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    Entrevista de fim de carreira ao zerozero

    Vítor Silva: «Já não encontrava aquela motivação diária para treinar, jogar...»

    Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que algum momento marcaram a história dos clubes e do futebol português, mas despediram-se na sombra. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

    Tem 39 anos e um pé direito capaz de fazer maravilhas. O nosso convidado não calça as chuteiras de forma oficial desde novembro de 2020: na altura jogava no campeonato de Portugal, num emblema do distrito de Aveiro. Só jogou três épocas na principal liga portuguesa, representando dois clubes. Andou por Espanha, mas nunca experimentou a La Liga.

    Experimentou a Champions, de forma fugaz, e defendeu as cores de campeões, em Portugal e em Espanha. Foi colega de Sérgio Oliveira e treinado por Paulo Fonseca em momentos diferentes da carreira. Consegue descobrir quem é? A interrogação antes do Ponto Final.

    zerozero: Descobrias quem era este jogador, se não fosses tu?

    Vítor Silva: Não é muito fácil. Estive só três anos na Liga Portuguesa e já há alguns anos que não estou cá. Acho difícil.

    zz:  Deixaste de jogar no dia 6 de novembro de 2020. Entraste a 15 minutos do fim da partida, numa derrota do Lourosa diante da Sanjoanense. Achas que poderiam ser os últimos minutos da tua carreira?

    VS: Não. A verdade é que andava, há algum tempo, um pouco saturado e poder-me-ia passar pela cabeça abandonar, mas não esperava.

    Vítor Silva no estúdios do zerozero, durante a gravação do Ponto Final @zerozero.pt

    zz: Na altura, eras treinado pelo professor Rui Quinta. Como é que tu acabas por decidir acabar a carreira, naquele momento? Quando saíste do Lourosa achavas que terminou ali?

    VS: O facto de ter acabado a carreira e ter ido para o Lourosa, tem a mesma justificação: o professor Rui Quinta e o adjunto, que era um amigo de infância, Bruno Amaro. Convidaram-me para ir para o Lourosa, mas a coisa não estava a dar certo. Os resultados, o ambiente estava um bocadinho pesado e, depois, acaba por se dar a saída do treinador. Senti, naquele momento, que também ia com ele. Eles tinham sido o meu motivo para a minha ida para lá e acabaram por ser o motivo para a minha saída. Passado uma semana, dez dias, falei com o clube e disse que tinha de ir porque já não estava bem. Já não fazia sentido.

    zz: Para as pessoas não acharem que fosse uma situação de «cunha», no último jogo nem foste titular.

    VS: Nem é só nesse último jogo. As pessoas vão perceber que a relação que eu tenho com o mister Rui Quinta e o Bruno Amaro… são muitos anos e entre nós não havia segredos. Eles aceitavam como eu era, eu aceitava como eles eram e não havia a barreira entre jogador e treinador. Eu sabia que não estava no meu melhor nível. Se calhar, não estava a corresponder às expectativas que tinham sido criadas à minha volta e aceitava isso normalmente. Se eu não jogar fosse melhor para a equipa, tinha de aceitar.

    zz: Depois de deixar o Lourosa, começas a pensar em colocar um ponto final na carreira?

    VS: Quando saí dali, tinha dito que não queria jogar mais. Era 99 por cento certo que não voltaria a jogar.

    zz: Porque é que tomas essa decisão aos 37 anos?

    VS: Não sei. Já não encontrava aquela motivação diária para treinar, jogar, fazer aquilo que sempre mais gostei. Desde os seis, sete anos que só me passava isso pela cabeça, mas cheguei àquela idade em que não sentia esse prazer. Antes de enganar outro qualquer, eu tenho a certeza de que não me quero enganar a mim próprio.

    zz: Como é que se coloca de lado essa paixão? Sentiste que o futebol te desiludiu naquele momento?

    qJá não encontrava aquela motivação diária para treinar, jogar, fazer aquilo que sempre mais gostei
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: Um bocadinho. Acho que foi progressivo. Desde que há aquela história em Espanha, com o Reus, em que eu estou há meio ano sem jogar… Há uma série de três anos em que as coisas pareciam sempre ir para pior e essa paixão foi indo por água abaixo. Cheguei ao ponto, quando regressei a Portugal, e percebi que não encontrei o que estava à espera. O ambiente em torno do futebol não era, nem acho que seja o melhor. Acho que há demasiada pressão para conseguir resultados, não importa como, e eu não vejo as coisas dessa forma.

    zz: Com a qualidade que tinhas, quase que «de cadeira» conseguias meter a bola em sítios que ninguém consegue. Começas no Paredes, ali ao lado do teu Penafiel. Como é que o futebol começa na tua vida? Lembras-te como é que o rapaz de sete anos diz ao pai «olha, dá para ir jogar?»

    VS: Sempre me imagino com uma bola, com essa idade. Era o único brinquedo que eu tinha, onde quer que estivesse. Não me passou pela cabeça poder ser outra coisa que não jogador de futebol. Não sei o que poderia ter feito. Os meus pais sempre me ajudaram, apesar de não terem grande disponibilidade, mas faziam grandes sacrifícios.

    zz: Tens toda a tua formação no Penafiel, uma fase inicial no Paredes… estás num clube em que não és profissional – continuas a ir à escola e manténs o teu percurso académico -, mas estás a dizer que sempre pensaste no futebol como a tua vida. Como é que uma criança fica com essa obsessão, trabalha e consegue atingir esse objetivo?

    VS: Era mesmo a paixão por aquilo. A arte vem da paixão que sentimos por aquilo que estamos a fazer. Era mesmo isso. Comecei no Paredes, com oito anos, e foi lá o meu primeiro ano como federado. Depois, vou para o Penafiel e faço lá a minha formação. Nunca desisti porque foram os melhores anos da minha vida. Se pudesse escolher um momento para onde regressar no tempo, se calhar era à formação, no Penafiel.

    zz: Porquê?

