do hóquei, Rui.

    Ainda bem.

    Outro craque do meu tempo, o Marzella, Giuseppe Marzella.

    Vi no outro dia, que currículo.

    Foi quê, oito vezes melhor marcador do campeonato italiano. Foi o gajo com mais queda para o golo que vi na minha carreira.

    Oito vezes, sim. Era mato.

    Por falar nisso, o Amato também era um goleador por excelência. Ele e eu tínhamos uma química dentro de campo no Novara. Outros tempos, os rinques cheios, diria até sobrelotados.

    [o empregado aproxima-se da mesa com o peixe, manda uma posta e inicia-se um esgrimir de argumentos]

    [‘sou do tempo das 120 mil pessoas na Luz, da mão do Vata’]

    [o Vata esteve quase a ir para o basquetebol]

    [e o paille?]

    [estamos a comparar a taça dos campeões com a supertaça nacional?]

    [o empregado só se ri, Vítor Hugo continua: e o Ronny no José Alvalade? E o Maradona no México? E o Henry na Irlanda?]

    [o empregado sai de cena, sempre a rir]

    E os Europeus?

    Ganhámos em 1987, Oviedo [dois golos de Vítor Hugo no 2:1 vs. Espanha]. Não ganhávamos lá desde o tempo do Jesus Correia.

    E do Raio, esse nome tem de ser dito.

    O Raio, claro que sim. Sabias que o Raio não sabia andar para trás sem a ajuda do stick?

    Nem ideia.

    Quando o Livramento chegou, o hóquei mudou para sempre.

    Porquê?

    Era um génio, um virtuoso, um visionário. Jogava, marcava, goleava, era um malabarista. Andava, corria, sprintava. Para a frente, para trás, para os lados. Nem imaginas, um artista.

    Conheceste-o?

    Se o conheci? Ahahahahah. Tinha uns 16 anos quando dividi o rinque pela primeira vez com ele. Marquei dois golos pelo Académica de Espinho, empatámos 4:4 vs. Sporting. Tenho esse recorte aqui, já te envio por whatsapp.

    No teu tempo de criança, o hóquei era vivido como?

    Relatos de rádio, só. Depois, já nos anos 70, a televisão. Lembro-me do meu primeiro jogo na RTP, um 4:2 vs. Espanha no Mundial-74. Não me perguntes porquê nem como, só me lembro do 4:1 do Adrião, outro gajo muito à frente no seu tempo. Essa selecção é espectacular, a famosa equipa de Moçambique. O cinco inicial era formado com quatro moçambicanos entre Moreira, Vaz Guedes, Velasco e Bouçós, mais o português Adrião. Eles passavam a vida a treinar no pavilhão e o resultado é qualquer coisa de especial. O hóquei é um desporto muito especial, até o Siza Vieira jogou, vê bem.

    Ai é?

    Olha aqui [e abre uma notícia do Diário de Notícias]. ‘A indisciplina do jogador de hóquei que conquistou a arquitectura mundial’ é o título do artigo. O Siza Vieira, agora vê.

    E tu entraste no FC Porto com que idade?

    Aos 17.

    E nunca uma equipa do Norte tinha sido campeã nacional?

    Nunca.

    Quando foram?

    Em 1982-83. Os primeiros dois anos foram ver os outros. Em 1981-82, ganhámos a Taça das Taças ao Sporting, marquei nove golos ao Ramalhete nas Antas e mais quatro na nave. Em 1982-83, voltámos a ganhar a Taça das Taças, agora na Luz, no desempate por penáltis, e fomos campeões nacionais.

    Marcaste algum penálti?

    Só houve um golo, do Vítor Bruno.

    Morte súbita?

    Não, não, tanto o Ramalhete como o Domingos Guimarães defenderam os penáltis. E só o Vítor Bruno é que acertou.

    Dois títulos europeus na casa dos rivais é o carma?

    Ahahahahah. Nunca joguei uma final europeia de clubes em casa, então se era o Barcelona.

    Porquê?

    Ó [e faz uma careta engraçada]. Uma vez, em 1983, ganhámos 8:3 ao Barcelona na primeira mão da ½ final. Fomos lá e apanhámos 9:1. Sabes como?

    Diz.

    Expulsaram-me aos cinco minutos, depois expulsaram o Fanã. Uma vergonha, uma autêntica vergonha.

    E que tal a reacção dos adeptos de Sporting e Benfica a essas finais?

    Queeeeente. Cá também era assim, atenção. Nesses casos específicos, havia sempre esperas, emboscadas.

