- Corte limpo de Paíto. Passa também por João Pereira. Tem Liedson a pedir a bola.
- Está solto.
- Ainda Paíto! Excelente o túnel por Luisão. Remate... goloooooooo!
- Que grande golo! Espetáculo!
- É do Sportiiiiing. É um golo do outro muuuundo. Paíto!
Com os braços, Paíto celebra com o gesto de um embalo, direcionado ao filho com pouco mais de um ano. Esperou pelo momento e pelo jogo certo para a dedicatória.
Benfica- Sporting. 26 de janeiro de 2005, oitavos de final da Taça de Portugal, Estádio da Luz. Prolongamento. Minuto 110 e Paíto, que soube horas antes que iria ser titular, teve frescura para percorrer todo o corredor esquerdo e fazer o primeiro golo da carreira como sénior.
O Sporting, de Peseiro, acabou eliminado nos penáltis pelo Benfica, de Trapattoni, mas esta é a grande memória desse jogo. Provavelmente, ao ler o relato deste momento, revisitou o golo de Paíto, na altura com 22 anos.
Mais de 18 anos depois, revivemos este momento, mas por um motivo que provavelmente o vai fazer sentir velho. Paíto tem três filhos, um deles tem já 19 anos (o tal que recebeu a dedicatória), chama-se Edson Mucuana e joga no Vilafranquense.
Comecemos, então, por contar a história de Edson. Nasceu em Portugal, quando o pai começava a aparecer no Sporting, é internacional pelas seleções jovens de Moçambique e a mãe é natural da Guiné-Bissau.
Já viveu em Portugal, Suíça, Roménia e Grécia. Seguia o pai para onde quer que fosse, mas agora quer traçar o seu próprio caminho, mesmo que, no final de cada jogo, fale com Paíto durante horas.
«Temos uma grande relação. É como se fosse meu irmão. Fala sempre dos meus jogos, às vezes até é um bocado chato porque acabo o jogo e fico horas a ouvir sobre os meus erros, mas é muito bom para crescer», contou, em entrevista ao zerozero, no Campo do Cevadeiro, após um treino matinal do Vilafranquense.
Ao contrário de Paíto, Edson prefere utilizar o pé direito, mas também já se prepara para começar a seguir algumas das pisadas do pai, atual vice-presidente da Federação Moçambicana de Futebol. Ricardo Chéu, técnico da equipa ribatejana, deixou a primeira pista, ainda antes da entrevista: «Pode dar um belo lateral.»
Por agora, Edson ainda está a aprender a pisar os novos terrenos, isto depois de fazer toda a formação, dividida por vários clubes na zona de Lisboa, como extremo.
«Comecei a jogar futebol desde bebé. O meu pai ainda jogava no Sporting e eu desde pequeno que jogava com ele. Tinha sempre bolas de futebol em casa, então foi tudo natural», recorda.
«O meu primeiro clube foi o Cova da Piedade. Comecei lá muito pequeno, mas andei sempre a mudar de país porque o meu pai mudava de país para jogar e eu ia atrás. Quando voltei, joguei no Fofó.»
Apesar de nunca ter vivido em África, a ligação de Edson a Moçambique é forte e ficou reforçada com a presença na CAN sub-20.
«Em outubro tivemos de nos qualificar e não foi fácil. Eliminámos seleções como Angola e África do Sul e isso deu-nos esperanças de que íamos chegar lá e fazer uma boa campanha, apesar de o nosso grupo ser muito difícil», conta.
Com um sorriso no rosto e o sonho de um dia estar na CAN a representar a seleção principal, Edson recorda o momento mais alto de uma carreira que ainda está apenas a começar.
«Toda a gente esperava que fossemos os mais fracos do grupo, porque tínhamos seleções como Egito, Senegal e Nigéria, mas fomos humildes e conseguimos um empate contra a equipa da casa, no jogo de abertura. Isso deu-nos esperança para o jogo seguinte, com o Senegal. Não conseguimos ganhar, mas para mim foi uma grande experiência.»
