De Kierspe, pequena localidade na Renânia do Norte-Vestefália, à Costa Rica. A viagem às raízes de Roger Schmidt, treinador do Benfica, conduziu o zerozero a diferentes destinos e personalidades com ligação ao treinador alemão de 56 anos. Porque se o trabalho na Luz está à vista de todos, o homem por detrás do profissional nem sempre se «destapa». Esta é a história dele; a história de Roger.
É o berço onde Roger ainda guarda as raízes, sobretudo as familiares. «O seu irmão Carsten ainda vive cá», conta Thomas Busch, jornalista local, ao zerozero. Carsten é um de três irmãos do treinador do Benfica e aquele com quem partilhou o balneário durante vários anos como jogador. «O Carsten ainda hoje é uma presença assídua em jogos da equipa local e, claro, através dele, de certa forma, o Roger também.»
Confirma-se a admiração coletiva das gentes do berço. Thomas Busch refere que as conquistas de Roger são acompanhadas «com uma grande dose de fascinação» em Kierspe. «É a história do rapaz da aldeia que vingou internacionalmente», destaca ao zerozero.
Aos 18 anos, Roger Schmidt assinou pelo clube vizinho do sítio onde tinha nascido: o TuS Plettenberg, na altura a disputar os campeonatos inferiores do futebol regional. A transferência do então jovem médio ofensivo foi um pedido de Ralf Bessler, o homem que hoje trabalha no ramo imobiliário, mas que há mais de 30 anos viu em Roger qualidades especiais, dentro e fora de campo.
«Descrevê-lo-ia como sendo um homem extraordinário, algo que continuou a ser ao longo de todo o seu caminho; é extraordinário», refere Bessler em conversa com o zerozero. E o primeiro treinador no escalão sénior de Roger Schmidt mergulhou, a partir daí, sem esforço nas recordações dos quatro anos que conviveu com o treinador do Benfica.
Um magnetismo e uma abertura para o mundo que o percurso profissional de Roger Schmidt acabaria por espelhar com as «aventuras» na China, nos Países Baixos e, agora, em Portugal. Ainda assim, o antigo treinador refere que esse caminho «é notável», tendo em conta os laços familiares da família Schmidt: «São muito unidos, ainda hoje. Para além dos três irmãos, tem uma mãe fantástica que contribuiu muito para o percurso dele», revela Bessler.
«Impediram-no de jogar ao seu melhor nível. Isso e o facto de não ter sido descoberto por um clube maior quando era jovem. Acredito que tinha qualidade para chegar à Bundesliga», atira Ralf Bessler ao zerozero. O futebol dentro das quatro linhas acabaria em 2004 no pequeno Delbrücker SC, onde também começou a treinar. Para trás ficava um jogador «com inteligência de jogo, uma enorme entrega, qualidade técnica e um bom jogo aéreo», segundo o homem que, aos 18 anos, acreditou nele.
Quando Roger Schmidt decidiu terminar a carreira, aos 38 anos, já o mundo laboral e as responsabilidades extra futebol tinham tomado conta da sua vida. Em paralelo com o jogo, o alemão licenciou-se em engenharia mecânica e rapidamente começou a trabalhar na Benteler, uma empresa dedicada ao fabrico de peças automóveis sediada em Paderborn. Nesse ponto, uma carreira como treinador não entrava nos planos.
«Que ele tenha decidido ser treinador foi uma surpresa», confessa Bessler. «Ele não tinha ido além do futebol amador enquanto jogador e tinha um bom emprego, por isso sim, foi uma surpresa.» «Mas era evidente que ele tinha todas as qualidades para isso», acrescenta.
Decidido a focar-se na carreira como engenheiro, Roger Schmidt levava já oito anos de trabalho quando as portas do Preussen Münster se abriram, em 2007 – e com elas a de uma carreira como treinador. Com a promessa de poder retomar a sua «antiga» vida de engenheiro caso a experiência não fosse bem-sucedida, Schmidt aceitou o desafio. E foi em Münster que o caminho até Lisboa se começou a pavimentar.
É neste ponto que o zerozero se encontra com outra figura do passado de Roger: Weller Pereira. Então com 18 anos, o avançado brasileiro, natural de São Paulo, acabava de chegar à Alemanha proveniente do Ponte Preta e encontrou o agora treinador do Benfica no comando técnico do Preussen Münster.
Weller estava a começar e Roger Schmidt também. «Esse início foi «legal» porque ele era o «paizão» para nós (risos). Ele integrou-me rapidamente e ficou tudo mais fácil. E o «legal» - não sei se ele continua a fazer isso - é que ele treinava connosco; corria 10 quilómetros. Era também o início da carreira dele e isso era «bacano.»
Uma das qualidades de Schmidt enquanto líder rapidamente saltou à vista, de acordo com Weller: «É muito comunicativo. No meu caso, como era brasileiro, ele puxava muito por mim para me integrar e dizia isso ao grupo, que era importante eu adaptar-me rapidamente», conta o brasileiro, de 34 anos, que se recorda de «uma pessoa muito sorridente e sempre feliz.»
«Conhecendo um pouco a cultura alemã, ele parece diferente. Ele é sempre muito alegre e os alemães são um pouco mais sérios, não é? Ele está sempre feliz e é por isso que se adapta rápido e bem a todos os países; é a personalidade dele», diz Weller ao zerozero.
Curiosamente, foi no início da carreira de treinador que Roger Schmidt conheceu um dos adjuntos que trouxe consigo para o Benfica: Jens Wissing. O «braço direito» do técnico encarnado na Luz era então um defesa direito de 20 anos e Weller, colega de equipa de Wissing, não se esquece: «Era um trator, como dizemos no Brasil (risos). Subia, baixava, subia, baixava... Era muito concentrado nas coisas que fazia e muito comprometido também», recorda.
A história que se seguiu é conhecida. Roger passou pelo Paderborn e pelo RB Salzbugo, antes de conquistar a Bundesliga com o seu futebol de ataque e pressionante ao serviço do Bayer Leverkusen. Da China aos Países Baixos, onde conquistou as respetivas Taças nacionais, o alemão chegou a Lisboa e ao Benfica no verão de 2022. Os títulos ainda não chegaram, mas a época promete; em termos nacionais e internacionais.