    VS: O sentimento que se tem quando se faz o que se gosta e, naquela idade onde não existe maldade nenhuma e tudo o que vemos é por gosto – e naquela época era assim.

    zz: Mas já havia a pressão para ganhar.

    VS: Por acaso, não. Nos nossos anos de formação, e quando o mister Rui Quinta está no comando da formação do Penafiel, não existe a pressão de ganhar de maneira nenhuma. Nem se colocava. O que existia era a pressão de fazer as coisas bem e melhorar. Ali, há 30 anos, existia a ideia coletiva de uma formação. Por isso é que eu digo que me deu prazer e gozo e não trocava a formação do Penafiel, daquela altura, por nenhuma, mesmo não ganhando o que quer que seja.

    Vítor Silva cresceu como jogador no Penafiel @zerozero.pt

    zz: Depois passaste por outros clubes, como o Sporting – e fazes referência a um perfil de formação. Vocês jogavam todos iguais?

    VS: Todos iguais, com a mesma ideia. Ninguém tinha pressão nenhuma. Íamos a jogo com a vontade de fazer melhor e aproveitar aquele momento que nos estavam a dar e era sempre assim

    zz: Todos os treinadores e todos os jogadores? Não havia aquela típica competição de «vou tentar ficar com o lugar daquele colega»?

    VS: Não sentíamos isso. Éramos miúdos para perceber esse tipo de intenções, mas não sentíamos isso de maneira nenhuma.

    zz: Desses tempos, quem eram os grandes colegas?

    VS: Tenho alguns que estiveram comigo até sénior… O Nuno Morais, que esteve no APOEL, no Marítimo, tenho o Carlos Dias, o Ita, com quem ainda hoje converso e estou com ele várias vezes. O Rui, que era um ponta de lança. Outro amigo, com quem passei o dia, que é o Caetano, que jogou comigo no meu primeiro ano de Paredes. O sentimento é mais firme, sente-se mais naquela altura e deixa mais marcas positivas do que no profissional.

    zz: Como profissional, a vossa relação cinge-se mais ao retângulo do jogo. Qual foi o momento mais alto que tiveste nessa formação»?

    VS: Conseguimos, algumas vezes, a segunda fase dos campeonatos nacionais. Para o Penafiel, era muito bom disputar com o FC Porto, Boavista, o Vitória SC; o SC Braga… Sentíamos que, na maratona, eles levavam sempre a melhor, mas, no jogo, conseguíamo-nos bater.

    zz: O mister Rui Quinta era o coordenador, mas, na formação, chegou a ser teu treinador?

    VS: Foi no primeiro ano de júnior.

    zz: Olhando ao tempo, qual é a diferença entre esse treinador na formação e o treinador nos seniores? Mantinha o estilo dele?

    qSe pudesse escolher um momento para onde regressar no tempo, se calhar era à formação, no Penafiel
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: É uma pessoa fantástica. As pessoas não fazem ideia do conhecimento que ele tem, por isso é que, neste momento, está onde está e com quem está. Não sei se havia grande diferença. Obviamente que lidar com jovens que não têm grande maturidade é diferente. Em determinado momento, pode adotar uma outra estratégia, mas não sinto grande diferença.

    zz: Quando é que sentiste que isto, afinal, era a sério?

    VS: No primeiro ano de júnior, eu faço 18 anos em janeiro e, aí, o Penafiel fala comigo para assinar contrato profissional e acho que foi nesse momento que senti que as coisas iam por aí e que estava mais perto de atingir esse objetivo.

    zz: De quanto tempo foi esse contrato?

    VS: Cinco anos.

    zz: Percebeste porque foi um contrato tão longo ou era normal «agarrar» o jogador da formação?

    VS: Foi «agarrar» e «depois vemos». No meu caso, acabou por ser assim. Nesses cinco anos, fiz muito poucos jogos. Andei sempre cedido a outros clubes.

    zz: Como foi esse período? Estiveste no Lousada, no União da Madeira…

    VS: Voltei a Paredes como profissional também. Eu não gostava, mas…

    zz: Porque é que achas que isso aconteceu? Dentro da tua certeza, em algum momento pensaste «isto agora é tudo meu e vou entrar de caras»? Essa forma de pensar pode ter travado a sua evolução diretamente no Penafiel? 

    VS: Não senti isso. A barreira era muito grande entre o último ano de formação e a imposição nos seniores. Era difícil. Um colega meu ou outro conseguiu, mas era difícil. Se já era difícil ter contrato, jogar… Como eu tinha poucos minutos e, se calhar, não correspondi à expectativas que tinham, é sempre melhor estar a jogar numa divisão inferior do que, com  19/20 anos, estar sistematicamente a ficar fora das opções. Achámos que foi o melhor, sem dúvida. Ninguém gosta, mas foi o ideal.

    zz: Regressas e entras pela porta grande do Penafiel. A par desse momento da formação, sentiste que o que aconteceu no Paços de Ferreira foi demasiado grande?

    VS: Foi, sem dúvida. Mas também foi pelas mãos do professor Rui Quinta, mais uma vez. O Penafiel tinha descido à Segunda B, volto eu e outro colega. Apesar de um bom campeonato, acabámos por subir na secretaria, mas conseguimos colocar o Penafiel nos campeonatos profissionais e as coisas começam-me a correr melhor. Daí, vou para o Paços.

    Vítor Silva chegou ao Paços de Ferreira em 2011 @Catarina Morais

    zz: Como é que surge a chegada ao Paços?  Sentes que chegas tarde à Liga principal portuguesa a nível de idade? A parte competitiva sempre tiveste, mas achavas que esta oportunidade ia aparecer naturalmente?