    À saída do balneário?

    Sim, havia sempre aquele burburinho, uns cachaços e tal.

    Cachaços?

    Levámos carolos e cachaços, sim.

    De quem?

    Perguntas bem, achas que levantava a cabeça? Ahahahahah. Uma vez, estávamos dentro de um CX, parados à frente da churrasqueira. Tínhamos acabado um jogo para o campeonato na nave, ganhámos 4:3. De repente, começaram a chover paralelos.

    Paralelos?

    Havia ali as obras do metro. A malta reconheceu-nos dentro do CX e toma lá de atirar paralelos para dentro do carro. Nem quisemos saber do sinal vermelhos e arrancámos. Só parámos no Saldanha, ainda não havia os túneis. Saímos do carro e, surpresa geral, não havia um único ferimento, só vidros na cabeça e tal. Eu, lembro-me bem, ia lá atrás ao meio,. Ao meu lado, o Alves. No outro lado, já não me recordo. À frente, o dono do CX. Ao lado dele, o Cristiano (Pereira). Quando saímos do carro e vimos o CX todo desfeito, beeeeeeem. È que o CX era novinho em folha e o seu condutor fizera um alarde disso mesmo antes do ataque dos paralelos.

    Que cegada. E porquê é que ficaste em Lisboa em vez de ir para o Porto? A seguir ao jogo, digo.

    Tínhamos treino de selecção, a gente treinava-se sempre em Alvalade e o Sporting tinha um ambiente muito engraçado com as modalidades. Lembro-me de ver o Fernando Mamede, o Carlos Lopes, os irmãos Castro.

    E dos futebóis?

    Damas, Carlos Xavier, Oceano, Jaime Pacheco. Às vezes, o Jaime pegava em mim no seu Porsche e levava-me a beber um café ali nas redondezas. Era uma curtição. Só não me lembro do Porsche.
    Deixa estar, já pergunto ao Jaime [meu dito, meu feito, o Jaime responde num abrir e fechar de olhos: 944 Turbo]
    Ainda me lembro bem de entrar pela porta 10-A, passar pelo leão, virar à direita e depois à esquerda para banhos e massagens.

    Também havia essa liberdade de ir ao balneário do futebol do FC Porto?

    Sim senhor, o senhor Pedroto deixava-nos. Aliás, só deixava o hóquei.

    Porquê?

    Ele gostava de hóquei e digo-te que, às vezes, era compensador ver figuras do futebol no meio da bancada com o Frasco, o João Pinto, o Bibota. Quantas vezes não calcei os chinelos do Bibota no balneário? Quantas?

    Como é que sabias que era dele?

    Os chinelos estavam personalizados. Grande bibota.

    Ias à bola?

    Desde pequeno. E até me perdi.

    Como assim?

    Foi no dia de um FC Porto 0 Belenenses 4 [Janeiro 1975]. Lembro-me bem do autogolo do Alhinho. Ora bem, a história é simples: o meu avô levou-me à casa de banho e pediu-me para esperar à porta. O tempo foi passando e eu perdi-me no meio de tanta gente. Às tantas, tive de ir ter com um polícia junto às bilheteiras e dizer-lhe que estava perdido. Perdido de amores pelo Porto, claro está, ahahahahah.

    E descobriram-no?

    O meu pai e o meu avô estavam já doidos à minha procura na Avenida Fernão Magalhães e acabaram por me encontrar.

    E mais?

    Vi o 4:0 ao Manchester United, com hat-trick do Duda. Vi o golo do apanha-bolas na noite do nevoeiro, com o Sporting. Vi o jogo do fim do jejum, 1:1 com o Benfica. Quando o Ademir marcou o empate, libertou-nos e começámos aí a ser campeões.

    E agora também acompanha?

    Vou a todo o lado, ahahahah. Já há algum tempo que acompanho a equipa a Lisboa, vi aquele 1:0 do Deco na Luz [último clássico na outra Luz]. Vi 1:0 de Costinha no José Alvalade. Mais recentemente, fui ver o 1:0 do Inter em Milão e até me cruzei com o Figo no estádio. São muitas memórias, muitos jogos, muitas glórias. O que cresceu este clube desde que nasci, nem tem comparação. Assistir a essa evolução é uma coisa do outro mundo. Desde a pista de cinzas.

    Cinzas?

    Aquela pista de atletismo não tinha tartan, era só cinza.

