Em fevereiro, o SC Braga vai conhecer um xerife que muito faz para ganhar a sua dose de respeito. Ainda com jurisdição reduzida, fruto de um conflito geopolítico do qual é símbolo maior, mas com ambição que condiz com as suas infraestruturas e resultados recentes.
Trata-se do hexacampeão da Moldávia, que traz pouco ou nenhum orgulho a esse povo por preferir representar a região da Transnístria, que se autoproclamou independente em 1990 e desde aí existe de acordo com as suas próprias regras. Com outra língua, moeda e bandeira, bem como governo, exército próprio e motivos de foice e martelo espalhados pelas ruas.
A sorte ditou que o adversário dos comandados de Carvalhal fosse este Sheriff, de uma liga que ocupa o 33º lugar nos coeficientes europeus e especificamente um clube que se destacava como o mais apetecível, de longe, entre os potenciais adversários dos minhotos. Mas será «sorte» a palavra apropriada?
Partindo do princípio que é um interesse por futebol e acesso à internet que traz o leitor aqui, assumimos de que já ouviu falar desta equipa. Se não antes, certamente passou a conhecer depois do fabuloso início da fase de grupos nesta edição da Liga dos Campeões, na qual os «moldavos» - se assim os podemos chamar sem ofender dois grupos distintos - começaram por vencer o Shakhtar (2x0) antes de um lendário triunfo no Santiago Bernabéu.
Ainda assim, é possível que não esteja a par de muitas das coisas que tornam esta equipa única. Fundado em Tiraspol, capital dessa região além rio Dniestre, o Sheriff é uma instituição que destoa no país mais pobre da Europa, que prefere desportos de combate e demonstrações gratuitas de força em detrimento do futebol.
«É um país muito pobre», contou ao zerozero José Guedes, jogador que hoje soma minutos na distrital de Bragança, mas que iniciou a sua carreira sénior neste clube peculiar.
«O que fazia mais confusão quando cheguei é que para passar para Tiraspol era preciso passar o passaporte novamente, porque aquilo era na Transnístria. É mesmo como se fosse uma cidade à parte, que até tem polícia diferente», contou, referindo-se ao facto da força policial na cidade ser russa e não moldava.
Para além do clube de futebol, Sheriff detém um canal de televisão, cadeias de supermercados, gasolineiras e inúmeras agências e fábricas. Uma espécie de monopólio, com um ventríloquo que todos conhecem: Viktor Gusan, o ex-agente do KGB que dizem controlar Tiraspol a nível político, com esse dinheiro, alegadamente adquirido por meios ilegais, a originar 60 por cento da economia local.
Guedes não viu diretamente esse lado do dirigente, mas as histórias correm o Mundo: «O Gusan é o presidente, é o que eu sei porque eu na altura também era novo no clube. Sempre ouvi falar disso por colegas, mesmo antes de ir. Tinha um colega moldavo na formação do SC Covilhã e ele falou-me [dele], mas não estive lá tempo suficiente para conhecer essa realidade do clube. Foi só um ponto de passagem».
Já tinha estado na Roménia, nas camadas jovens do Dinamo Bucuresti, e como tal «já sabia falar mais ou menos o romeno», uma língua que em muito se aproxima daquela que é falada na Moldávia. Existe, no entanto, a exceção da Transnístria, onde a língua oficial - tão oficial quanto pode ser num território cuja independência não é reconhecida - é o... russo.
O talentoso jovem oriundo dos sub-19 do Manchester United rumou ao Sheriff por convite de Alex Leandro, ex-companheiro de equipa em Bucareste que virou empresário, mas a temporada não foi fácil para o português. Foi, aliás, a «mais complicada da carreira» para Guedes, que se lesionou no início e não contribuiu muito para uma equipa que nesse ano esteve na fase de grupos da Liga Europa. O que Guedes não esquece são as condições de topo que encontrou, que tanto contrastavam com o cinzento monocromático da restante cidade:
São três estádios: um para as competições domésticas, um completamente coberto e outro com um estilo mais ocidental, utilizado principalmente nas competições europeias, para além de mais de uma dezena de relvados. Um hotel, restaurantes, hospital, ginásios.
É uma pequena cidade futebolística, no seio de uma cidade real que mais parece saída de um romance distópico. Esta imagem de um clube rico numa cidade pobre é um dos motivos que levam o Sheriff a ser tão pouco apreciado na Moldávia. Havia jogadores que até preferiam viver em Quichinau, a capital, fazendo frequentemente a viagem de cerca de 1h30 de carro.
Já houve portugueses a jogar no Sheriff, quatro, na verdade, mas em fevereiro haverá pela primeira vez Sheriff em Portugal. Um sorteio favorável ao SC Braga, que vem com um aviso evidente: os sete pontos conquistados num grupo difícil da Liga dos Campeões - os minhotos, recorde-se, fizeram 10 num grupo acessível de uma competição menor.
«O futebol moldavo não é muito evoluído, mas hoje o Sheriff é uma equipa mais competitiva. Antes tinha problemas na Europa também porque o campeonato não era muito aliciante. Não dá para chamar jogadores de renome, mesmo que haja dinheiro, mas é possível que isso tenha melhorado», admite Guedes
Este Sheriff, que se quer europeu, vai tentar pôr portugueses na linha. Para evitar um desfecho menos feliz, gverreiros tentarão impor a sua lei.
2-0 | ||
Sebastien Thill 43' (g.p.) Adama Traoré 83' |