    VS: Acredito que tenha sido culpa minha, mas nunca senti. Nos anos anteriores, joguei mais tempo na Segunda B do que na Segunda Liga, ou seja, era um passo grande. Penso que as coisas se dão quando têm de dar. Na altura, conheci o Carlos Carneiro, foi meu colega de equipa e, se nunca o tivesse conhecido, ainda hoje nunca tinha jogado na Primeira Divisão. As coisas dão-se como têm de se dar. Ele conheceu-me como pessoa, treinava comigo todos os dias e conseguiu entrar no Paços de Ferreira. Desde que ele entrou lá, ele disse que, por vontade dele, eu ia ser jogador do Paços de Ferreira, um dia mais tarde. E agradeço-lhe por isso, e ele sabe.

    zz: Quando ele ligou para conversarem… Como é que foi essa conversa?

    VS: Não houve essa chamada tão oficial. Nós conversávamos… Ele já tinha estado muito tempo na Primeira Divisão. Sempre me disse que, se houvesse oportunidade, me levava. E, realmente, há um ano em que estou a acabar o contrato com o Penafiel e ele já queria que eu fosse, um ano antes do meu contrato acabar. 

    zz: 2010/11. Foi esse o teu último ano de Penafiel.

    VS: As coisas não se deram. Na altura, o clube não me deixava sair e vou para o Paços em janeiro. Foi fácil porque eu queria muito.

    zz: Mesmo ao lado de casa.

    VS: É o Paços que toda a gente conhece. Credível, sério, com pessoas que estavam lá por gosto e por vontade. Assim é que o Paços construiu a sua história. Um clube modesto, mas de quem as pessoas gostam e se identificam. Eles fazem com que a gente se sinta em casa e assim é mais fácil.

    zz: É um crescimento sempre ali próximo das tuas raízes. É fundamental, no sentido de 'se for aqui, ainda melhor'? Tiveste uma ida para a Madeira…

    VS: Tive uma ida para a Madeira quase forçada. Na altura, quando acabou o contrato com o Penafiel, e eles não quiseram renovar, foi o que eu consegui arranjar. Estive lá um ano, regressei… A verdade é que a minha vida se deu sempre à volta de casa, mas não foi forçado. Não é que eu não tivesse outras oportunidades e tenha escolhido sempre estar perto de casa. Foi-se dando.

    zz: Mas ainda bem que é que foi assim. Foi melhor.

    VS: Eu prefiro estar mais perto dos meus. Sou uma pessoa muito dada à família e e é onde eu me sinto melhor. Depois, na ida para o Sporting, tenho um convite também para estar mais perto de casa, mas preferi ir para longe.

    zz: Antes de voltarmos aqui ao Paços, nessa fase inicial, tu dizes que a parte laboral dos teus pais não os deixava acompanhar-te sempre, que muitas das vezes eram pais ou outros dirigentes que vos acompanhavam. Mas como é que era o orgulho dos teus pais de cada vez que tu chegavas a casa e dizias «olha, foi mais um golo» ou alguém aparecia lá no vosso espaço a dizer «o Vítor voltou a marcar»?

    Vítor Silva em ação, na Mata Real, contra o FC Porto @Catarina Morais

    VS: A minha mãe tinha uma forma de se expressar e o meu pai outra. O meu pai podia ser a pessoa mais orgulhosa do mundo em relação ao meu trabalho, mas não dizia. Eu podia ter feito as coisas muito bem, mas ele nunca ia dizer que que foram boas, ou seja, faltava sempre alguma coisa. Depois, temos a parte da mãe, que é um bocadinho diferente. Mais orgulhosa, demonstrava e, aliás, acompanhou-me sempre mais.

    zz: O teu pai dizia aos amigos dele [risos]? Na cara, não dizem, depois expressam-se nas costas. Este Paços de Ferreira é um Paços apaixonante. Como é que acontece isto? Tu viveste lá, internamente, isto. Como é que acontece este terceiro lugar? Como é que acontece esse escudo de Champions League? É uma época absolutamente incrível.

    VS: Vivi um bocadinho de tudo porque a minha chegada ao Paços  foi dura, os nossos cinco meses iniciais são terríveis. Na altura, fui pela mão do Rui Vitória - foi o meu primeiro treinador e depois vai para o Vitória SC – Terminámos a primeira volta com nove pontos e eu acho que o ano, a Champions, começa aí. Quando nós conseguimos recuperar desse último ou penúltimo lugar, conseguimos 27 pontos na segunda volta.

    zz: Que terminou com o professor Henrique Calisto.

    VS: Exatamente. Fizemos muitos pontos.

    zz: O professor Henrique Calisto tem aquela frase mítica «antes somar que sumir»...

    VS: A nossa ida à Champions começa aí. Nós começamos a criar um ambiente incrível, ganhador e habituamo-nos a ganhar. Depois transportámos isso para o ano seguinte, em que o grupo foi basicamente o mesmo. Quando chega o Paulo Fonseca as coisas vão para um patamar muito, muito superior. 

    zz: Por que é que vão para esse patamar superior? Vocês terminam com o professor Henrique Calisto e tinha-se percebido que ele era o treinador de salvação que acaba por vos salvar. O que é que o Paulo Fonseca traz de diferente? 

    VS: Paulo Fonseca traz um upgrade em relação aos treinadores que eu tinha tido até àquele momento. Foi realmente o melhor treinador com quem eu trabalhei. Ele chega lá com uma ideia, com uma maneira de estar muito diferente, para melhor. É verdade que apanhou um plantel que aceita de bom grado e com uma vontade de aprender tudo aquilo que ele nos queria impor. Treino, tática, perceção de jogo, as relações… era quase perfeito. 

    zz: É a tal simbiose perfeita? Porque é um treinador que vem da Segunda Liga a querer agarrar a oportunidade e vocês a perceberem que também tinham de fazer parte dessa oportunidade. Foi um bocadinho nesse conjunto? Não seria fácil, para vocês, agarrarem um treinador com 40 anos, num plantel que seria um bloco por vir muito da época passada e terem de mostrar essa disponibilidade. Como é que foram as primeiras conversas?

