Fundado em 1975 e localizado na pequena freguesia de Fontinhas, em Praia da Vitória, na ilha Terceira (Açores), o GD Fontinhas tem vindo a escalar a passos largos a hierarquia do futebol nos últimos anos e, no último fim de semana, garantiu a qualificação histórica para a 2ª edição da Liga 3, o que dará ao clube um primeiro gosto daquilo que é o semi-profissionalismo.
Com menos de 2000 habitantes - segundo os censos de 2011 -, esta pequena freguesia viveu uma época de sonho. Há apenas meia dúzia de anos, o Fontinhas disputava os campeonato regionais, mas a sua ascensão foi meteórica e rapidamente passou para o Campeonato dos Açores e, em 2019/20, estreou-se no Campeonato de Portugal (CP). As duas primeiras temporadas no CP foram difíceis e, na primeira, lutaram por não descer, mas o clube evoluiu, mudou a política e usou o amor da freguesia pela instituição para, hoje, fazer história.
O zerozero foi conhecer alguns dos principais intervenientes desta temporada histórica para este pequeno clube da Terceira e descobriu uma história de amor que conseguiu superar adversidades financeiras e logísticas e dar uma alegria à sua freguesia.
«De início o objetivo era a manutenção, mas no decorrer da época começámos a perceber que se conseguíssemos injetar mais um ou dois atletas chegávamos lá. Estávamos na linha da frente da nossa série e sabíamos que seria difícil chegar à fase de subida com aqueles jogadores e ter sucesso ao ombrear com clubes como o Belenenses, Olhanense e outros. Então fomos buscar dois jogadores que trouxeram quantidade e qualidade ao plantel e a partir daí começámos a acreditar que era possível lá chegar», começou por dizer-nos José Pacheco, que já vai no quarto ano à frente da presidência do Fontinhas.
P | J | V | E | D | ||
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1 | Fontinhas | 44 | 18 | 14 | 2 | 2 |
2 | Sertanense | 39 | 18 | 12 | 3 | 3 |
3 | Marinhense | 27 | 18 | 7 | 6 | 5 |
4 | SC Praiense | 22 | 18 | 6 | 4 | 8 |
5 | Vit. Sernache | 21 | 18 | 4 | 9 | 5 |
6 | Peniche | 21 | 18 | 5 | 6 | 7 |
7 | ARC Oleiros | 20 | 18 | 5 | 5 | 8 |
8 | Benf. Castelo Branco | 19 | 18 | 4 | 7 | 7 |
9 | Condeixa | 19 | 18 | 6 | 1 | 11 |
10 | Idanhense | 12 | 18 | 1 | 9 | 8 |
Esta é, de resto, uma opinião corroborada por Pedro Lima, o comandante do barco e treinador principal deste Fontinhas. O técnico de 46 anos, natural do Porto, mas a viver nos Açores há 22, já havia passado pelo clube na sua primeira época no CP, em 2019/20, mas, na altura, as coisas não correram de feição e apenas venceu um de dez jogos, acabando por sair a meio da época.
Ora, o que mudou tanto num curto espaço de tempo? Pedro Lima não tem dúvidas: «Mudou tudo [risos]. Para já, este grupo foi 99 por cento construído por nós. Eles sabem disso, e admitem eles próprios, tinham pouca qualidade para a competição o ano passado, não estavam preparados. Depois tivemos a estrelinha do Fontinhas, porque apareceu, infelizmente para a humanidade, a pandemia e fez com que o Fontinhas não descesse. Um ano depois até sobe. A diferença é quase total, não tem nada a ver.»
«É um grupo com atletas com uma personalidade e uma confiança neles mesmo abismal. Tudo isso bateu certo e está a dar no que está. O que os dados demonstram é que, neste momento, nós conseguimos ganhar a todos os adversários pelo menos uma vez, além de sermos uma das melhores defesas e um dos melhores ataques. Além da personalidade e de todas as características mentais que o grupo possui, o talento é que transforma os resultados nesses dados», explica-nos, destacando o caráter demonstrado pelos seus jogadores.