    Ahahahah

    Acabávamos os treinos com os joelhos todos esfolados. Lembro-me de ver uma prova de ciclismo com o Eddy Merckx.

    Tenho de recuar na conversa das finais europeias com Sporting e Benfica. Com o Sporting, sem história, já vi. Marcaste 13 golos nas duas mãos. E com o Benfica?

    Empatámos 2:2 nas Antas e estivemos a perder 3:0 na Luz. No final da primeira parte, mandei um bilhete e 3:1.

    E o ambiente?

    Era a primeira final europeia do Benfica, a malta estava convencida do título. Pela vantagem no marcador, digo. As duas equipas eram muito boas, equilibradas. O benfica, só para veres, tinha Picas e Piruças no ataque, Zé Carlos e Cristiano lé atrás mais o Leste. Equipazo. O ambiente era pesado, porque se podia fumar lá dentro e estava ao barrote.

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    Cheio de benfiquistas?

    Siiiim, claro.

    E isso estimula?

    Claaaaaro. Se me insultassem a caminho do balneário, maravilha. Se não me insultassem, ficava chateado. Estilo ‘então?’. Na segunda parte, eles fazem 4:1, golo do Piruças e o Manuel da Costa da rtp a dizer ‘Benfica com uma exibição de luxo e tal’. Faço o 4:2, o Manuel da Costa já está mais contido e fala de mim como uma promessa, um jogador de futuro – eu que tinha marcado nove golos ao Ramalhete na final do ano anterior. Mandaram-me o resumo dessa final há dias e é de ir às lágrimas. O Fanã faz 4:3, o Vale empata 4:4. Quando está 4:4, notas um ambiente diferente no pavilhão, mais depressivo, tipo ‘isto vai correr mal’. Nestas coisas, é muito importante ter ganhado alguma coisa. Na hora da verdade, os gajos que não ganharam vão-se abaixo. E nós tínhamos ganhado a Taça das Taças da época anterior. Tínhamos experiência e essa palavra, se bem utilizada, dá um avanço.

    O ambiente começou a ficar pesado e?

    Eles fazem o 5:4, eu empato. Volta aquela sensação do ‘isto vai correr mal’. E ganhámos nos penáltis, o tal golo do Vítor Bruno. Há imagens minhas a falar a dizer: ‘Sou um homem justo e isto podia ter caído para um lado como para o outro.’ E depois digo ‘agora preparem-se para os próximos anos, esta equipa do FC Porto vai ganhar tudo.’ E ganhámos, fomos campeões europeus em 1986. Até o Benfica tem um litígio entre jogadores e direcção, há uma debandada e o Cristiano aparece no FC Porto para se sagrar finalmente campeão nacional. 

    Pela primeira vez?

    Nunca tinha sido campeão, só no FC Porto. E depois é o treinador do FC Porto campeão europeu em 1986. E perdeu outra final da taça dos campeões, em Barcelona, após prolongamento.

    E o ambiente do Barcelona era parecido com o de Alvalade e da Luz?

    O de Alvalade era pior.

    Porquê?

    Pela configuração do pavilhão, pelo piso rápido de cimento, que proporciona mais choques, pelo pavilhão fechado cheio de névoa, condensação e calor. Era brincadeira ganhar ali.

    [o empregado volta a atacar e fala do peixe, que não do emílio]

    O melhor restaurante de peixe na zona de Lisboa é no Guincho e chama-se Santa Maria. Encontrava lá o Toni e o Eriksson. Aliás, é o restaurante preferido do Eriksson. Ainda hoje me lembro de quando estagiávamos em Cascais pela selecção nacional. Todos os dias de manhã, e detestava aquilo, íamos correr do centro de Cascais até ao Guincho, eram uns 11 quilómetros.

    Caramba, os treinos físicos dos anos 80.

    Sempre que fazia aquilo, dizia a mim e aos outros: vamos todos apanhar uma bebedeira ao almoço para esquecer isto. E íamos ao Farol ou a outros restaurantes da zona. Quando vinha a conta, era ver malta a saltar pela janela, ahahahah. Como era eu o capitão, ficava com a conta na mão, ahahahah.

    Grandes almoços.