    qPaulo Fonseca traz um upgrade em relação aos treinadores que eu tinha tido até àquele momento. Foi realmente o melhor treinador com quem eu trabalhei
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: Nós rapidamente percebemos, com o trabalho que ele tinha feito no Pinhalnovense e no Aves. Dava prazer vê-lo jogar e nós íamos ouvindo estas coisas. Ele chegar lá e impor-se não foi difícil. Nós sentimos logo que, apesar de um treinador jovem que ali estava, tinha uma posição muito firme. Lembro-me de alguns treinos iniciais onde, se ele tivesse de dizer alguma coisa, ele dizia. Ele estava a querer dar-me um espaço para jogar, uma ideia que eu não a estava a aceitar, e ele disse-me, claramente, «percebo que tenhas dúvidas, mas, pelo menos, ouve-me e dá-me a oportunidade». A melhor experiência que eu tive como jogador foi aquele ano com ele, sem dúvida. 

    zz: Qual foi o esse upgrade que tu tiveste? Ele pôs-te a jogar mais à frente e tu não querias? 

    VS:  A inteligência que ele tinha para perceber os momentos, ou seja: ter a bola, não ter, procurar ou não procurar. Se era mais abaixo que eu tinha de pegar na bola, se era mais ao lado… Todos esses momentos. Ele fez-me perceber o que era o melhor para a equipa e, naquele caso. o que era melhor para mim também - que era onde eu podia ser mais decisivo, podia tocar menos na bola, mas ia ter mais impacto.

    zz: O cuidado era o mesmo para todas as posições? Ali não havia meninos, propriamente, bonitos.

    VS: Por exemplo: a minha posição, que na altura era o número dez, mas ele sabia que como é que o número seis também se devia posicionar. Ele conhecia todos os detalhes e, depois, no treino aplicava-os. Nesse sentido, foi sem dúvida o que nos mais fez crescer. Os resultados ajudam muito. Para o campeonato, nós perdemos quatro jogos - dois com o Benfica, dois com o FC Porto. Temos muitos empates, mas ter quatro derrotas num campeonato, numa equipa como o Paços Ferreira, acho que é surreal. 

    zz: É notável. Há ali algum jogo em que vocês sentem que «isto vai ser para a Champions»?

    VS: Eu penso que é um jogo, mas é ainda muito no início da segunda volta - com o Braga , fora. Começámos a sentir que o Braga podia ser o nosso rival. 

    zz: Jogo a 11 de fevereiro. Vocês estiveram a ganhar 3-0. Paolo Hurtado com dois golos e Cícero. Depois, marcaram o Leandro Salino e o Éder para o Braga. É neste jogo?

    VS: Não sei se é precisamente nesse jogo, mas, pelo menos ali, sentimos que estávamos um nível mais acima daquilo que é o normal do Paços. Nós não perdíamos, sentíamos que era muito difícil nós perdermos. Até podíamos jogar fora e podíamos não ganhar, mas nós sentíamos que estávamos a disputar os três pontos

    zz: Aquele estádio… A Mata Real é mítica.

    VS: E, na altura, ainda era mais mítico porque ainda não tinha sofrido as alterações. Era mais apertadinho, mais pequenino, sentimos mais o apoio dos adeptos e acredito que para quem lá fosse jogar era mais incómodo. Foi um ano perfeito. 

    zz: Sentes que se vocês jogassem aquela pré-eliminatória com o Zenit, no ano a seguir, naquele estádio, tinham ido à fase de grupos? 

    VS: Não, acho que era difícil. Estamos a falar de patamares completamente diferentes. O Zenit olhou para nós quase com pena [risos], para não fazer muito mal e, então, deram-nos quatro aqui mais quatro lá e está tudo bem para eles. Mais um dia normal. Agora, para nós, estratosférica mesmo.

    Vítor Silva mudou-se para o Sporting no último dia do mercado de verão, em 2013 @Carlos Alberto Costa

    zz: Foi uma mudança bastante estrutural, completamente diferente. É o Costinha que está convosco nesse período e tu estás em transição, porque tu fazes esses jogos, mas, depois, ainda nesse mercado, vais para o Sporting. Sabias que havia essa hipótese quando estás nessa fase inicial do Paços, ou foi algo que te apanhou de surpresa?

    VS: Não. Eu saí para o Sporting no último dia do mercado. Eu não fiz os jogos de treino, não fiz os jogos de pré-época, eu não faço os dois primeiros jogos da Liga portuguesa. Não faço com medo de poder ter alguma lesão. No primeiro jogo da Liga dos Campeões, eu sou inscrito dois ou três dias antes e fizeram uma alteração na lista de inscrições para eu poder estar disponível porque achavam que eu podia ajudar. Faço esses dois jogos, pelo meio faço um jogo para o campeonato, e, no último dia de mercado… Eu sabia e o clube também sabia. Era muito difícil eu continuar para lá de agosto no clube. As conversas foram sempre em torno de uma saída. Só estavam a procurar a melhor solução. Foi quando fui para o Sporting.

    zz: Disseste que tinhas outra hipótese. 

    VS: As melhores hipóteses e mais reais foram o Sporting e o Braga, mas, na altura, senti que devia sair do meu conforto e agarrar uma oportunidade - não desfazendo o que é o Braga, obviamente. Era uma oportunidade que eu tinha de jogar num dos «três grandes» e quis agarrar. 

    zz: Como é que foi essa essa experiência? É um Sporting bastante diferente do que é agora. É o início do que é agora, porque é um Sporting todo remodelado. 

    VS: Tinha sofrido uma «pancada» muito grande na época anterior, tinha ficado em sétimo. Mas também é por isso que eu escolho o Sporting. Isso, pela escolha do treinador, o Leonardo Jardim. Tive colegas que tinham sido treinados por ele, no Beira-Mar e no Chaves, onde ele fez bons trabalhos, e foi uma das razões pelas quais eu fui para lá. Foi o treinador em causa. Eu sentia que estava perante uma pessoa muito séria. Vi o Leonardo Jardim num patamar mais alto e eu senti que o Sporting ia fazer um bom ano. Tinha vindo de um ano terrível, então, o ano a seguir, tinha de ser bom e foi o que aconteceu. Foi uma experiência fantástica. Treinei com profissionais de topo e com uma qualidade incrível. 

    zz: Mas como é que o pequeno Vítor de Penafiel consegue, depois, adaptar-se a um universo completamente diferente daquele que tinha vivido até então? Conseguiste preparar-te psicologicamente para aquilo? 

