Racing Power Football Club. O nome pode não dizer muito aos nossos leitores menos conhecedores do panorama feminino, mas promete dar que falar no futuro. Atualmente a militar na II Divisão Nacional, este jovem clube do Seixal escreveu recentemente uma bela página na sua curta história e também na da Taça de Portugal.
A equipa liderada por João Marques, antigo treinador de Benfica, FC Famalicão e SC Braga, derrotou o Amora nos quartos da prova Rainha e chegou, pela primeira vez, às meias-finais da competição. Foi a segunda equipa da II Divisão a consegui-lo. A primeira foi o Benfica, em 2018/19.
Para compreender este sucesso e ficar a conhecer este projeto fundado em plena pandemia, em 2020, o zerozero esteve à conversa com Nuno Painço, atual presidente do clube que conta já com um troféu de Campeão Nacional da III Divisão e que quer, já em 2023/24, juntar-se aos grandes na Liga BPI.
zerozero: Como é que surgiu este projeto em plena pandemia, a 20 de julho de 2020?
Nuno Paínço: «Para contextualizar, o nosso investidor [RPower Energy Drink], eu e os outros dois fundadores que fazem parte da Racing Power FC estávamos no projeto do Paio Pires FC quando formámos a equipa principal sénior feminina, há quatro anos.
A partir daqui, montámos uma direção, fundámos o clube e é assim que nasce a Racing Power FC. Até porque, na altura, os três fundadores tinham as três filhas a jogar no Paio Pires [Mariana Duarte, Beatriz Painço e a Beatriz Sebastião].»
zz: São, acima de tudo, pais adeptos que gostam de estar no futebol?
NP: «Sim, no futebol feminino. Foi isso que nos apaixonou. As pessoas perguntam porque é que também não vamos para o futebol masculino, mas não. Só queremos estar focados no futebol feminino. Para fazermos alguma coisa bem, não podemos fazer tudo e então decidimos só estar focados no futebol feminino. E é assim que nasce a Racing, que foi campeã logo da III Divisão no primeiro ano.»
zz: Como é que se estrutura uma equipa de raiz e com objetivos tão ambiciosos?
NP: «No feminino, como se sabe, os investidores ainda não conseguem tirar retorno. Por isso, quem investe, quer títulos. E então, quando nos foi proposto este desafio, a missão foi não irmos só participar, mas essencialmente para termos equipas vencedoras. E foi isso que aconteceu. Eu a restante direção criámos praticamente o clube e, na altura, fomos buscar uma equipa técnica jovem, que eu conhecia, e com um treinador que era só profissional no futebol [Ricardo Miguel Vieira]. A partir daí, começámos a gerir a situação de termos jogadoras portuguesas com estrangeiras. Rapidamente percebemos que era muito complicado convencer jogadoras nacionais a virem para um projeto novo na terceira divisão e foi a partir daqui que os investidores nos deram carta-branca para começarmos a trazer as jogadoras internacionais para o projeto.
Com isso, fizemos a nossa caminhada na III Divisão e fomos campeões nacionais. Foi extraordinário. Só quem está cá é que sente o trabalho que isto deu a criar. Uma coisa de raiz e, no fim da época, podermos levantar a Taça de Campeão Nacional. Para nós, foi importantíssimo.»
A primeira época de existência não podia ter corrido melhor. Em 2020/21, na III Divisão, a Racing Power terminou no primeiro lugar da Série G, sem qualquer derrota em sete jogos, e prosseguiu para a fase de apuramento de campeão. Aí, eliminou o Atlético Cucujães, o Torreense B, o Benfica B e, na final, o Rio Ave. Estava concluída com sucesso a primeira época de existência, seguia-se a II Divisão.
zz: Título na primeira época permitiu mais experiência (e mais investimento) para a II Divisão?»
NP: «Sim, nós na segunda época, no ano passado, não subimos de divisão. Inicialmente, o projeto tinha um objetivo de, em três anos, chegar à Liga BPI. No primeiro ano, conseguimos chegar à II e, no ano passado, éramos já para ter conseguido a subida. As coisas até começaram bem, contratámos um dos melhores treinadores a nível nacional, o professor Nuno Cristóvão. Ficámos em primeiro lugar na primeira fase e, na segunda, também estávamos muito bem, mas houve ali um decréscimo muito repentino a meio da segunda volta da fase de campeão, que acabou por nos penalizar. Fomos aos play-offs e caímos frente ao Futebol Benfica (4-3).