«Em África, a CAN é a maior competição de seleções e é uma honra para qualquer jogador jogar pelo seu país, especialmente numa competição como esta.»
Voltamos a Paíto. Uma inspiração para Edson, que acredita que a carreira do pai «podia ter atingido outro nível». Agora com 40 anos, o ex-lateral ainda recorda, como tantos no seu país, o golo apontado no dérbi com o Benfica.
«Já revi esse golo 1000 vezes. É impossível não rever esse golo. Quando estamos em Moçambique, toda a gente que nos encontra fala desse golo. Ficou na memória de muitas pessoas, não só dos sportinguistas.»
«Ele diz que foi um momento muito especial para ele. Nem sabia que ia ser titular, soube um pouco antes do jogo e foi especial, até porque era o primeiro dérbi. Foi um momento de inspiração, essas coisas não se pensam muito.»
Apesar do passado de Paíto, 38 vezes internacional pela seleção moçambicana, Edson já começa a «roubar» um bocado da fama do pai, sempre que visita o país.
«Já me começam a conhecer. Mesmo quando ele está sozinho, vão lá perguntar como é que eu estou. Ele fez a história dele, mas eu quero fazer a minha. Tenho de trabalhar, ainda não fiz nada, mas vou dar o meu máximo para chegar ao nível dele e superar.»
Prometemos deixar de vez o assunto Paíto, mas não sem antes sabermos como é a relação entre o antigo lateral esquerdo e o futuro (?) lateral direito.
«É um grande pai. Sempre fez muitos sacrifícios por mim e pelos meus dois irmãos. É uma inspiração para mim e para eles.»
Depois de passar por clubes como Belenenses, Torreense e Amora durante a formação, a última etapa já foi vivida em Vila Franca de Xira. Com 16 anos, fez a pré-época nos seniores, mas acabou por jogar nos juniores, onde foi decisivo na luta pela manutenção.
Uma época depois, o sonho cumpriu-se. Edson foi o mais jovem da história do Vilafranquense a jogar na Segunda Liga e, mais tarde, na Taça da Liga.
«Sempre tive ambição de jogar na equipa principal, mesmo quando estava nos juniores. Já joguei na Taça da Liga, mas quero mais. Quero ter os meus minutos, sei que é difícil, é o meu primeiro ano como sénior, mas quero crescer a cada dia. Aprendo muito com os meus colegas e sei que um dia vou chegar lá.»
Ricardo Chéu pensa da mesma forma, por isso apostou no moçambicano na segunda parte da visita ao Penafiel. Edson foi o primeiro a sair do banco e jogou... a lateral
«Ele viu as minhas características e eu também acredito que são boas para ser um lateral. Sou forte a jogar de trás para a frente, sou rápido. Se for para jogar, não importa a posição.»
«Acho que cresci muito. Quando cheguei aqui tinha 16 anos e já treinava com os seniores. Era muito difícil, mas agora já estou adaptado e cresço muito com eles, vejo os seus hábitos e isso ajuda-me muito a crescer.»
«Estamos a fazer uma época muito boa, acho que ninguém esperava. Fomos humildes desde o início. Ninguém dava nada por nós, mas estamos a fazer o nosso caminho e acredito que vamos longe. A mentalidade foi sempre jogo a jogo e acho que tem de continuar a ser», considerou, ao abordar as possibilidades da equipa ribatejana na luta pela subida.
Sobre o futuro, Edson prefere dar passos sustentados antes de pensar em voos mais altos, mas, juntamente com Paíto, vice-presidente da Federação, quer contribuir para o crescimento de Moçambique no panorama futebolístico.
«Gostaria de dizer que ajudei a levar o meu país para a frente. A nossa seleção precisa de ir mais além, estar na CAN mais regularmente e gostaria de estar numa grande Liga, como a Premier League.»
Liverpool e Manchester City são, atualmente, os clubes de referência, mas para já o foco é apenas um: «O Vilafranquense. Se não jogar aqui também não posso atingir outros patamares.»
Enquanto não acontece, ficamos por aqui a ver este golo.