    VS: Sentes outra dimensão quando estás cá fora, quando vens na rua, as pessoas reconhecem e pedem isto ou aquilo.

    Vítor Silva fez 12 jogos com a camisola do Sporting @Carlos Alberto Costa

    zz: Mas é completamente diferente tu saíres de um campo de treinos da Mata Real e saíres de Alcochete.

    VS: Sim [risos], mas uma pessoa acaba por se habituar rápido. Não me colocaram barreira nenhuma em termos de balneário. Facilitaram-me sempre tudo. Comecei a treinar no primeiro dia de setembro e eles já tinham dois meses juntos. Receberam-me muito bem, tanto os internacionais portugueses, como os internacionais argentinos…

    zz: Fito Rinaudo…

    VS: Exatamente. O Marcos Rojo e todos eles. Era um grupo muito bom que nós tínhamos lá e ajuda sempre a quem chega mais tarde. Sente-se todo o mediatismo que existe à volta do clube. Uma pessoa começa a aparecer nas páginas dos jornais todos os dias. Se não sou eu, é um colega de equipa. Nas notícias diárias, em tudo o que é desporto aparece. É o maior impacto.

    zz: Era fácil andares na rua ou nem por isso? 

    VS: Era, era. Não é que eu andasse muito na rua. Sou mais caseiro.

    zz: Ficaste a morar em Lisboa?

    VS: No Montijo. Para treinar, era mais perto e mais fácil. A minha filha também começou a frequentar a escola lá. O dia-a-dia era mais fácil, mas eu não tinha o mediatismo de alguns colegas meus. Porque é aquele jogador que faz mais jogos, que faz mais golos. 

    zz: O Slimani chega mais desconhecido que tu. E, quando tu chegas, o Slimani já era mais conhecido tu [risos].

    VS: Temos, por exemplo, o caso do William Carvalho. Se calhar, no início da época, passava quase desconhecido na rua e, ao final de três ou quatro meses, quando saía de casa já era mais complicado um bocadinho. Ele teve uma ascensão muito rápida e, claro, que se consegues essa ascensão num clube como esse…

    zz: Tu achas que, se tens chegado no início do mês de agosto, a história podia ter sido diferente no Sporting? 

    VS: Sim. Poderia ter outro tipo de oportunidades que depois acabaram por não acontecer e as que aconteceram também não correram bem. Era mais fácil, para mim, se tivesse chegado logo no início. 

    zz: Percebeste por que é que não surgiu essa hipótese logo no início? 

    VS: Não. Não sei se tinha surgido ou não. Pelo menos, a mim, não chegou nada, mas não sei.

    zz: Quando tu jogavas neste período em que é o período de maior mediatismo, quais eram as grandes preocupações que tu tinhas como jogador? Era mais com um adversário, era mais com o treino, era mais em perceber o que o treinador dizia…

    qSenti, tanto por eles como por mim, que o Sporting já não fazia parte do meu presente e futuro
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: Acho que o foco é sempre o treino e, neste caso, o Sporting. Focarmo-nos naquilo que nós podemos fazer, naquilo que nós podíamos melhorar dia a dia, mas, ao longo do percurso, fui sempre mais preocupado connosco, comigo e com o que é que eu podia fazer para melhorar ou ajudar os meus colegas.

    zz: Inevitavelmente, no Sporting, apanhas a grande figura que é o Paulinho do balneário, mas no Paços de Ferreira também há aquele casal muito conhecido que morava ao lado do estádio. Há sempre essas figuras qque são muito marcantes no universo de cada carreira. Essas são duas das mais marcantes?

    VS: São. Por acaso, no Penafiel também tivemos. No Paços de Ferreira já é uma imagem incontornável e já toda a gente o conhece, o Tibi, e o Paulinho… O Paulinho, porque o Sporting tem outro mediatismo, o Paulinho acaba por ter outro mediatismo também. É uma pessoa incrível.

    zz: Sais do Sporting no fim da primeira época. Ainda tens uns treinos e ainda fazes parte da equipa do Marco Silva quando chega, mas sais…. Diria que é uma saída surpreendente para o Reus, para Espanha. Por que é que há esse «do oitenta para o oito» a nível desportivo de forma tão repentina? 

    VS: Da parte do Sporting eu senti, tanto por eles como por mim, que o Sporting já não fazia parte do meu presente e futuro. Queria sair, já não estava muito feliz…

    zz: O que é que te fez estar menos feliz?

    VS: Basicamente, é jogar. Eu sinto-me feliz é a jogar e poder sair ao campo e fazer aquilo que eu mais gosto. Se no Sporting estava a ter essa dificuldade, então tinha de mudar de ares. Sentia que, da parte do Sporting, também sentiam o mesmo, embora nunca me tenham dito. As coisas sentem-se e, quando vais sendo posto da parte de certa forma em determinadas alturas tu sentes isso. Foi quando falei que queria sair, que se encontrasse uma solução. Falei com o Jorge Mendes e falava muitas vezes com o Valdir - que penso que ainda trabalha com ele – e disse-lhe 'Valdir, tenho de sair'. A melhor alternativa que eles encontraram foi o Reus – não sei se por conveniência ou não, isso fica para cada um - mas foi para onde fui e não me arrependo de nada. Absolutamente nada. 

    zz: Mas na altura quando te dizem «Vais para o Reus, para Espanha». Qual foi a primeira coisa que te veio à cabeça?

