Tal como a própria competição, a febre da Youth League ainda é recente. A edição de 2021/22 é apenas a nona, sendo que uma delas não foi concluída devido à pandemia da covid-19. No entanto, apesar da juventude da prova, pode dizer-se que já conquistou o coração de miúdos e graúdos.
Falamos de graúdos porque são vários os jovens que passaram pela Youth League e já chegaram às equipas principais, à Liga dos Campeões e até às seleções nacionais. Adama Traoré, Hudson-Odoi, Masoun Mount, Tammy Abraham, Diogo Costa e Vitinha são apenas alguns exemplos.
Se isso por si só não justifica uma maior atenção para esta competição, o facto de o FC Porto a ter conquistado, em 2018/19, e de o Benfica ter ido a três finais são ambos dignos de destaque.
Com os encarnados novamente presentes na final four da prova, que se vai disputar em Nyon, o zerozero foi conversar com João Brandão, treinador adjunto do Botafogo, ex-treinador da equipa do FC Porto na Youth League que atingiu pela primeira vez as meias-finais da prova, para perceber como funciona a competição e qual a importância para os mais jovens.
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zerozero (zz): Em primeiro lugar, para um treinador de equipas de formação, como foi a experiência de competir na Youth League, que no fundo é a Liga dos Campeões dos mais jovens?
João Brandão (JB): Foi uma experiência muito enriquecedora. Na Youth League temos o privilégio de disputar uma competição que tem uma visibilidade muito grande, com uma organização fantástica e que nos leva também a preparar jogos perante equipas com diferentes modelos de jogo, diferentes culturas. Nesse ano recordo que apanhámos algumas equipas com formas de jogar muito distintas daquilo que estávamos habituados a encontrar em Portugal, não só pelo nível qualitativo mas também pelos princípios que as equipas procuravam implementar no seu jogo. Foi extremamente enriquecedor preparar jogos desta dimensão, desta visibilidade e desta responsabilidade.
zz: Como é que se preparava um jogo destes? Nas competições internas, conheciam as equipas. Lá fora, uma vez que eram equipas de formação, não havia tanto conhecimento
JB: Dependia muito do país ao qual a equipa que íamos defrontar pertencia. Havia equipas com maior facilidade em conseguirmos informação e vídeos dos jogos para posterior análise e preparação do jogo, mas havia outros em que era mais difícil.
zz: Por exemplo...
JB: Recordo-me que para o Besiktas foi muito difícil encontrarmos informação, tanto de vídeos como análise do jogo. Havia uma diferença muito grande de jogo para jogo e de equipa para equipa. O envolvimento de todos à volta deste tipo de jogos era enorme, quer dentro do clube, quer também nas forças externas ao clube, nomeadamente ao nível da comunicação social. Depois os jogadores tinham também já eles um foco muito grande nesta competição. Às vezes o mais difícil era, no decorrer da competição interna, manter o foco e não ser um foco de instabilidade destas competições com maior visibilidade e com maior entusiasmo.
zz: Mas foi uma competição que veio acrescentar bastante à experiência de crescimento destes jovens.
JB: Sem dúvida. Os resultados estão à vista. Eu tive a oportunidade de estar presente num fórum que foi organizado pela UEFA, onde foram convidados todos os treinadores principais das equipas que estavam presentes na Youth League desse ano, e na altura foram apresentados números relativos à visibilidade da competição, até mesmo do ponto de vista financeiro, o retorno que a competição estava a ter e também onde é que esses fundos estavam a ser direcionados. Uma das palestras foi no sentido de conseguirmos perceber e seguirmos o rasto de todos os jogadores que tinham participado na Youth League até então. A competição era recente, mas já era bem visível uma percentagem enorme de jogadores que tinham participado na Youth League e que estavam a participar ou já tinham se estreado na Champions League, a nível interno ou a nível dos clubes com maior presença na Youth League, nomeadamente o FC Porto e o Benfica. Também já conseguimos ver e identificar jogadores que jogaram e competiram na Youth League e que competiram ou estão neste momento a competir na Champions League. Acho que isso é o maior de todos os objetivos que pode haver numa competição de jovem.
zz: Para os mais jovens, estar na Youth League, é quase como o último passo para chegar à equipa principal? Além do mediatismo de falarem à comunicação social, o nível de competitividade é diferente. Jogar com o Chelsea, até pelo nome "Chelsea", acrescenta valias aos jogadores jovens.
JB: Há aqui três fatores. O primeiro tem a ver com o nível qualitativo das equipas e dos jogadores. Indiscutivelmente que, na Youth League, o nível é muito alto e leva a um desenvolvimento muito grande da parte de todos. Pelas vivências e pelas experiências que eles vão tendo ao longo do percurso de preparação do jogo, depois do jogo e de reflexão do jogo. O segundo ponto tem a ver com o envolvimento do jogo, com as intervenções dos jogadores para a comunicação social, mas também o inverso. Aquilo que a comunicação social fala e promove relativamente aos jogadores e ao jogo. O terceiro fator tem a ver com aquilo que a UEFA se preocupou em fazer, que não é só um jogo.
zz: Como assim?
