Há imagens memoráveis. Como Jordão a saltar em bicos de pé nos festejos dos dois golos, com o braço direito levantado. Ou como Jaime Pacheco a puxar os calções para cima até mais não, na ressaca do definitivo 3-2 de Platini. Ou como Nené a isolar-se pela direita e a acertar em Bats. Nem mais, faz hoje anos um dos jogos mais épicos do nosso (des)contentamento. Marselha, 23 Junho 1984, França vs Portugal.
É também o dia da despedida internacional de Nené, com 66 internacionalizações (então recorde nacional). «Por duas ou três vezes, já acordei a meio da noite com esse lance na cabeça. Acordado, já revivi esse pesadelo de trás para a frente e de frente para trás dezenas e dezenas de vezes», conta Nené. Ele que apura Portugal para esse jogo com um golo vs Roménia (1-0), em Nantes, que ninguém vê, só ouve, por um problema técnico na transmissão da RTP.
«Já estávamos a ganhar 2-1 e a França sufocava-nos. Foi então que a bola ressaltou para mim, perto da nossa área. Passei ao Chalana e lá foi contra-ataque. Era dois contra dois. O Chalana galgou terreno, fez-me um passe na diagonal e eu rematei na passada, apertado por um defesa, mas a bola bateu no Bats. Podia ter sido o 3-1, mas continuou 2-1.»
A partir daí, Portugal nunca mais se aproxima de Bats. «Se essa bola entrasse», continua Nené, «ou se não tivéssemos recuado tanto naquele prolongamento, teríamos ido à final. E aí, ganharíamos à Espanha, com quem empatámos na fase de grupos sem jogar por aí além. Mas isso é a história dos ses.» O que acontece, de facto, é reviravolta da França com um golo de Platini no último minuto. «Nunca vi ninguém defender tanto como Bento nesse dia. A seguir ao 3-2, quando ia para o meio-campo, o árbitro pediu-me a camisola. Eu disse que só lhe dava se apitasse para o fim. Estava de rastos. Quinze segundos depois, ele apitou. Dei-lhe a camisola e, em tronco nu, fui dar os parabéns ao Bento.»
O herói dessa tarde/noite até nem é Platini, e sim o lateral-esquerdo Domergue. Diz ele, ainda incrédulo. «Foi incrível porque nunca tinha marcado dois golos num jogo. E o primeiro até foi por acaso. Falta, livre e o Platini a queixar-se das dores na perna pela entrada do Frasco. Não sei porquê, mas virou-se para mim e disse-me: ‘Marca tu.’ Se eu fiquei surpreendido, imagine o Bento.»
A figura destacada é Zinedine Zidane, porque sim e porque celebra 50 anos de vida. Número 7 no Bordéus, 21 na Juventus e 5 no Real Madrid. Na sua carreira, Zidane só veste o 10 pela seleção francesa. «Quando cheguei ao Bordéus», conta Toni, «o presidente disse-me que o Zidane só durava 60 minutos e respondi-lhe que os jogadores de classe duram 90. Era preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. A meio dessa época, era o jogador com mais minutos. Ele tinha liberdade completa do meio-campo para a frente e fazia a função defensiva com a ocupação do espaço. Bastava-lhe isso, tal e qual o Chalana no Benfica.»
Sai para a Juventus, onde se agiganta num piscar de olhos. «A sua relação com a bola é tão íntima que até parece brasileiro.» Palavra do campeão mundial Carlos Alberto Parreira.
Decide a final do Mundial-98 com dois golos de cabeça e ainda marca mais uma vez na final de outro Mundial, em 2006. No frente a frente com Buffon, saca um Panenka (bola picada para o meio). A vantagem é anulada por Materazzi. No prolongamento, ao minuto 110, os dois goleadores embrulham-se e Zinedine Zidane dá uma cabeçada no peito de Materazzi. O vermelho direto é inevitável. A França perde o maestro, a Itália recupera a batuta.
Zidane, um génio com mau génio. Ou não fosse (também) expulso no último jogo da carreira, um Real Madrid-Villarreal no Bernabéu.
Até para a semana!
3-2 a.p. | ||
Jean-François Domergue 24' 114' Michel Platini 119' | Rui Jordão 74' 98' |