Futebol, taekwondo, natação, atletismo, hóquei… Oleg Reabciuk experimentou vários desportos durante a infância até que perdeu a motivação para tudo, menos para o futebol. Tinha 13 anos.
Começou no Sporting, passou vários anos no NS Rio Maior e cumpriu o primeiro ano de júnior no Belenenses. O clube que mudou a sua vida. Os azuis brilharam na fase de apuramento de campeão e Oleg ganhou o passaporte para o FC Porto.Passou pelos juniores e equipa B dos dragões, tendo chegado até a cumprir a pré-temporada de 2018/19 junto dos graúdos, sob a orientação de Sérgio Conceição, mas a estreia na equipa principal dos azuis nunca aconteceu. Pelo meio aceitou o convite para representar a seleção da Moldávia, país que o viu nascer e partir para Portugal com apenas quatro anos. Não se arrepende.
Seguiu-se Paços de Ferreira, onde uma época e meia foi suficiente para mostrar argumentos para convencer Olympiacos e... FC Porto. Deixou o coração de lado e decidiu emigrar. É hoje o jogador mais utilizado por Pedro Martins no campeão helénico e abre a porta ao zerozero para uma viagem pela carreira.
zerozero (ZZ): Kalispera. Óla kalá?
Oleg Reabciuk (OR): Isso é: boa tarde, tudo bem? [risos]
ZZ: [risos] Como está o seu grego?
OG: Por acaso, uma coisa que me admirou muito aqui, até mesmo o pessoal mais velho, todos falam bem inglês, então não me arrisco muito no grego e tenho-me safado.
ZZ: Já passou um ano desde que se mudou para a Grécia. Qual é o balanço?
OR: É um balanço muito positivo. Consegui estrear-me nas competições europeias, fui campeão e fomos à final da Taça. Este ano estamos bem no Campeonato e passámos ao play-off da Liga Europa. Penso que está a correr dentro dos objetivos que tinha traçado.
ZZ: Foi tudo ao encontro das suas expectativas desde o primeiro dia?
ZZ: Saiu do Paços de Ferreira a meio da temporada 2020/21 e começou logo a jogar no Olympiacos. Que diferenças sentiu ao nível do jogo?
OG: O campeonato é muito diferente. Estou numa equipa que tem maioritariamente bola, as outras defendem mais baixo e temos de ir atrás do resultado. O pensamento é: ganhar, ganhar e ganhar. No Paços íamos jogar fora e o empate, por vezes, chegava. Aqui não serve. Ainda assim, no Paços até procurávamos ter bola e conseguimos grandes resultados.
ZZ: Como são os jogos contra PAOK, AEK…
OG: Por exemplo, uma semana ou duas antes de um jogo contra o Panathinaikos, que é um dos nossos grandes rivais, acontece saíres para ir ao supermercado e começam logo a meter aquela pressão. As pessoas dão aquele aviso para não facilitarmos. Lembro-me que quando cá cheguei já tínhamos 15-16 pontos de avanço, mas perdemos com o Panathinaikos e mesmo assim foi uma derrota sentida como se perdêssemos o campeonato. Num dos últimos jogos contra eles o jogo até esteve interrompido durante 15 minutos por causa da pirotecnia. Ambiente incrível.
ZZ: Como é vivida essa atmosfera dentro de campo?
OG: Sinceramente, gosto de sentir esse ambiente, mesmo jogando fora, quando temos tudo contra nós. Mas quando o jogo começa desligo completamente e consigo focar-me completamente no jogo. Estar 1 ou 1000 pessoas não me faz diferença.
ZZ: É mesmo muito diferente daquilo que estavas habituado em Portugal?
ZZ: Sentes que essa exigência reforçou a tua mentalidade competitiva?
OG: Claro. Ficamos mais bem preparados. Não há tanta margem para erro. Obriga-nos a não facilitar. Sabemos que temos de estar fortes.
ZZ: É o jogador do Olympiacos com mais jogos e mais minutos esta época, com mais 400 minutos para o segundo [o guarda-redes Vaclik]. Tem explicação?
OR: Sinto-me muito bem. É importante a saúde. Sinto que um dos meus pontos fortes é a resistência e tenho-me aguentado bem todos os jogos, sem dores. Acho que isso é o mais importante. Depois é a aposta do treinador que me faz sentir confiante e feliz, sinto que confiam em mim e no meu trabalho.
ZZ: Como tem sido trabalhar com o mister Pedro Martins?
OR: Acho que temos uma relação boa e de confiança. Desde a minha chegada que confiamos um no outro. É um treinador experiente, muito competente e que nunca deixa a equipa cair. Os resultados acho que são a maior prova de tudo isto.