Para mim, foi uma época completamente falhada porque o nosso objetivo era a subida à Liga BPI. As pessoas às vezes podem dizer que fizemos um bom campeonato, mas temos os nossos objetivos e esses passam por ganhar. Se não o fizermos, para nós é um falhanço total. Não há volta a dar.»
Depois da desilusão na reta final da temporada passada, com a queda no play-off, a época 2022/23 segue a todo o gás para a Racing Power. A equipa de João Marques terminou sem derrotas a primeira fase e, já na fase de apuramento de campeão, segue com duas vitórias em dois jogos. Pelo meio, foi-se trilhando um caminho magnífico na Taça de Portugal.
Além de ter eliminado o Rio Ave logo nas primeiras eliminatórias, este clube do Seixal cruzou-se, nas três eliminatórias seguintes, apenas com equipas da Liga BPI. Todas se despediram da competição: Torreense, Valadares Gaia e Amora. Num abrir e fechar de olhos, o jovem Racing Power FC está nas meias-finais da Taça de Portugal, juntamente com Benfica, SC Braga e FC Famalicão.
«Sim, fizemos história enquanto clube e também na Taça de Portugal. Só duas equipas na segunda divisão conseguiram chegar a uma meia-final. Primeiro, foi o Benfica quando começou o projeto com o treinador João Marques e este ano, o mesmo treinador, agora connosco, conseguiu o mesmo feito... Mas é importante referir que a Taça de Portugal não é o nosso objetivo. O nosso objetivo é sermos campeões da segunda divisão nacional e estarmos na Liga BPI.
A Taça de Portugal junta aqui vários fatores. É preciso ter sorte no sorteio e depois sermos competentes com as equipas que nos calham. Apesar de nós colocarmos grande pressão e responsabilidade nas nossas atletas, a verdade é que a pressão está sempre do lado das equipas da Liga BPI que jogam contra nós.»
Ainda que a pressão esteja toda do lado das equipas da Liga BPI, a verdade é a Racing Power é uma das poucas equipas no panorama nacional totalmente profissional. Além de ser a única a conseguir fazê-lo no segundo escalão, está também entre um lote muito restrito entre as da Liga BPI. Por isso, os objetivos para o futuro são claros e estão bem definidos.
Também na formação, temos duas equipas recentes [Sub-15 e Sub-19] que estão em primeiro lugar nos seus campeonatos. Dado que nestas competições temos de competir com equipas de grande traquejo, o nosso objetivo passa, essencialmente, por ter as melhores connosco. Como ainda não temos infraestruturas próprias, não nos importamos de não ter 300 ou 400 meninas, como certos clubes. Queremos é ter as melhores meninas. E os frutos começam a ver-se. O projeto está cada vez mais forte, já começamos a ser reconhecidos.»
Antes do final da época e de se saber se a Racing Power atingiu os seus objetivos na II Divisão, há uma prova de fogo: as meias-finais da Taça. A equipa do Seixal já sabe que vai defrontar o SC Braga, numa eliminatória a duas mãos, e Nuno Painço está consciente das dificuldades que a sua equipa vai enfrentar.
Claro que vai ser um jogo difícil, mas não deitamos a toalha ao chão. Vamos com as nossas armas. Vamos trabalhar para chegarmos bem à primeira mão e estarmos preparados para defrontar umas das melhores equipas de Portugal. É isso que vamos fazer com o sonho de podermos eliminar o SC Braga e chegarmos ao Jamor.
Acima de tudo, temos é que ser realistas, porque não estamos a jogar com uma equipa qualquer. Temos de ter a humildade de saber que podemos ficar por aqui, mas não é esse o nosso pensamento. Não podemos entrar derrotados, a nossa equipa tem de entrar a pensar que pode ganhar ao SC Braga e é para isso que vamos trabalhar», concluiu o dirigente do clube.