    VS: Não queria acreditar que a única coisa que eles me conseguiram foi isso. Eu tinha a oportunidade de ter ficado aqui em Portugal. Não quis.

    zz:  Mas não quiseste pela parte salarial?

    Vítor Silva mudou-se para o Reus na época seguinte a chegar ao Sporting @Arquivo Pessoal Vítor Silva

    VS: É óbvio que eu vou para o Reus pela parte financeira. Posso dizer que era melhor do que quando estava no Sporting.

    zz: E é uma equipa da terceira divisão, na altura. 

    VS: Segunda B. Também não era o normal, mas eles sentiam que era um investimento para eles para poderem chegar a um patamar que eles ambicionavam. Eu não queria jogar na Segunda B, obviamente que eu não queria depois de estar no Sporting, mas senti, mesmo assim, que tinha de ir, pela parte salarial. Eu já tinha 30 anos.

    zz: Achavas que era brincadeira quando te disseram que ias para o Reus? [risos]

    VS: Não sei se se costuma brincar com essas coisas, mas não achei. Eu fui pesquisar e já lá estavam portugueses, nomeadamente do Sporting até. Percebi um bocadinho o que é que eles ambicionavam, qual era o projeto, por onde é que passava e percebi que até era uma coisa podia ter em conta. 

    zz: Depois, o clube acaba por se extinguir, mas estiveste lá quatro anos. É muito tempo. 

    VS: Podia lá ter estado a minha vida profissional toda que não me importava. Adorei jogar em Espanha. Adorei principalmente quando conseguimos de subir de divisão e tivemos dois anos na Segunda Liga, depois o terceiro acabou a meio, mas os dois anos na Segunda Liga espanhola foram uma experiência fantástica.

    zz: É melhor do que a Primeira Liga portuguesa? 

    VS: No geral, eu acho que é melhor. Há outras condições, vê-se o futebol com outros olhos. Obviamente que aqui tens Porto, Sporting, Braga, Vitória que dão um boost à nossa divisão, mas, com os outros clubes todos, a Segunda Liga espanhola é melhor. 

    zz: Estádios invariavelmente cheios. 

    VS: E mesmo que não estejam cheios, há outras condições. É difícil estar num estádio em que que não goste de alguma coisa….

    zz: Sentiste nesses jogos que efetivamente os adeptos eram pelo clube da terra?

    VS: É logo a primeira coisa que se sente. Eu senti isso no Reus, com um clube com que colocava 3.500 ou 4.000 pessoas num jogo. Eu fui ao Córdoba e tinha 20.000 pessoas e que são pessoas que gostam daquele clube e ponto final. Não tem outro. O clube deles é o clube da terra e pode haver um segundo clube, o Real Madrid ou o Barcelona, mas o primeiro é o da terra.

    zz: Não tinhas esse conhecimento quando foste para lá jogar?

    VS: Não tinha. Pela televisão conseguimos perceber, mas a verdade é que eles são 60 ou 70 milhões. É normal que encham mais os estádios, mas via que havia muita afluência aos estádios. A paixão só consegui perceber quando lá estive. 

    Vítor Silva nos estúdios do zerozero @zerozero.pt

    zz: Tu jogaste quase 100 jogos no Reus. 

    VS: E estive muito tempo lesionado. Estive com um problema no joelho em que, desses quatro anos, pelo menos um ano estive lesionado. 

    zz: Foste facilmente integrado pela região? É mais fácil sentires-te identificado com aquilo que tu tinhas em casa. 

    VS: Foram as melhores pessoas com quem trabalhei no futebol, possivelmente, tanto em termos de direção, equipas técnicas, médicas. Não sei se era por cultura ou não, mas encontrei pessoas fantásticas. Não me faltou rigorosamente nada em todos os anos que eu lá estive, nem a mim, nem à minha família. Tenho amigos de lá e temos um grupo de WhatsApp onde conversámos muito.

    zz: Ainda vais ter de regressar ao futebol como dirigente para reabilitar o Reus. Podia ser o único desafio que te fizesse voltar ao futebol? [risos]

    VS: Acho que, se um dia voltar ao futebol, é por essa parte. 

    zz: Dirigente?

    VS: Acho que sim. De outra forma seria difícil. 

    zz: E o que é que tu farias se fosses dirigente? 

    VS: Não sei. 

    zz: Foste jogador nos mais diferentes quadrantes. Se fosses dirigente, qual era o ponto de partida?

    VS: Não é fácil. Não sei. Há um mínimo de condições para um treinador ou para um jogador poder exercer as funções. Passar por balneários, um ginásio onde possa trabalhar que se possa fortalecer, um bom campo de treinos. Eu acho que o relvado para um jogador ter prazer naquilo que está a fazer, à parte de o ajudar a executar a sua função. Acho que ter prazer naquilo que está a fazer também é importante para as condições básicas, mais do que um equipamento de marca ou um autocarro. Acho que seria mais importante.

    zz:  Sais do Reus e vais para o Deportivo, depois de lá ires fazer testes. 

    qNo Reus apanhei as melhores pessoas com quem trabalhei no futebol, possivelmente, tanto em termos de direção, equipas técnicas, médicas
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: O treinador do Deportivo era o Natxo González.

    zz: Do Tondela. 

    VS: Exatamente. Foram três épocas com ele, mas foi uma relação de altos e baixos até, um bocadinho pela minha maneira de ser e a maneira de ser dele também. Ao final de um tempo, construímos uma amizade muito forte e sabia que ele me reconhecia. Gostava muito, como jogador, e, mais tarde, se calhar começou a aceitar-me melhor pela minha maneira de ser. Eu estive meio ano sem poder ser inscrito no Reus. Aceitei ficar esse meio ano fora, com a possibilidade, em janeiro, de o clube ser vendido. Mil e uma histórias. Nunca aconteceu. Houve rescisão por justa causa e fiquei sem clube. Quando tenho uma primeira abordagem, ele diz que vai falar com os dirigentes do Deportivo. Realmente, eles estavam a precisar de médios, que havia uma onda de lesões muito grande. Ele sabia o meu histórico de lesões, ele sabia que eu estava melhor porque ele obtinha informações das pessoas ligadas ao Reus. O clube precisava de uma prova, porque já estava há sete meses sem jogar. Sabes que, nessas condições, é um bocadinho difícil aceitarem dar-te um contrato quase de olhos tapados. Ao final de uma semana, eles falam comigo e ofereceram-me um contrato até ao final da época, porque tinham à volta de 18 jogadores disponíveis da primeira equipa. 

    zz: Em algum momento tu achaste fazer algum sentido fazer um teste?