Ora, pode-se perguntar por que é que uma equipa voltaria a apostar num técnico que, a nível de resultados, deixou claramente a desejar na sua primeira passagem? É aí que entra o capitão da equipa, João Dias. Não, não estamos a falar de um caso como de um Mbappé ou astro mundial onde é um jogador a «decidir» quem o clube contrata para treinador, mas o médio de 27 anos já conhecia Pedro dessa primeira passagem e, apesar dos resultados, sabia que era a pessoa certa para o cargo, depois da mudança de mentalidade.
«Sempre falei muito bem dele e indiquei o nome do Pedro. Há três anos, no nosso primeiro ano de Campeonato de Portugal, as coisas não correram muito bem e o míster Pedro entrou a meio da época e notou-se uma diferença, sendo ele alguém com capacidade de liderar o grupo de forma diferenciada. Eu, como jogador, embora os resultados não demonstrassem, percebi que havia ali alguém para acreditarmos. Por isso, com outros argumentos, mudando o clube de política e com jogadores de mais experiência, além da equipa técnica, percebi que podia acontecer algo muito bom», explica-nos, entre risos.
Além de ser capitão, João Dias é natural de Praia da Vitória, tendo iniciado a sua ligação ao clube com apenas oito anos, onde fez a sua formação enquanto jogador e a sua estreia enquanto sénior. Teve uma pequena pausa, quando passou pelo Lusitânia dos Açores e pelo Beira-Mar, mas voltou ao «seu» Fontinhas em 2017 e fala desta subida com orgulho de um verdadeiro adepto.«É um orgulho enorme fazer parte deste grupo e fazer história com o Fontinhas. A verdade é que o clube a nível nacional não tem muita história e este ano atingiu um patamar que muita gente não estava à espera. Como capitão e adepto, é um orgulho enorme fazer parte desta história. Iniciei a minha ligação ao Fontinhas com oito anos, mas acompanhei o clube desde sempre, no Inatel, na Associação de Futebol da Angra do Heroísmo, participei na subida ao Campeonato dos Açores e, agora, à Liga 3. É um motivo de orgulho. Dar a conhecer um pouco o clube a nível nacional, que não tem esse reconhecimento, é muito bom. Para toda a gente que trabalha em prol do clube sem ganhar nada em troca é muito satisfatório», descreve.
O Campeonato de Portugal conta com dezenas de equipas de todo o país e o Fontinhas é uma das poucas que esteve nesta edição da prova pertencendo ao arquipélago dos Açores. Além disso, pertence a uma pequena freguesia e é um clube amador, sentindo, por isso, uma série de dificuldades.
Viagens longas e desgastantes - Pedro conta como, na última jornada, fizeram uma viagem de avião de duas horas para o Continente e a essa se seguiu uma outra viagem, de autocarro, de quatro horas até à Sertã -, poucos meios, dificuldades em conciliar atividades laborais, custos envolvidos num campeonato destas características... a lista é grande.
O presidente José Pacheco também não esquece as questões relativas às viagens e aos custos, até devido ao seu cargo, mas vai mais longe e explica como é que um clube tão «pequeno», embora apenas em tamanho, faz algo tão grandioso: «Defrontamos equipas com outras estruturas. Nós somos um clube de freguesia, que há quatro anos estava nas provas de ilha e em quatro anos passámos do Campeonato dos Açores, para o Campeonato de Portugal e, agora, para a Liga 3. Foi sempre a subir, mas tem sido com muito trabalho e dedicação da malta que trabalha no clube todos os dias. Estamos a dar o melhor todos os dias. Somos amadores, por isso não podemos dar e pagar a alguém para fazer o que certas estruturas têm. Nós é que confecionamos a comida para os jogadores, se a malta vem de fora – e temos aqui 11 jogadores que vêm do Continente e outros de variados países, como o Brasil e Guiné – alugamos casas para eles. Temos uma cozinha para eles comerem. São muitas dificuldades e só com amor à camisola é que se consegue isso.»