ZZ: Como funcionam enquanto grupo? Estamos a falar de uma equipa composta por jogadores de várias nacionalidades.
OR: Somos um grupo muito unido. Todos dão uns toques no inglês. Agora claro que ajuda ter cá alguém que também fale português. Tive o Semedo, o Tiago [Silva], o [José] Sá, o Pêpê… Agora o Tiquinho. Para mim que vivo sozinho, ter alguém que fale português é sempre muito bom. Ajuda-me a sentir melhor num país que não é o nosso.
ZZ: Um dos próximos grandes desafios é o play-off da Liga Europa frente à Atalanta, que também tem feito um bom caminho na Europa nos últimos anos. Qual é o objetivo?
OR: Sabemos que não será fácil. A Atalanta tem feito grandes coisas na Europa, mas o Olympiacos também é uma equipa muito perigosa na Europa. Há dois anos eliminaram o Arsenal, no ano passado fizemos grande campanha, mas acabamos eliminados pelo Arsenal. Acho que vamos lutar para ganhar. Sabemos que é difícil, mas não nos vamos pôr como se ganhar fosse um milagre. Temos de ser inteligentes. Temos capacidades para passar.
ZZ: Nasceu na Moldávia, mas mudou para Portugal aos quatro anos. Algumas memórias desse tempo?
OR: Tenho plena noção de tudo, de como fui para o jardim de infância, tenho uma irmã um ano e meio mais velha e ia com ela para a escola, e recordo-me que adaptei-me muito fácil. Como era novinho comecei a fazer amigos muito cedo.
ZZ: Portugal é hoje também o seu país. Muitas saudades de Rio Maior?
OR: Sinto muitas. O sítio onde me sinto realmente em casa é em Portugal, onde tenho tudo. Família e amigos, mas temos de saber lidar, porque faz parte do nosso trabalho. Sempre que posso vou aí ou os meus pais vêm cá.
ZZ: Como aconteceu o primeiro contacto com o futebol?
OR: Quando era novo, era aquele tipo de rapaz que fazia vários desportos e não levava o futebol muito a sério. Até jogar futebol mais a sério, aos 12-13 anos, andava no futebol, taekwondo, natação, atletismo, hóquei… Por volta dos 13 é que decidi que queria jogar só futebol. Os outros desportos já não me motivavam.
ZZ: Passou pelo Sporting, Rio Maior e depois vai para o Belenenses, onde se cruzou com André Franco [Estoril], Heriberto Tavares [Famalicão], Pedro Marques [Famalicão]. Uma belíssima equipa, não?
OR: Sim, sim, tínhamos mesmo muito boa equipa. Na altura talvez nem tivéssemos essa noção, mas a verdade é que os resultados falaram por si. Fomos à fase final, talvez tenha sido a época que mudou a minha vida. Jogava no Belenenses e ainda estava na dúvida se ia jogar ou estudar, ainda não era profissional, depois é que surgiu a possibilidade de ir para os sub-19 do FC Porto.
ZZ: Como surgiu essa oportunidade?
OR: Sei que me ligaram no verão. Estava de férias, andava por Rio Maior com um amigo meu e até pensei que estavam a gozar comigo: ‘ah, é tanga' [risos]. Disseram-me que era mesmo a sério e queriam que eu fosse conhecer a cidade, Museu e isso tudo, e lá fui.
ZZ: Foi aí que se deu o clique para o futebol profissional?
OR: Foi exatamente nesse momento que percebi que tinha uma oportunidade para agarrar, para realmente poder fazer vida do futebol.
ZZ: Vai para o Norte…
OR: Sim, fui viver para a Casa do Dragão.
ZZ: Como foi viver na Casa do Dragão com outros jovens?
ZZ: Quem fazia mais partidas?
OR: Normalmente os mais velhos é que tinham moral. Eu era dos mais velhos, mas tinha acabado de chegar e não tinha essa moral [risos]. Lembro-me que estava comigo no quarto o Xavi [António Xavier], ele também gostava de fazer as partidas dele. Aquilo eram quartinhos seguidos e metíamos uma coluna escondida no hall de entrada e íamos para o Youtube meter sons de espíritos [mais risos]. Depois lá andava o segurança para cima e para baixo à procura da coluna. Momentos que não se esquecem e que não os trocaria por nada.
ZZ: Durante a formação vários colegas foram ficando pelo caminho. Como foi acompanhar esse processo?