    VS: Aquilo que os outros pensam não me diz nada. Não tinha problemas nenhum em fazer um teste. Eu sabia que, pelo treinador, eu estava descansado. Obviamente, que ele não mandava sozinho. Eu sabia que tinha de agradar a outros também, por isso estava consciente. Pior do que o que tinha estado não ia estar. Eu estava em casa. 

    zz: Depois regressas a Portugal. Feirense e também o Lusitânia de Lourosa. Já falámos um bocadinho sobre essas duas experiências que te fizeram precipitar o fim da carreira. Tu estás no episódio do jogo em São João de Ver em que não há autocarro.

    VS: Autocarro havia [risos]

    zz: Não havia motoristas [risos]

    VS:  É uma história muito, muito engraçada 

    zz: Mas foi a história que também te ajudou se calhar a precipitar o fim de carreira, no sentido de não ter lógica. 

    VS: Foi uma história que me ajudou, sobretudo, a perceber, realmente, em que contexto é que eu estava, nomeadamente naquele clube, com aquelas pessoas que tomaram uma decisão horrível. Não cabe na cabeça de ninguém. Foi a diferença daquilo que eu tinha vivido em Espanha para o que vivi aqui - aqui resume-se tudo a ganhar ou perder.

    zz: E a divisão é a mesma. 

    VS: Eu lá tinha uma pressão para ganhar pelo salário muito maior. Nós estávamos numa fase horrível e tudo o que nós ouvimos são coisas boas, coisas positivas. Depois, eu chego a um clube da segunda B em Portugal em que ao segundo ou terceiro jogo que nós fazemos na época, para a Taça de Portugal, perdemos 1-0 em São João de Ver e acontece esse episódio em que o presidente decide que o autocarro vai para Lourosa sem os jogadoreso Os jogadores tinham a possibilidade, se quisessem, de ir à vez. Mas essa possibilidade não sei se foi o presidente que deu, se foi o treinador, para amenizar as coisas, o ir à vez na carrinha do clube, a carrinha que transportava os equipamentos poderia ir cinco ou seis à vez até Lourosa, mas como éramos um grupo unido decidimos ir todos juntos ou de uma maneira ou de outra. Como não tínhamos autocarro, decidimos ir a pé. É verdade que nos foi negado o acesso ao autocarro, mas o ir a pé partiu de jogadores porque era uma forma de nós estarmos juntos.

    zz: Os adeptos… Como é que vos trataram?

    VS: Foi do pior que podia haver. Interromperam-nos a caminho do estádio do Lourosa. O típico do futebol português. Todas as ameaças possíveis. É horrível um jogador sentir isso e essa história ajudou-me a perceber um bocadinho que, se calhar, já não valia a pena estar no futebol.

    Vítor Silva fez acompanhar de um par de chuteiras, caneleiras e as várias camisolas da carreira @zerozero.pt

    zz: Quando, ainda por cima, vens da cultura que dizes. Sais do Sporting no 80 para aquilo que se calhar podia ser o oito, que depois não tem nada a ver. 

    VS: Em termos de cultura, não tem nada a ver. Pelo menos, nos clubes onde eu passei - Reus e Corunha - não tinha dúvida nenhuma. Então, o Corunha é de uma dimensão que eu acho que as pessoas não têm noção. O Corunha está na segunda B e continua a meter mais de 20 mil pessoas no estádio. No outro dia, com o [Real Madrid] Castilla meteu 28 mil pessoas. Esse amor é…. É mesmo o clube que eles sentem, não há explicação. Foram quatro meses espetaculares. Joguei muito pouco também. Estava lá o Domingos Duarte, que me ajudou na adaptação. Para mim, foi fantástico, mas ter estado num clube daquela dimensão que foi de topo.

    zz: Há quem diga que o problema na Corunha é a chuva. Pode estar a cair durante sete dias seguidos. [risos]

    VS: Pode ser. Pode ser. [risos] 

    zz: As estradas nunca ficam alagadas.  Tu foste treinado por Rui Quinta, Rui Vitória, Henrique Calisto, Luís Miguel, Marco Silva, Leonardo Jardim, o Natxo González… O que é que tiras de todos estes homens? Já disseste que o Paulo Fonseca foi, para ti, o mais especial, mas acredito que também tenhas aprendido com todos os outros.

    VS: A pessoa que eu mais admiro de todos é o professor Rui Quinta. É quase como um pai. Se tivesse de escolher um pai no futebol era o professor Rui Quinta. O conhecimento que ele tinha há 30 anos é incrível. Ele estava muitos passos à frente daquilo que era o normal. Depois, no futebol profissional, sentia-se o upgradezinho do Paulo Fonseca, que nos levou para um patamar individual superior e, posteriormente, coletivo muito além daquilo que nós estávamos à espera. Eu acho que, com todos eles, nós aprendemos. Foram três meses, mas adorei estar com o Rui Vitória. O Leonardo Jardim é a pessoa mais simples que se pode conhecer. Eu acho que até é   demasiado simples, mas a maneira dele liderar um grupo em si… São pequenos pormenores em que há diferenças entre treinadores e isso prova que não há só uma maneira de ganhar. O Leonardo Jardim nesse aspeto é fantástico. Em termos de treino, adorei muito mais o Paulo Fonseca, sem dúvida nenhuma. O Henrique Calisto, aquilo que ele conseguiu no Paços de Ferreira, é um feito gigante e ele quase que nos deu a permanência. É verdade que os jogadores tinham qualidade, mas há muito mérito da forma como, naquela determinada altura, ele soube levar as coisas para o lado que ele queria, para o lado bom. No ano a seguir, ele voltou e as coisas já não correram da mesma forma, mas, naquela altura, ele também teve esse mérito. O Nacho Gonzalez fez de tudo para tirar o melhor proveito possível em função do adversário que íamos ter. Ele era fortíssimo nesse aspeto, também. Todos eles. Nós conseguimos aprender sempre alguma coisa.

