Arronches é uma vila do distrito de Portalegre, região do Alentejo, com 2 789 habitantes. É nessa pequena vila do Alto Alentejo que está o Sport Arronches e Benfica. O clube, fundado em 1939, nunca foi conhecido pelo sucesso desportivo. Porém, tudo mudou em 2021/22, com uma época de sonho que culminou na subida inédita aos nacionais, sem sofrer qualquer golo.
O sucesso da «filial nº14 do Sport Lisboa e Benfica», como se pode ler no Facebook oficial do Arronches, não passou despercebido ao zerozero e fomos tentar perceber qual o segredo que transformou um modesto clube da vila numa equipa com ambições de atingir a Liga 3 já na próxima temporada, depois de ter conquistado o campeonato, a Taça de Honra e a Supertaça.
A mudança terá começado ainda em 2020, de acordo com um recorte de jornal do Notícias de Arronches, publicado no Facebook oficial do clube. No jornal, consta uma entrevista a José Júlio Feiteira, presidente do emblema também conhecido como Maravilha, na qual revelava que o clube tinha sido abordado por um grupo de investidores sediados em Portugal para uma parceria de forma a valorizar jogadores através do clube, podo fim à aspiração de ter uma equipa sénior composta apenas por jogadores naturais do concelho de Arronches.
Ora, o primeiro ano resultou num já impressionante terceiro lugar, mas foi em 2021/22 que tudo mudou. «O projeto foi iniciado pelo Nuno Travassos, que me convidou para iniciar esta aventura. A ideia era criar aqui um laboratório de atletas novos, para os poder potenciar, e entrar no campeonato distrital para poder subir ao campeonato nacional.», começou por explicar João Trindade, treinador do clube e uma das caras do projeto, em conversa com o zerozero.
«Começámos a procurar atletas jovens com esse intuito, através de amigos e conhecidos, fizemos um bom scouting e criámos um plantel jovem de qualidade. Depois surgiu a Sportive Soul, que pertence a dois investidores do concelho e da qual o Nuno também faz parte e eu sou funcionário. Criámos esta dinâmica e fomo-nos aperfeiçoando porque o primeiro ano nunca é fácil e isto nunca tinha acontecido em Arronches. Transformar uma equipa amadora em profissional não é fácil e tivemos contratempos, mas estamos cada vez mais profissionais em todos os setores.», acrescentou.
O sucesso é de louvar, sem dúvida, mas o que despertou verdadeiramente a nossa curiosidade foi um registo inédito a nível nacional: o Arronches e Benfica não sofreu qualquer golo no campeonato, ao longo de 14 jogos. João Trindade explicou que percebeu cedo que a equipa ia conseguir subir, até pelo profissionalismo do plantel (que também garante não ter sido a única razão), mas a questão dos golos…
«Sinceramente, foi um objetivo que pus a mim mesmo e só o comecei a passar aos jogadores numa altura em que sentia que isso podia acontecer. Meti isso na cabeça antes de todos e passei ao Nuno. Ele disse que era muito difícil, até porque podíamos sofrer um penálti, mas eu tinha o feeling que íamos conseguir. A forma como a equipa era intensa e como defendíamos era impressionante e dava-me muita confiança, mesmo sabendo que podia haver um erro.», revelou.
«Até podem dizer que é um campeonato só com oito equipas e que é dos mais fracos, mas não é normal. Penso que vai ficar registado nas bíblias do futebol porque não é normal. Eu próprio, no último jogo, sabia que ia ganhar, mas estava ansioso por causa de não sofrer golos. E não aconteceu. Há um lance em que a bola passa a rasar a barra e eu pensei “não vai acontecer”. Temos de sublinhar que estes miúdos merecem, foi um ano formidável.», atirou ainda.
Um dos aspetos que salta à vista quando analisamos o plantel do SAB é a média de idades inferior a 22 anos – só uma outra equipa tem o mesmo registo na Liga. A exceção à regra é, curiosamente, Tiago Vidigal, o único jogador do plantel na casa dos trinta. Há cerca de quatro anos para cá, concilia o futebol com o trabalho por turnos na Delta, mas nem por isso deixou de ter um papel importante. Em conversa com o zerozero, analisou o registo impressionante e afastou o peso do apelido (sim, faz parte da famosa família Vidigal).
«[Zero golos sofridos] É um registo muito forte. Mesmo em anos anteriores, eu não me lembro de uma equipa de qualquer associação com esse registo. Penso que irá ficar marcado por muitos anos. O segredo foi a disciplina, o compromisso e o trabalho diário. (…) [O apelido] Já não tem tanto peso como há alguns anos. Neste momento, jogo no campeonato distrital simplesmente por prazer e por amar o futebol desde criança. Decidi dar um novo rumo à minha vida há coisa de quatro/cinco anos para cá e essa questão do apelido ficou de parte.», referiu.
Já falámos dos zero golos sofridos e da média de idades, mas há ainda um outro aspeto a explorar. O Arronches e Benfica não se limitou a não sofrer golos, também marcou 40 nos tais 14 jogos! Um dos principais responsáveis pelo registo foi Lucas Amorim, jovem avançado brasileiro de 25 anos, estreante em Portugal, que terminou a época com mais golos do que jogos (25 golos em 21 jogos).
«É um ponta de lança de 195 cm que, apesar de ser alto, é rápido. Tem boa finalização, joga bem de costas e tem muito potencial. Com alguns ajustes, pode chegar a uma Liga 3 ou a uma Segunda Liga. É um jogador com excelentes capacidades e super profissional. Ele acaba por marcar 25 golos e podia ter mais porque está lesionado há mais de um mês e meio. Ia ultrapassar os 30 golos à vontade. Chegou através de um antigo colega meu do Covilhã que agora está no Brasil.», explicou João Trindade.
O presente está bem entregue, também muito graças ao processo de scouting que João Trindade nos explicou. Quanto ao futuro, esse, de acordo com o técnico, que garante que vai continuar, ainda que possa ser num papel diferente, é ainda mais promissor, sendo que o objetivo a curto prazo é mesmo atingir a Liga 3.
«Quem nos passa o scouting são pessoas de confiança e depois fazemos aqui o tal laboratório, em que muitos dos jogadores que chegam ficam uma semana ou duas à experiência. E não nos enganámos. Eu costumo dizer que somos do Alentejo e do interior, mas não somos burros. Eu tenho muito experiência para avaliar os jogadores – estive na Primeira Liga e 10 anos no Covilhã.», explanou.
«Podemos ter algum erro de casting e as coisas podem correr ao contrário, mas, neste momento, o nosso objetivo passa por subir à Liga 3. É impossível manter a base, que é muito boa, mas já passámos para outro nível, com mais responsabilidade e qualidade. Mas vamos ficar com uma percentagem boa, se os jogadores também quiserem ficar. Até podemos descer, mas vamos tentar lutar para subir. O Campeonato de Portugal é totalmente diferente e é muito competitivo, mas temos de pensar grande porque quem pensa pequenino, pequenino se torna.», concluiu.