* com Cristiano Tavares Faria
Foi notícia nos últimos dias, após ter lançado um equipamento inspirado no Galo de Barcelos, um dos maiores símbolos de Portugal. Apenas mais uma das ligações da Portuguesa dos Desportos ao país das cinco Quinas com direito a sucesso imediato, uma vez que o stock de 1000 camisolas colocadas à venda, esgotou em apenas dois dias e compôs a bancada do Estádio Osvaldo Teixeira Duarte (Canindé) com a última novidade de ponta.
Fundada a 14 de agosto de 1920 na sequência da unificação de cinco emblemas com elos lusitanos sediados em São Paulo - Luzíadas Futebol Club, Associação 5 de Outubro, Esporte Club Lusitano, Associação Atlética Marquês de Pombal e Portugal Marinhense -, rapidamente a Portuguesa se tornou num dos clubes mais bem sucedidos do seu estado.
Aproveitando a mais recente novidade que liga o histórico emblema brasileiro à cultura portuguesa, o zerozero foi ao encontro de Flávio Gomes, conceituado jornalista brasileiro e confesso adepto da Lusa, a fim de perceber o contexto em que se insere o emblema no panorama futebolístico brasileiro e as raízes que ainda resistem da ligação com Portugal.
Confiante ao retratar os adeptos da sua equipa como «muito melhores do que os apoiantes das outras», Flávio explicou as origens do seu apoio incondicional ao clube, algo que pode ser, em parte, influenciado pela descendência portuguesa - o seu avô era português -, mas que o jornalista nega ter sido o principal fator.
Foi antes a partir do pai, antigo jogador da equipa secundária do clube, que o testemunho passou, a partir da primeira aparição de Flávio num estádio. Para a história, fica um Portuguesa - Palmeiras, decorria o ano de 1971, desafio que deixou Flávio a «querer pertencer a pequena aldeia gaulesa do Asterix.»
«Fiquei encantado com a torcida da Portuguesa, porque é uma torcida menor, pequena, cercada de pau de verde por todos os lados. Gostei muito das cores, sabe? Aquela coisa de criança mesmo», relembrou, numa altura em que a Lusa era das equipas que mais jogadores emprestava à seleção, constando assiduamente nos momentos decisivos do estadual de São Paulo e de outros torneios de renome.
«O último título do Pelé no futebol brasileiro é o título dividido com a Portuguesa [n.d.r campeonato paulista de 1973]», relembrou, antes de vincar «o orgulho» de ser da Portuguesa por esta se distinguir como «um clube diferente» e menos convencional de apoiar, quando comparado com os gigantes do seu estado: Palmeiras, Santos, São Paulo e Corinthians.
Desafiado a encontrar um clube semelhante em Portugal, Flávio Gomes não teve dúvidas na hora de estabelecer comparações: «O torcedor do Belenenses. É um torcedor raro, não é?», sugeriu, aludindo à semelhança entre adeptos e à situação menos fulgurante a nível desportivo de dois irmãos separados pelo oceano Atlântico.
«Vou a todos os jogos, não importa em que divisão a Portuguesa está, se na primeira, na segunda, na quinta, na décima... Costumo sempre dizer, enquanto a Portuguesa existir...», continuou, antes de traçar o perfil dos adeptos: «Hoje, segunda década do século XXI, é uma torcida que passa de pai para filho. É quase uma questão hereditária.»
Uma lógica que começou por ser trilhada pela comunidade lusa estabelecida no país ao longo do século XX, mas que, neste momento, não passa obrigatoriamente pelo mesmo processo, contou Flávio, em tempos líder dos Leões da Fabulosa, claque da Lusa: «Encontras de tudo, [pessoas] de várias classes sociais. Gente do bairro, do comércio...»
Apesar da diversidade, a atração de novos apoiantes encontra-se em queda, devido ao baixo sucesso desportivo dos últimos 20 anos - exceção feita ao campeonato da Serie B, em 2011 - algo apenas ao alcance de quem reúne «uma forma muito autêntica de paixão», reconheceu Flávio: «Diria que, hoje, para um jovem, é mais difícil explicar porque apoia a Portuguesa.»
Em sentido contrário, Flávio atestou a grande simpatia do povo brasileiro pela equipa, uma vez que a Portuguesa é vista como um «David» contra os restantes Golias do futebol paulista e brasileiro: «Toda a gente gosta da Portuguesa como se fosse o seu segundo time, sabe? Ninguém apoia contra. Não tem rejeição no mundo do futebol.»
Ainda o zerozero não tinha chegado à questão e já Flávio Gomes ameaçava uma resposta estruturada. Eventual parceria da Lusa com um emblema da Liga Bwin? A resposta foi afirmativa e sem pestanejar.
«Estamos a atravessar um processo de aquisições ou parcerias entre clubes brasileiros e europeus. O Bragantino, o Bahia... esse movimento que sempre defendi no caso da Portuguesa, que não tem a mesma capacidade de gerar receita que os grandes clubes têm hoje, como na altura em que tinha 100 mil sócios.»
«Seria muito bom para qualquer clube de Portugal também, porque teria a chance de conseguir bons jogadores a um custo muito baixo», defende Flávio, ciente do potencial humano que o Brasil acarreta e do poder do euro face ao real.
«Seriam os donos da estrutura de futebol da Portuguesa. Porque é que acha que o [Manchester] City foi brincar ao futebol lá na Bahia?», concluiu.
Hoje em dia a competir na elite do campeonato paulista, após subir do segundo escalão do futebol estadual, Flávio Gomes sonha com o regresso da sua Portuguesa às competições nacionais, algo que poderá ser atingido mediante a permanência: «Só vai acontecer se a Portuguesa não cair este ano do Campeonato Paulista e aí tem a chance de jogar a série D do ano que vem. Volta a ter um calendário nacional.»
Com uma rica história que inclui três campeonatos estaduais, uma Serie B e ainda um vice-campeonato do Brasileirão, o clube que um dia quase foi de Paulo Futre - segundo escreve o próprio no livro El Portugués - e que foi mesmo casa de Jacinto João, antigo internacional português, vai continuar com o suporte dos cerca de «quatro mil» adeptos que assídua e fervorosamente preservam as «referências visíveis» de uma realidade bem Portuguesa: pastéis de Belém, bacalhau e vinho lusitano, adereços familiares para todos os que frequentam o Canindé.