    Muralhas, João Pires. Venham eles. Nessa equipa, o Leste fazia uma coisa engraçada porque aparecia sempre fresquinho ao fim dos 11 quilómetros. O Carlos Dantas é que o apanhou em flagrante. Então o que é o Leste fazia? Arrancávamos no centro de Cascais e havia uma paragem de autocarro na primeira rotunda. O bom do Leste apanhava o autocarro e, claro, aparecia na boa. Um dia, o Dantas seguiu-o e tramou-o. Ahahahah. Grandes histórias, bons tempos. Recuando no tempo, nunca dei o devido valor à sorte e ao privilégio de viver aqueles momentos. Queixava-me dos treinos e só agora é que me rio dessas tareias.

    Ahahahah. De volta à Taça dos Campeões com o Cristiano, em 1986. Ganham a quem?

    Eliminámos o Barcelona na ½ final e apanhámos o Novara. E, depois, vou para o Novara no ano seguinte. E chego novamente à final da Taça dos Campeões, aí perdida para o Liceo. Ganhámos 2:1 em casa e mandámos seis ou sete bolas ao poste. Lá, na Corunha, fazem o 2:0, eu faço o 2:1 para empatar a eliminatória. Perto do fim, isolo-me e prendem-me o patim com um stick. Falta nítida, o árbitro nada. Atenção, o árbitro era português, chamava-se Aníbal Santos. Na continuação dessa jogada, o Liceo faz 3:1.

    Quanto durou essa experiência no Novara?

    Uma época, ganhámos campeonato e taça de Itália.

    E voltas para o FC Porto?

    Isso mesmo, ainda sou campeão europeu em 1991, com o José Fernandes a treinador. Também eliminámos o Barcelona, depois o Igualada, campeão em título, finalmente o Nóia dos irmãos Torner. Jogo essa segunda mão da final com uma paralisia facial chamada Síndrome de Bell, apanhei-a com uma pontada de ar frio pela manhã, quando abri o vidro do carro. Seja como for, marquei o primeiro golo da final no primeiro minuto de jogo.

    E jogaste para sempre no FC Porto?

    Ainda voltei ao Académica de Espinho e fui campeão da 3.ª divisão em 2004. O único título que me escapa é o da 2.ª. E estive quase a ganhá-lo: empatámos com o Sporting na Parede, porque havia obras no estádio José Alvalade, e, depois, no dia da decisão, o nosso treinador mexeu nos guarda-redes. O Sporting aproveitou, até porque tinha uma senhora equipa, e ganhou.
    [o tal empregado reaparece em cena, agora para se despedir com um grande abraço e ainda fala do pai de Vítor Hugo: era um senhor castiço]

    Era academista ou portista, o teu pai?

    O coração dele dava para os dois. E, atenção ò Rui, era portista num tempo em que só meia-dúzia. Na minha escola, por exemplo, só havia dois portistas na turma.

    E o resto?

    Benfiquistas e também sportinguistas. Não era fácil para um portista.

    Alguma vez o Benfica veio cá aliciar-te com um contrato?

    Uma vez, sim. Mas nada feito. Se fosse para Lisboa, jogaria no Sporting.

    Anos 70?

    Loucos, esses anos. Lembro-me de ver da bancada o Europeu 1977 com Livramento, Chana, Sobrinho, Rendeiro, Ramalhete, Garrancho, Cristiano e a pensar ‘quem me dera um dia’. No ano seguinte, há o Mundial-78 e tenho uma história emocional: sou eu quem tenho a última camisola do Livramento da selecção nacional, um número 4 a verde num fundo branco.

    Pois claro, totalmente de acordo.

    Em 1979 há o torneio em que marco dois golos ao Sporting, com o Livramento em campo.

    Também apanhaste o Livramento como seleccionador?

    Claaaaro.

    E?

    Uma figura maiúscula, ímpar do hóquei mundial. Uma vez, jogámos com a Espanha. Se ganhássemos, éramos os campeões. Se perdêssemos, a campeã era a Itália. Adivinha a nacionalidade do árbitro?

    Italiano é impossível, certo?

    Pois pois. Era italiano, lógico. Aldo Vieri. O Livramento estava capaz de o comer vivo. Ò Rui, comparo o Livramento ao Cruijff pela inovação táctica. Um treino dele era diferente do resto. Ele dimensionava as coisas e tornava-as mais fáceis. Era intuitivo. Olha, o homem a homem aparece com ele.

    Deves ter aprendido muito.

    Nem podes imaginar.

    E rentabilizaste esses ensinamentos, imagino.

    Há coisas engraçadas, sabes? E cómicas.

    Conta.

    Quando ganhei o tal Mundial em Oliveira de Azeméis, a final é com a Itália com os irmãos Bertolucci. Eram cá uns artistas.

    E como lhes demos a volta?