JB: Um jogo da Youth League tem toda uma preparação à volta do mesmo, que leva a que haja um contexto de seriedade muito grande. A viagem juntamente com a equipa principal para os jogos da fase de grupos e a presença da equipa no estádio para ver ao vivo o jogo da equipa principal também faz parte do protocolo dos jogos da Youth League. O convívio, o fair-play que é obrigatório a seguir ao jogo entre as equipas e a equipa de arbitragem. Depois também a visita dos jogadores e de todo o staff ao centro de treinos da equipa com o qual fomos jogar, ou seja, toda esta envolvência leva a que o jogo seja vivido de uma forma diferente e que haja experiências que ficam além daquilo que é vivido dentro das quatro linhas e contribui muito para o desenvolvimento dos jogadores.
zz: Quem chegava de novo estranhava todas estas coisas?
JB: Não direi que estranhassem porque eles passavam muita palavra uns aos outros e a vontade de participar era tão grande que o passa a palavra acontecia de uma forma natural. O que acontecia era que os jovens que participassem nas convocatórias e nas viagens para estes jogo, já eram conhecedores de tudo porque o entusiasmo à volta do jogo era tal que eles próprios queriam saber rapidamente como é que era e que tipo de experiências é que eles estavam a ter a possibilidade de ter.
zz: E como é que é preparar os jovens para uma competição como esta?
JB: Os jovens que participam nestas competições são jovens que jogam nas equipas mais fortes dos respetivos países. Logo também são jogadores que estão habituados a competições internacionais desde muito cedo. É frequente a presença das grandes equipas em torneios internacionais, mesmo nas idades mais baixas, por isso todas estas vivências vão construindo um puzzle, onde cada peça tem uma importância tremenda para que eles consigam atingir o sonho de todos e o objetivo de quem trabalha com eles. Eles têm de vivenciar cada dia, dar importância a cada momento e valorizar ao máximo porque um pormenor vai fazer a diferença. No futebol profissional, a exigência é muito alta e quem tem o privilégio de passar por estas experiências está mais preparado para conseguir atingir o seu sonho.
zz: Portugal tem cada vez mais história nesta prova.
Países | Presenças na final four |
Espanha | 9 |
Portugal | 6 |
Inglaterra | 5 |
Áustria | 3 |
Alemanha | 2 |
Itália | 2 |
Bélgica | 2 |
França | 1 |
Países Baixos | 1 |
Ucrânia | 1 |
JB: As presenças do Benfica e do FC Porto são constantes. Há equipas que repetem a presença, como o Chelsea e o Barcelona, também de uma forma regular, mas Portugal faz-se representar constantemente na fase mais importante da competição e isso não é por acaso. Acontece porque há um trabalho de qualidade nos departamentos de formação de todos os clubes portugueses e há uma dedicação muito grande também por parte de todos os treinadores portugueses que trabalham na formação.
zz: Porque é que acha que isso acontece?
JB: Em primeiro lugar porque é um trabalho de grande qualidade que é feito, não só nas equipas grandes mas em todo o departamento de futebol de formação em Portugal, ao nível das seleções, das associações dos clubes de menor dimensão, porque é aí que os grandes clubes vão recolher a matéria-prima que depois lhes permite ter este nível elevado nos últimos patamares de formação, como é o caso dos sub-19. Depois tem a ver com a qualidade do trabalho efetuado nas próprias equipas. O Benfica e o FC Porto, assim como o Sporting, são clubes que trabalham com muita qualidade e com um nível muito alto de exigência e de critério que leva que depois os resultados aconteçam de uma forma quase natural, visto que, do nosso ponto de vista, hoje em dia é normal vermos uma seleção nacional jovem a conquistar um título europeu ou mundial. É normal vermos a presença de uma equipa portuguesa numa final four ou numa final da Youth League, ou seja, quase que já olhamos para esses fatores como sendo algo normal e isso é fruto do trabalho que é efetuado.
zz: Mas depois não vemos isso a acontecer no futebol sénior.
JB: Aí já tem a ver claramente com a dimensão comercial e financeira que existe no futebol profissional. Acredito que se o Benfica tivesse hoje, na sua equipa principal, muitos dos jogadores que estiveram presentes nas finais da Youth League, seria uma equipa com capacidade para poder disputar um título europeu, assim como o FC Porto se conseguir manter, durante bastante tempo, ao ponto de conseguir maturar todos os jovens jogadores que estiveram presentes na final four e depois na final da Youth League também teria um nível competitivo elevadíssimo. Sabemos que, infelizmente, hoje em dia no futebol profissional o peso do dinheiro é tremendo e os jogadores também têm as suas ambições pessoais que os leva muitas vezes a abandonar os seus clubes prematuramente e isso impede que depois se consiga dar uma continuidade ao trajeto que é feito na formação e fazer esse transfere para o futebol profissional.
zz: Mesmo os próprios clubes mais ricos já olham para esta competição muito com uma ideia de mercado, não é?
JB: Sim. Na altura nós garantimos a presença na final four com uma vitória categórica frente ao Tottenham, fora, e recordo-me que na bancada estavam presentes cerca de duzentas pessoas a ver o jogo. Eu diria que metade eram scoutings e agentes. Na altura estava também a equipa técnica da equipa principal do Tottenham, orientada pelo Pochettino, que teve o cuidado de me vir cumprimentar no final do jogo e falámos um pouco sobre o jogo, mas, a título de curiosidade, percebemos que mais de metade dos presentes eram scoutings de clubes internacionais e agentes. Daí já conseguimos perceber a forma como hoje em dia se olha para este tipo de competições jovens. A necessidade de chegar primeiro vale muitos milhões e claramente os grandes clubes europeus tentam chegar primeiro de forma a gastar menos nos melhores jogadores.
2-2 | ||
Ange Chibozo 51' Riccardo Turricchia 73' | Martim Neto 3' Luís Semedo 10' |