    zz: Há alguma pessoa que tu queiras aqui homenagear? A pessoa para a qual tu olhas para este passado e dizes «não posso por um ponto final sem me esquecer desta pessoa»? 

    qNunca na vida vou conseguir agradecer aos meus pais, porque há mais gente como eu, ou jovens que naquela altura também queriam jogar futebol e não tiveram essa oportunidade
    Vítor Silva, ex-jogador de futebol

    VS: Se tiver de escolher pessoas são os meus pais. A oportunidade que eles me deram. Nunca na vida vou conseguir agradecer porque há mais gente como eu, ou jovens naquela altura também o queriam fazer certamente, e não tiveram essa oportunidade. Podiam ter uma carreira muito melhor do que a minha e eu não me posso esquecer disso. Tudo o que eu sou, os valores que eu tenho, vem, essencialmente, dos meus pais. 

    zz: E estás, agora, com o restaurante que era deles em Penafiel. 

    VS: A minha ida para lá é um bocadinho do agradecimento de tudo que eles me deram. 

    zz: É por isso que, para já, ainda não vais para o futebol? Porque tens negócios para tratar? [risos]

    VS: Não sei. O futebol está um bocadinho mais adormecido. [risos]

    zz: Qual é o onze da tua vida? 

    VS: Vou escolher jogadores com quem eu tenha partilhado balneário, mas também partilhei muitas horas extra-futebol. O guarda-redes é o Edgar Badia, está no Elche neste momento. As coisas não estão a correr muito bem, em termos de clube, mas espero que, na próxima época, ele consiga manter-se porque o clube está numa posição difícil na primeira divisão.

    zz: Ele jogou contigo no Reus? 

    VS: Jogou comigo no Reus. Laterais, o Caetano, que é um amigo. Luís Dias, outro amigo com quem eu passo muitos momentos e muitas horas. O Caetano partilhei com ele o balneário em Paredes. O Luís Dias partilhei no Penafiel. Abandonámos o futebol quase juntos. Centrais, tenho o Ricardo , o Xerife, por tudo o que nós vivíamos em termos de clube, no Paços. o grupo. Depois, o Jesús Olmo, jogador com quem eu estive no Reus. À parte do balneário, convivíamos bastante. No meio-campo, tenho o Ferreira. Um jogador da casa do Penafiel, estive anos e anos com ele. O André Leão.

    zz: Ele era o teu parceiro. 

    VS: Era o meu parceiro, um bocadinho, à imagem do que representa o Ricardo, para mim, representa o André também. 

    zz: Literalmente o teu parceiro do meio-campo.

    VS: Exatamente. Depois, o Bruno Amaro, que é um jogador com quem passei muitos momentos na formação do Penafiel e, posteriormente, na primeira equipa. É o meu melhor amigo extra-futebol. Tenho o Raphael Guzzo, um miúdo fantástico que dá algumas dores de cabeça, às vezes. [risos] Uma qualidade incrível. Tive a oportunidade de o conhecer no Reus onde ele não teve uma passagem muito feliz, mas sentia que, com alguma maturidade, ele podia alcançar outras coisas. Felizmente, agora está a conseguir e espero que não fique por aqui. 

    zz: Momentos diferentes da vossa carreira quando estão no Reus.

    VS: E, na frente, tenho o Hélder Guedes que é uma pessoa de Penafiel. Um jogador que eu conheço há anos e anos. Partilhámos, também, o balneário e passámos algumas horas juntos. Depois, o Nélson Campos que é um amigo com quem eu partilhei o balneário no Penafiel e, depois, no Paredes ou vice-versa. Ele também é da formação do Penafiel e é, porventura, um dos jogadores com mais talento com quem eu joguei.

    zz: Um 4x4x2 losango. Era a tua tática favorita?

    VS: Não. Calhou. Não podia jogar de outra forma. Não vejo nenhum destes aqui a fazer corredores laterais. Tem de ser assim mesmo.

    Portugal
    Vítor Silva
    NomeVítor Emanuel Cruz da Silva
    Nascimento/Idade1984-01-07(40 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoMédio (Médio Ofensivo)

    Fotografias(71)

    Comentários

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    motivo:
    *
    2023-03-31 12h45m por f1950
    "explodir" muito tarde*
    Vitor Silva
    2023-03-31 12h42m por f1950
    Uma carreira a pulso mas teve o azar de "explodir" muito e ir parar a um Sporting em convulsão, no entanto nunca entendi como ficou tanto tempo no Reus mesmo percebendo a parte financeira. Um caso semelhante ao do Pedrinho.

    Um dos melhores médios do campeonato na época 2012/2013, tantas boas memórias! Também não lhe teria ficado nada mal uma chamada à seleção mas já sabemos como são as coisas neste país. . .
    zerozero
    2023-03-31 10h34m por Gadocke
    E um obrigado e parabéns ao Zerozero por esta iniciativa das entrevistas a jogadores que terminaram carreira e não tiveram o merecido destaque. Futebol não é só Superestrelas e dinheiro
    Podcast
    2023-03-31 10h32m por Gadocke
    Bom dia. Estas entrevistas de fim de carreira também estão em formato podcast nas plataformas habituais?
    Agradecimento
    hm por zerozero.pt
    Obrigado pelo seu comentário. Sim, o programa Ponto Final também está disponível como podcast nas plataformas habituais.

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