De Cruyff para Martinez. Uma amizade especial, condenada à eternidade, nascida em Manchester de uma forma invulgar.
Jordi, filho do grande Johan e atual diretor desportivo do Barcelona, fala em entrevista ao zerozero sobre o novo selecionador nacional, Roberto Martinez, a poucos dias da divulgação da primeira convocatória deste novo ciclo da Seleção Nacional.
Cruyff crescera em Barcelona amparado (e pressionado) pela sombra do pai; Roberto trocara Lérida pelas camadas jovens do Real Zaragoza, criado por um pai aragonês (de Saragoça) e uma mãe catalã (de Balaguer).
Inglaterra juntou-os, provou que apenas a geografia os distinguia. Obcecados pela perfeição, pelo estudo do treino, Roberto e Jordi inscreveram-se juntos na universidade, quando ainda representavam o Wigan e o Manchester United, respetivamente.
«O Jordi é um dos presentes que o futebol me deu e quero-o como a um irmão», confessou o novo selecionador nacional num documentário da Informe+, em 2022.
Em 2016, ano da morte do gigante da Laranja Mecânica, Roberto foi fundamental no apoio a Jordi. Os amigos, os irmãos, estão sempre lá nas piores horas. Com eles não foi diferente.
A partir de Barcelona, Johan Jordi Cruyff atende o zerozero com a abertura e a inteligência que todos reconheciam no pai. Discurso pausado, atraente, a desejar com ardência o sucesso deste outro irmão que a vida lhe deu.
De Cruyff para Martinez, de Manchester para o planeta-futebol.
zerozero - Quais as memórias do dia em que o Jordi conheceu o Roberto?
Jordi Cruyff – Há dois momentos que posso incluir nesta resposta. Primeiro, um jogo nas camadas jovens entre o Zaragoza e o Barcelona. Mas aí fomos adversários e, por isso, não me lembro tão bem do Roberto. Felizmente há fotos desse dia e isso permite-me dizer que, sim, tenho recordações do primeiro dia em que o vi.
zz – E o segundo momento, qual foi?
JC – Aí foi mais a sério. Já em adultos, conhecemo-nos em Manchester. Num restaurante. Ele jogava no Wigan e eu no United. Cruzámo-nos por casualidade, a mãe do Roberto abordou-me. Houve uma boa primeira impressão, boa sintonia, falámos bastante e nasceu uma amizade para a vida. Falamos às vezes de futebol, claro, mas temos a capacidade de distinguir o futebol e as pessoas, o futebol e a vida. Nesse sentido, julgo que a nossa amizade até é mais forte por sabermos separar as coisas.
zz – Apresentou-o ao sir Alex Ferguson?
JC – Sim, o Roberto ainda conseguiu tirar uma foto com o Ferguson e com o troféu da Champions (risos). São recordações bonitas e de certeza que o Roberto gostou da experiência.
zz – Há uma passagem forte na biografia do seu pai, Johan Cruyff, em que ele se pronuncia sobre amizade entre o Jordi e o Roberto.
JC – Eu não sabia que o meu pai ia escrever isso, naturalmente (risos). Fê-lo à sua maneira e no seu momento, mas admito que achei piada à forma como ele se refere ao Roberto. Dizia que o Roberto é o irmão que nunca tive e não se enganou. É um exemplo bonito da forma como os meus pais olhavam para o Roberto, uma pessoa que se tornou muito, muito próxima da nossa família. Havia, e há, confiança total no homem que o Roberto é.
zz – Ficou surpreendido com esses elogios públicos do seu pai ao Roberto?
JC - Não posso dizer que não me surpreendeu ler essa passagem, mas também devo dizer que o meu pai acertou em cheio, porque o Roberto é mesmo essa pessoa boa e confiável. Não se enganou.
zz - Como surgiu a vontade de tirarem o curso de treinador e inscreverem-se na Universidade de Manchester para o curso de marketing?
JC – Tenho de admitir que as duas ideias nasceram no Roberto. Treinávamos de manhã nos nossos clubes e tínhamos bastante tempo livre à tarde. A minha namorada, que se tornaria minha mulher, estudava na universidade e tinha os dias bastante preenchidos. Ou seja, eu e o Roberto passávamos demasiado tempo juntos sem fazer nada (risos). E houve um dia em que ele me disse ‘vamos começar a pensar no dia de amanhã’.
JC – Precisamente. ‘Jordi, já que estamos aqui em Manchester, aproveitemos o tempo livre para aprender coisas que um dia nos serão úteis’. E por isso inscrevemo-nos no curso de treinador e na licenciatura de marketing na Universidade de Manchester. Mas tenho de admitir que foi o Roberto a puxar por mim (risos). De qualquer forma, essa vontade de aprender sempre mais qualquer coisa faz parte do meu caráter. Foi uma grande ideia dele e acho que nos fez bem aos dois.
zz - Por tudo o que conhece do Roberto, que treinador/selecionador podem esperar os portugueses nos próximos anos?
JC – O Roberto já é um treinador experiente, disputou qualificações e torneios importantes com a Bélgica. Treinou uma ótima geração de futebolistas belgas e em Portugal será igual. Portugal tem uma ótima geração de futebolistas jovens, de presente e de futuro. O Roberto quando está numa seleção não pensa só no próximo jogo, pensa em muitas mais coisas: modernizar os conceitos e a forma de trabalhar, estudar e analisar a situação atual de Portugal, ver que pontos podem ser melhorados e aqueles que não devem ser mexidos.
zz – Já o vimos a preferir esquemas com três defesas, mas também optou várias vezes pelo quarteto defensivo.
JC – O Roberto é, acima de tudo, um treinador apaixonado pelo futebol de ataque, ofensivo e dominador. Gosta de ter a posse de bola e de agarrar os jogos. E é uma pessoa que defende um tipo de comunicação muito aberta com os futebolistas. É muito acessível e disponível a ajudar os atletas quando têm alguma dúvida ou algum problema. Se tiveram alguma pergunta, o Roberto estará sempre disponível. É muito dialogante com os seus.
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