«Essa humildade e contexto familiar são fatores importantes para que o grupo se una e reme todo para o mesmo lado. Com um grupo unido e motivado é mais fácil chegar lá. Não falhamos com vencimentos de atletas. Os nossos jogadores foram jogar no dia 2 de maio ao continente e no dia 29 de abril já tinham o dinheiro na conta. Acho que todos estes fatores reunidos levam a que se consiga o sucesso», acrescenta.
Este cumprimento salarial foi, de resto, também referenciado por Pedro e João, que destacam que o clube nunca deixa que lhe falte nada, em grande parte devido ao amor que há na freguesia pela instituição e à entreajuda que têm a todo o momento.
«Por um lado, se os meios são poucos e existem dificuldades por ser um clube pequeno, por outro lado, ser pequeno também leva a que todos se conhecem e toda a população das Fontinhas trabalhe em prol do clube. Mesmo que alguém não faça parte da direção do clube, se alguém pedir algo, todos ajudam. Há uma coletividade da freguesia e para mim ir ao estádio e ver lá pessoas que eu nem sabia que gostavam de futebol enche-me de orgulho. Esta época, onde ganhámos mais do que perdemos, a relação foi crescendo e a população apareceu no estádio. Mas por outro lado já vivenciei épocas onde perdemos muito mais do que ganhámos e sempre senti o apoio. A perder ou a ganhar, a população das Fontinhas adere ao futebol», descreve o capitão do Fontinhas.
Pedro Lima concorda com o seu pupilo e destaca o ambiente que é criado no pequeno - lotação para apenas cerca de 500 pessoas - Campo Municipal Dr. Durval Monteiro, que «enche facilmente» e «as pessoas estão tipo liga inglesa, coladas ao campo», o que transparece a mítica ideia do «12º jogador quando começam a faltar forças à equipa.»
Entre os três entrevistados pelo zerozero, há uma coisa que parece certa: há confiança de que estarão na grande final do CP, no Estádio Nacional do Jamor, no próximo dia 5 de junho. Para que tal aconteça, o Fontinhas depende apenas de si. Atualmente no primeiro lugar da fase de subida da zona sul, com 17 pontos, os açorianos recebem o Pêro Pinheiro na última jornada e uma vitória garante a presença na final, mas o empate também pode chegar. Isto porque à mesma hora jogam, no Restelo, o Belenenses e o Moncarapachense, que têm 16 pontos cada. «Tudo» pode acontecer.
P | J | V | E | D | ||
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1 | Fontinhas | 17 | 9 | 5 | 2 | 2 |
2 | Belenenses | 16 | 9 | 4 | 4 | 1 |
3 | Moncarapachense | 16 | 9 | 4 | 4 | 1 |
4 | Sertanense | 11 | 9 | 2 | 5 | 2 |
5 | Pêro Pinheiro | 5 | 9 | 0 | 5 | 4 |
6 | Olhanense | 4 | 9 | 0 | 4 | 5 |
Agora, independentemente do que aconteça este domingo, é certo que teremos o Fontinhas na Liga 3 na próxima época e há promessas de dignificar a freguesia, o arquipélago, o clube e todos os que fazem «das tripas coração» para o sucesso da instituição.
Pedro Lima ainda não sabe o que o futuro lhe reserva, embora queira continuar, mas está confiante no sucesso na próxima época. No entanto, destaca que o «impacto que esta subida está a ter na ilha» e a nível do governo está a ser enorme «por causa de infraestruturas e da própria legislação que não foi prevista para estes casos», referindo-se aos subsídios que serão absolutamente necessários.
Já João Dias faz promessas de dignificar o clube do seu coração: «Queremos continuar com o ambiente que temos tido nas Fontinhas. Vamos entrar em qualquer jogo para vencer, sabendo que existe outro poderio, mas a garra do povo açoriano assim o exige. Vamos tentar fazer uma boa caminhada e dignificar o nosso povo e os Açores.»