Por vezes, há capítulos que se encerram de forma surpreendente. Terminados com suspense, para que possa ser contada uma história diferente e, quiçá, melhor. A título de exemplo, ninguém esperava que o Euro do último verão fosse o último torneio de Rui Patrício como titular na seleção nacional (e talvez não seja), mas o recente erguer de outra personagem - Diogo Costa - deixa algumas dúvidas acerca do caminho desta narrativa.
O atual jogador da Roma até atingiu a histórica marca das 100 internacionalizações na última janela internacional, e fez tantos minutos na fase de qualificação como os restantes guarda-redes em soma, só que na hora da decisão, no infame play-off, Fernando Santos optou por deixar o guardião centurião no banco e deu a titularidade ao jovem do FC Porto nos dois jogos.
Dado que a resposta foi positiva, levanta-se a questão: terá sido esta uma oportunidade para avaliar outras opções, ou acabámos de testemunhar o início de uma nova era, com Diogo Costa a defender as redes de Portugal? Sem conhecer a resposta certa, que só um engenheiro responsável saberá, o zerozero procurou a opinião de ex-guarda-redes que já foram donos da baliza lusa.
Quim e Alfredo são dois nomes que dispensam apresentações. São ambos raros exemplos de fama monónima, ambos ex-guarda-redes da seleção nacional que, por curiosidade, representaram cores rivais às de Diogo Costa (Quim no Benfica e Alfredo no Boavista) e que, através do nosso jornal, deixaram elogios à qualidade do jovem guarda-redes.
«Eu sinceramente não estava à espera da chamada nestes jogos, porque o Rui [Patrício] é um dos melhores do Mundo, mas o que é certo é que ele entrou e mostrou-se presente e tudo o que fez ele fez bem. Notou-se que a equipa estava com ele. Às vezes sente-se um pouco de ansiedade do guarda-redes com a defesa, sabemos que tem de haver muito entrosamento, mas o Diogo não teve problemas», atirou Quim, atualmente treinador de guarda-redes no Tirsense.Convidado a responder à questão que nos atormenta, Quim deixou uma opinião forte: «Não vejo estes jogos como um teste. Penso que ele está preparado para ser titular no Mundial.»
«As qualidades estão lá, mas penso que o FC Porto estava a demorar um bocadinho a colocá-las à prova», comentou Alfredo, ex-internacional português que esteve no Euro 96. «É um guarda-redes muito calmo, um elemento que dá total confiança a toda a equipa. Ele é bastante rápido e muito forte com os pés. Pressão? Ou és ou não és. Isto é, ou tens qualidade ou não tens. Ele teve uma oportunidade e agarrou-a.»
Esse período em que Alfredo sentiu que o talento de Diogo Costa não era aproveitado, motivou o atual treinador de guarda-redes do Boavista a tentar recrutar o jovem dragão. Caso tivesse sido bem-sucedido, a história podia ser bem diferente:«Ele é um guarda-redes de eleição que eu queria na minha equipa. Aliás, quando ele não estava a jogar, ainda abri uma hipótese de convencê-lo a vir pôr à prova as qualidades dele, porque na idade que ele tinha, sem jogar, podia arruinar a grande carreira que podia ter. Empréstimo? Fosse o que fosse. Queríamos trabalhar com ele e ver o que ele está a mostrar agora. Estamos a ver que ele tem qualidade e só estava à espera de uma oportunidade num nível superior.», revelou.
Também Alfredo, que pela seleção jogou em apenas três ocasiões, acredita que a continuidade de Diogo Costa no onze é o cenário provável: «Eu penso que o Fernando Santos vai dar continuidade ao trabalho que fez agora com o Diogo. Depois destes dois jogos pela seleção, eu penso que o caminho está aberto para ele continuar a mostrar a qualidade dele. Acredito que será aposta.»
Outra coisa que estes dois ex-guardiões têm em comum é o facto de se terem dedicado ao treino de outros guarda-redes, ofício que se nota nas suas palavras. Se Quim diz que Diogo ainda «tem muito para aprender», Alfredo fala em «algumas arestas para limar». Ambos destacaram também a concentração, importante num guarda-redes que vai ser chamado a intervir com os pés mais vezes do que com as mãos.
«Primeiro o Diogo tem de se preocupar com fazer o melhor em cada jogo, porque irá errar muitas vezes. Aí é que se vê o guarda-redes que vai ser: depois do erro, a reação que se tem é importante. Um guarda-redes tem de estar preparado para o erro porque enquanto um jogador da frente pode falhar passes e golos, um guarda-redes sabe que pode comprometer a equipa. O importante é a equipa sentir-se segura com o guarda-redes e o guarda-redes sentir-se seguro com a linha defensiva.»
As perguntas do início deste artigo ficarão por responder até à próxima janela internacional, talvez até mesmo ao primeiro jogo no Catar, mas é certo que a mudança de ciclo é uma possibilidade forte. Antigos donos da baliza lusa estão prontos para ver o testemunho voltar a mudar de luva, resta apenas saber a visão de Fernando Santos.
2-0 | ||
Bruno Fernandes 32' 65' |