OR: Às vezes, podes ser 100% focado e a parte futebolística não estar lá ou vice-versa. Nessa idade, o conselho que dou é que não se foquem apenas numa coisa, porque nada é certo. Quando fui para o FC Porto já tinha o secundário feito e tinha um plano B. Os meus pais também sempre me meteram os pés bem assentes no chão. No fundo, estava a arriscar tudo, mas sabia que tinha um plano B. Nessas idades temos de saber que nem tudo corre como nós queremos.
ZZ: Não conseguiste estrear-te de forma oficial pela equipa principal do FC Porto, mas tiveste a oportunidade de fazer uma pré-época ao lado de Casillas, por exemplo. Que ensinamentos levaste dos anos no FC Porto?
OR: Foi incrível. Gostei muito. Na minha cabeça tinha a ambição de ficar, mas é o que é. Sabia que corria o risco de as coisas não correrem como eu queria. Não aconteceu, não consegui ficar esse ano na equipa principal, fui para a equipa B novamente e acho que o futebol é mesmo assim. Por vezes não vai pelo caminho que queremos, mas não podemos desistir. O futebol passa rápido, não há tempo para pensar no que poderia ter sido.
ZZ: Nessa altura surge a oportunidade de representar a seleção da Moldávia. Recorda-nos como surgiu essa hipótese.
ZZ: No fundo sentiste que a porta estava fechada num lado e aberta no outro…
OR: Lá no fundo, a Seleção é parte importante, mas sabia que a minha carreira seria feita a partir de clube e não de Seleção. Não dei essa prioridade na Seleção e preferi focar-me no clube, para ter a visibilidade suficiente para me impor no futebol profissional.
ZZ: Além da seleção, qual a sua ligação à Moldávia nos dias que correm?
OR: Tenho família: tios e primos. Falamos algumas vezes por FaceTime. Mas se me perguntas se vou lá muitas vezes, só costumo lá ir para jogar pela Seleção. Normalmente nas ferias aproveito mais para ir a Portugal.
ZZ: A ida à seleção ajuda-te a estares com essa parte da família…
OR: Sim, sim. E sinto que eles ficam orgulhosos em ver-me a representar a seleção do país onde nasci.
ZZ: Voltando aos clubes. Sais do FC Porto para seguires para Paços de Ferreira. Foi fácil?
OR: Na altura senti toda a confiança por parte do Paços e sabia que era um passo para cima. Estava a jogar Segunda Liga e ia jogar Primeira Liga, num clube com boas condições e pessoas sérias. Rapidamente meteram-me à vontade. Senti que me queriam lá e não me enganei em nada. Num ano e meio senti-me muito bem e será sempre um clube muito importante para mim. Foi o clube que acreditou verdadeiramente em mim para a Primeira Liga. Clube que me lançou para um futebol mais de topo.
ZZ: Antes da mudança para a Grécia, foi público que o FC Porto manifestou interesse em exercer o direito de opção para a recompra do seu passe. O que se disse também foi que tu rejeitaste essa possibilidade. Conte-nos a sua versão.
OR: O FC Porto tinha direito de preferência, eu tinha opção de ir para o Olympiacos em janeiro ou então ir para o FC Porto só no verão. Eu analisei bem, com representantes, família e o meu próprio feeling. E senti que as pessoas no Olympiacos queriam apostar de forma mais forte em mim. Senti essa confiança e penso que foi a opção mais acertada…
ZZ: Não houve nenhum momento de hesitação?
OR: Claro que não é uma decisão fácil. Mas na altura não podia pensar com o coração ou pelo conforto. Seria mais fácil ficar no Porto, pertinho de casa. Mas o futebol passa rápido, não podemos pensar só no conforto e temos de pensar de forma profissional. Senti que aqui ia ser mais aposta e tomei a decisão que tinha de tomar.
ZZ: Nota-se que não é uma pessoa de arrependimentos…
OR: Tento pensar em coisas que me possam ajudar, agora pensar no que poderia ter acontecido não vale de nada porque já não dá para voltar atrás. Temos de estar focados onde estamos e no que estamos a fazer, se não, não estamos aqui nem no outro lado.
ZZ: Como perspetiva o futuro?
OR: Estou num clube onde tenho todas as condições para estar bem e feliz. Estou longe de pensar que estou no ponto máximo onde quero estar, mas não massacro a cabeça com o que poderá ser. Penso em jogar e em estar bem de saúde.
ZZ: O que gostaria de nos contar daqui a um ano?
OR: Nunca menos do que aquilo que conquistei. Ou seja, vencer a liga, ganhar a Taça e ir o mais longe possível da Liga Europa. É um sonho do clube e dos adeptos. Todos têm esse sonho e teremos de dar o nosso melhor.