    Hilariante. Não sei se sabes mas as bolas internacionais ficam na mesa do árbitro e os capitães vão lá vê-las para chegar a um acordo. A bola escolhida não andava com o calor do pavilhão e isso beneficiava o jogo da Itália. Bem, estávamos a levar um bailarico. Falo com o Pedro Alves, que seria o herói dessa final com o tal golo no prolongamento, e digo-lhe para atirar essa bola para fora, perto de mim. Eu só tinha de me baixar para apanhá-la e, com um jogo de mãos bem rápido, metia em jogo uma bola mais rápida. O Pedro faz, eu também e, às tantas, é ver os italianos a protestar com o árbitro. E comigo.

    E tu?

    Tirei o forro dos bolsos das calças para fora, como quem diz ‘euuu?’. Ahahahahaha.

    Onde ficou a bola do início do jogo?

    Vamos já resolver isso.
    [e telefona ao Armando, treinador de guarda-redes]

    [‘tou companheiro?]

    [Grande, tudo em grande?]

    [Estava a explicar o mundial-2003, quando a bola vai para fora e desparece misteriosamente]

    [ahahahahahah]

    [aquilo virou ou não virou?]

    [virou, eles estavam com a corda toda. Foi uma jornada fantástica. Inesquecível, 4 outubro 2003.].

    [E não ganhámos nem um jogo de preparação, em castelo de paiva, três derrotas. A nossa federação tinha caído, nem tínhamos médico e só havia um dirigente chamado Vacas]

    [e trocámos o hotel por uma estalagem para estarmos mais tranquilos] [e a ameaça de bomba?]

    [pois foi, o Europeu em Oviedo; ameaça de bomba na primeira parte da ½ final com a holanda; jogámos a segunda parte no dia seguinte e, nessa tarde, jogámos a final; eras tu e mais quem à baliza?]

    [eu e o Franque; ó Vítor, e tu convocaste o guilherme]

    [já contei essa ao Rui; uma vez fiz um treino do FC Porto com o Guilherme, eu nos seniores e ele nos juniores; mal acabou o treino, disse ao Franquelim ‘estás tramado, este gajo vai ser fera’; e disse o mesmo na primeira vez que vi o Paulo Almeida, então no Sporting; aí até disse ‘preparem-se que este gajo vai durar’]

    [o Guilherme era grande guarda-redes]

    [e a convocatória não tinha ninguém de Sporting nem Benfica]

    E do FC Porto, quem?

    Filipe Santos, Reinaldo Ventura e Pedro Alves. Quero dizer, o Pedro Alves nem sei se já tinha saído. Seja como for, é ele o herói.

    Por falar em heróis, e além do Livramento, outro?

    Mourinho. Já viste bem ò Rui, o ano 1963?

    Ainda não, admito.

    José Mourinho, Michael Jordan, Vítor Hugo. Todos somos desse ano, ahahahahahah. Agora a sério, o Mourinho é um caso sério. Ainda hoje, é top top top. Quando ele era treinador do FC Porto, em 2002, 2003, 2004, falava comigo e perguntava-me coisas do treino do hóquei para adoptar no futebol. E ele fazia isso com outras modalidades.

    De outro mundo.

    Aconteceu uma boa comigo no Verão passado, o Mourinho levou a Roma a estagiar ao Algarve, onde eu estava com uns amigos. De repente, cruzamo-nos no mesmo restaurante e é ele Mourinho quem vai à minha mesa e me pede para tirar uma fotografia. Beeem, fiquei de peito cheio e gozei com os meus amigos as férias todas.

    Em que parte de Itália é Novara?

    Perto de Milão.

    E que tal?

    Foi jogar numa outra galáxia, era o tempo em que a liga italiana era a melhor do mundo, com os italianos todos, a nata de Espanha, a nata da Argentina e até americanos saídos do hóquei no gelo. Nunca mais me esqueço de argentinos de segunda linha que eram uns perfeitos artistas no bom sentido. O Viareggio, por exemplo, tinha dois, o Moretta e o NJaime. Quando os vi jogar pela primeira vez, meu deus.

    E tu ganhas?

    Campeonato mais taça e ainda vamos à final da Taça dos Campeões.

    E a taça, como é?

    Meto o último golo, o do título. E o árbitro deu o golo ao Dal Lago. Nas imagens televisivas, é possível ver-se o desvio da bola e até o próprio Dal Lago a cumprimentar-me. Era assim, o árbitro ditava a sua lei. Uma vez, marquei um golo ao Brasil num Mundial e deram ao Paulo Alves. Quando isso acontecia, ficava com uma cabeça, nem imaginas. Ficava doente. Esse do Dal Lago foi um jogo transmitido em directo na Rai 3.

