O paraíso é isto. O sonho de um menino, o palco maior, a vida a encaminhar-se para um epílogo perfeito: três golos nos oitavos-de-final do Campeonato do Mundo.
Protagonista do feito? Gonçalo Ramos, senhoras e senhores, o avançado que atirou Cristiano Ronaldo para o banco de suplentes.
Portugal segue na luta pelo Mundial, carimba a passagem em primeira classe e oficializa a candidatura ao ouro. À febre do ouro.
Um jogo extraordinário, talvez a melhor exibição de sempre da Seleção Nacional em Mundiais, uma noite para ser passada de geração em geração, de avós para netos, de pais para filhos.
«E aquela vez em que goleámos a Suíça no Catar?»
6-1, a marca hipnótica, a marca da loucura nacional.
A realidade é dura. Deixa-nos sem palavras, por vezes. Suplanta desejos e planos. Veja-se o exemplo de Cristiano Ronaldo, o melhor português de sempre - com a devida vénia a Eusébio da Silva Ferreira.
Fernando Santos deixou-o no banco de suplentes, no seguimento da polémica que se conhece, e a amostra desta vitória deixou bem claro que Cristiano, nesta altura, não tem lugar na equipa inicial. O status quo não pode iludir a lógica.
O que fazer daqui em diante?
Capitalizar o lado bom de Cristiano, o que o capitão pode dar no balneário e nos minutos em que jogar. Conversar calmamente, explicar-lhe por A + B que o ciclo da vida é finito e que o do futebol é um anátema intransigente.
Se Cristiano aceitar e compreender, então Portugal ainda terá o melhor lusitano de sempre neste Mundial, seja de que forma for. Os 17 minutos (mais descontos) jogados por CR7 sugerem que a relação está no bom caminho.
Que assim seja.
As manchetes falarão da noite hiperbólica do avançado do Benfica, tudo certo. Mas o que dizer da extraordinária aparição de João Félix, sem açaime e sem amarras? O que joga este menino.
Fernando Santos tardou em perceber o que a alguns parecia óbvio. A melhor versão de Portugal é esta, corajosa com bola, a pressionar alto, a jogar sem temores e a sentir-se superior - sem cair no erro de ser altiva.
O resto, perante tamanha qualidade individual, surge naturalmente. Contra a Suíça nasceu num golo de ângulo impossível de Ramos (minuto 17), continuou num aproveitamento belo de uma bola parada (Pepe, 33) e teve sequência lógica na segunda parte.
Ramos (51), Guerreiro (55), um breve interlúdio helvético num canto mal defendido (Akanji, 58), mais Ramos (67) e Rafael Leão (90).
A Suíça esteve horrível, defendeu pessimamente com a sua nova linha de três centrais, não soube o que fazer com os alas (Edi Fernandes e Vargas perdidos), esteve perdida e sem saber o que fazer com as movimentações out of the box de Portugal.
Não temos memória curta. Foi esta mesma Suíça a dar trabalho até ao limite ao Brasil e a ganhar 3-2 a uma Sérvia que vencera Portugal na Luz, há não muito tempo.
O tema é recorrente, tal a grandeza da personagem. A resposta estará no meio, numa área cinzenta, equilibrada.
Numa noite época, gloriosa, condenada a figurar nas enciclopédias mais rigorosas sobre futebol, reduzir tudo à ausência de Cristiano seria uma burrice. Uma injustiça para os que o rodeiam.
Marrocos está já aí e o ideal será não mexer muito no que está bem. No que foi perfeito e pediu o bilhete para a eternidade.
O paraíso é isto, senhores. Aproveitemo-lo.
Um golo numa bomba de pé esquerdo; um golo a desviar um cruzamento; um golo a 'picar' a bola sobre Sommer. A carreira de Gonçalo Ramos terminará um dia e este jogo continuará a ser falado.
A equação é vulgar: onde começa o mérito de Portugal e onde começa a incompetência da Suíça? Foi tudo muito mau, de Sommer a Embolo.