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* com Cristiano Tavares Faria
Chamou a atenção numa daquelas pesquisas infindáveis pelos meandros futebolísticos do zerozero, que o leitor certamente já experimentou. Caído no esquecimento pela azáfama do futebol moderno, o HVV Den Haag pode induzir os mais distraídos em erro, mas qualquer semelhança com o conhecido ADO Den Hag, é pura e simplesmente pela ligação à cidade dos dois emblemas neerlandeses, Haia.
Com quase 140 anos, desde a altura em que foi fundado - 1883 - o HVV Den Haag começou como um clube de cricket, mas foi pelo futebol que rapidamente ficou conhecido ao ser dos pioneiros da atividade nos Países Baixos - foi um dos fundadores da Federação Neerlandesa de Futebol (KNVB) -, numa época em que o desporto-rei começava a gatinhar até à dimensão que conhece hoje.
Fruto de tal contexto, o então gigante neerlandês dominou o futebol do país entre as últimas décadas do século XIX até ao ano em que rebentou a I Guerra Mundial. Resultado? Dez títulos de campeão, o primeiro na época de 1890/91, o último em 1913/14, com um tricampeonato pelo meio. Sim, leu bem, numa altura em que em os tradicionais Ajax, PSV e Feyenoord ainda não se encontravam em cena, era este o clube da moda.
Considerado pelos poucos que conhecem a sua rica história como o primeiro gigante da nação das tulipas, como terá este colosso quase desaparecido do mapa? Para uma contextualização eficaz, entramos em contacto com Frederick Mansell, jornalista e antigo atleta do clube, que nos abriu as poeirentas páginas que deu aso à criação, sucesso e declínio de um emblema sui generis.
«O HVV é o segundo clube mais antigo dos Países Baixos, fundado em 1883. Como a maioria dos clubes mais antigos da Europa, começamos com clube de cricket (HCC, 1878). O cricket era um desporto jogado pelos ricos, então quando o futebol começou a desenvolver-se, era maioritariamente jogado pelas classes mais altas da sociedade. Eles viam o futebol como um excelente passatempo para o seu tempo livre, mas não como uma profissão. Muitos dos atletas do HVV tinham trabalhos bem pagos, tais como médicos, advogados, líderes de indústria ou então pertenciam à nobreza», começou por explicar.
Atualmente na 6ª divisão neerlandesa, este conjunto está bem vivo, mantendo uma filosofia muito própria, como revela Mansell: «Não mudou muito com o passar dos anos e o HVV é ainda um clube das classes altas da cidade de Haia. Os jogadores do HVV sempre ganharam dinheiro suficiente fora do campo de futebol. O objetivo principal de jogar futebol no HVV era e sempre será diversão em detrimento do dinheiro e construir um espaço social comunitário, em vez de se tornar um pequeno empreendimento futebolístico».
Uma postura peculiar que custou ao clube a presença no escalão maior que tantas vezes conquistou, depois do crescimento da concorrência um pouco por todo o país. Desceu pela primeira vez em 1932 e nunca mais lá regressou, num sintoma claro do que seria o destino do clube no panorama do futebol moderno. Voltou às malhas mediáticas 75 anos depois, quando o clube foi distinguido ao lado dos outros três emblemas de maior tradição do país: Ajax, PSV e Feyenoord.
«A federação neerlandesa de futebol decidiu que os clubes com 10 campeonatos conquistados podiam anexar uma estrela dourada sobre o seu símbolo. Toda a gente pensava que existiam apenas três clubes nos Países Baixos a preencher esses requisitos, mas então apareceu o HVV. Daí para cá, muitos seguidores do futebol neerlandês começaram a redescobrir o nosso clube e a nossa história», recorda com orgulho.
Clube de bairro, o HVV Den Haag é o orgulho da sua localidade e representa uma natureza social muito importante para os que o apoiam, seja como local de convívio da comunidade local ou pelo objetivo de lançar jovens locais na primeira equipa, como relata o jornalista e streamer neerlandês.
«A primeira equipa tem de representar os valores do clube e as pessoas que vivem cá perto. Cerca de 75% dos jogadores nascem e crescem próximos do clube e jogam com o nosso clássico equipamento amarelo e preto, desde os seis anos de idade», conta, confirmando tal teoria com a experiência pessoal.
«Para mim o HVV era uma segunda casa. Ia para lá na minha bicicleta para jogar com amigos do bairro. Por causa disso, conheces os jogadores da primeira equipa, sabes a história do clube e sentes-te emocionalmente ligado ao clube e à sua camisola. Tornares-te jogador da equipa principal é o sonho de muito jovens jogadores», concluiu sobre o tema.
Questionado sobre o patamar mais elevado que o HVV Den Haag atingiu, após cair no anonimato, Frederick Mansell considerou-se um felizardo por ter jogado nessa tal patamar: «Em 2009, tive a sorte de ser membro da equipa que subiu à 4ª divisão do futebol holandês (a segundo divisão mais alta a nível amador). Acho que foi o mais acima que o HVV jogou nos últimos 50 anos.»
O seu recinto - o Diepput -, o mais antigo do país, é propriedade do conjunto de Haia, sendo o lar do clube desde 1898. Um «poço fundo» - se traduzirmos este nome de batismo para português - que guarda histórias desde tempos quase imemoráveis, tendo chegado a receber dois encontros da Laranja Mecânica, frente à Suécia e Inglaterra.
Uma manutenção do património original do clube, de que Mansell se orgulha, pois todas as gerações de atletas do HVV Den Haag despontaram e puderam defender o seu clube de sempre no mítico campo: «Quando se trata de preservação dos valores e da história do clube, acho que seríamos campeões holandeses. Jogamos no campo de futebol mais antigo do país e, até agora, este lindo campo é utilizado por miúdos do bairro.»
Uma forma de pensar o futebol de forma diferente, que não impede as gentes locais de poder festejar títulos, ainda que estes sejam bem mais modestos que os arrecadados há cerca de 100 anos, pelo menos no que ao futebol diz respeito...
«A equipa principal foi promovida na época passada (2021/22) ao sexto escalão do futebol holandês, enquanto o clube de críquete se sagrou campeão nacional, em 2022», sentenciou o antigo defesa do clube.