    Contra quem?

    Monza.

    Eram os jogos mais quentes?

    O dérbi mais acesso de Itália era vs. Vercelli, espécie de Sporting vs. Benfica. Só para veres bem o estilo: antes de um dérbi, fomos jogar à Alemanha para a Taça dos Campeões e um dirigente chamado Mauro Volpe pediu-me o carro emprestado. O dele era um Alfa Romeo Twin Spark 1964, o meu era um Alfa Romeo descapotável. Aceitei, na boa. Estamos muito bem na Alemanha quando se sabe de um acidente com o meu carro. O Mauro ficou em coma e tudo. O jogo seguinte era com o Vercelli e os adeptos entoaram cânticos o jogo inteiro deste nível: ‘onde está o carro?’ ‘quem vai pagar o carro?’ ‘o gajo vai morrer?’ nesse dia, joguei a médio e meti quatro batatas num 5:4 ou 5:3.

    E o Mauro?

    Saiu do coma e recuperou.

    Grande susto.

    Nem imaginas. Excepção feita a isso, foi uma época extraordinária de conhecimento, confraternização.

    Ai sim?

    A equipa jantava sempre à 6.ª feira no meu apartamento. Tinha uma cozinheira só para mim, fazia parte do contrato.

    Uauuuu.

    O Amato vivia comigo, mas só aparecia por lá às sextas porque estava a fazer serviço militar. Só tinha 20 anos, o miúdo.

    E esses jantares?

    Jantaradas intermináveis, metia póquer com o presidente do Novara. O prémio de jogo saía na véspera, ahahahah. E sabes o que faziam os gajos da minha equipa durante os jogos de póquer?

    Medo.

    Metiam-me peças do meu carro destruído em cima da mesa, assim como quem não quer a coisa.

    Caramba. E ias ver futebol?

    Só vi uma vez o Milan, naquele estádio imponente. E ia a Turim para ver o Rui Barros. Foi muito maltratado em Itália.

    A sério, porquê?

    Certo dia, o Agnelli disse: ‘Se não cortam a relva, a Juventus está sempre a jogar com 10.’ O Rui jogava muito e ganhou uma Taça UEFA mais uma Taça de Itália. Batia-se com os grandes como um gigante e até marcou ao grande Milan de Baresi e Maldini. Joga muito, o Rui. Mesmo agora nos veteranos, que craque.

    Por falar em craques, quantos viste no FC Porto?

    Tantos, repito que tive a sorte de ver o FC Porto crescer até a um nível internacional. Há Cubillas, há Pavão, Seninho, Custódio Pinto, Madjer, Baía, Deco, Oliveira. Um dia, em Lisboa, no José Alvalade, vi o Oliveira marcar três ao Dínamo Zagreb. Era um craque, um génio. E há o Bibota, um ídolo de todo o tamanho e, depois, meu grande amigo

    E o 112 Freitas?

    Vi a lesão do Freitas com o Standard Liège, o Tahamata deu-lhe um nó cego e o Freitas ficou com uma rotura de ligamentos.

    Bem, incrível.

    Incrível é esta tarte de coco.

    Incrível é termos estado aqui a falar duas horas.

    Já? Temos de ir, tenho de trabalhar.

    (ainda nesse dia, já no alfa pendular Aveiro-Lisboa, recebo um whatsapp do Vítor Hugo a reencaminhar uma mensagem de voz de Massimo Mariotti, o tal da chamada não atendida no início do almoço: ‘ligaste-me às 14 e 37, era uma partida ou querias mesmo falar comigo? Queres que vá treinar o FC Porto, é isso? Jajajajajaja, grande abraço’)

    Portugal
    Vítor Hugo
    NomeVítor Hugo Barbosa Carvalho da Silva
    Nascimento/Idade1963-04-04(61 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDefesa/Médio

    Fotografias(8)

    Comentários

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    motivo:
    AT
    Brutal
    2023-04-04 20h14m por ateles
    Cresci a ver esses grandes jogos de hóquei em patins , na altura parava tudo … os putos ficavam pregados nas tvs a bateria e ás vezes tinha-se de ir ajustar a antena ao telhado . Era do Benfica , e uns tais de Vitor Hugo e outro Bruno tiravam-me do sério …

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