Royale Union Saint-Gilloise, Union SG, USG ou simplesmente ‘Union’ na linguagem coloquial. É em Bruxelas que mora o mais recente e excitante caso de estudo do mundo do futebol, pois lidera, de forma surpreendente, a Liga Belga. E avisamos desde já: há quem o intitule de «clube mais histórico» da Bélgica. Na verdade, o mais antigo é o Royal Antwerp, fundado em 1880, mas o Saint-Gilloise não anda muito longe do top, uma vez que nasceu 17 anos mais tarde.
📊 Seul en tête après 12 journées ! 🙌 pic.twitter.com/ALpEAfgzXr
— Royale Union Saint-Gilloise (@UnionStGilloise) October 25, 2021
É óbvio que, para muitos, falar de futebol belga é falar, essencialmente, de Anderlecht e Club Brugge, sendo que o primeiro até tem o dobro dos títulos do segundo (34 para 17). Agora questiona-se: a seguir vem o Standard Liège? Lamentamos informá-lo, mas está completamente errado. A fechar o top-3 vem, precisamente, o St Gilloise… Com 11 títulos.
Recuando para o início do século XX, sobretudo entre 1903/04 e 1934/35, o domínio do USG foi evidente e basta ler o primeiro parágrafo da secção ‘história’ do seu website: «O nosso clube foi fundado em 1897 e ganhou o primeiro de 11 títulos de campeão belga em 1904. Entre 1933 e 1935, a equipa esteve 60 jogos consecutivos sem perder, um recorde ainda imbatível na Bélgica. Em inícios do século XX, o clube teve um período dominante em algumas das suas primeiras competições europeias».
Contrastando com o agora moderno centro de treinos, o Stade Joseph Marien é uma autêntica relíquia. Construído ainda na I Guerra Mundial e inaugurado em 1919, o estádio alberga máximo de oito mil adeptos e tem uma beleza muito própria. Estilo vintage, com cadeiras de madeira na bancada central e uma paisagem florestal em redor, criando um cenário único. Alex Muzio comparou-o a Goodison Park (estádio do Everton) e garantiu que é «um dos mais bonitos que alguma vez viu», ao passo que Burgess foi mais longe: «O estádio parece saído da era Romana, assemelha-se a um bocado a um anfiteatro. Os caminhos e as escadas vão até à floresta».
Durante essa altura, e comandado pelo emblemático André Vandeweyer (antigo guarda-redes da seleção), o Union ganhou a alcunha de ‘Union 60’ devido à impressionante sequência sem derrotas e forneceu vários jogadores à seleção principal do país, cimentando um domínio desconhecido para a maioria que é, de certa forma, compreensível. Após o último título em 1934/35, o St. Gilloise foi paulatinamente caindo para um lugar mais sombrio, tanto que, em 1963, desceu para o segundo escalão e, a partir daí, a derrocada só parou nas divisões inferiores.
Depois de longos anos longe da ribalta, o clube voltou ao futebol profissional em 2015 e foi crescendo com base num projeto sustentável. Há cerca de três anos, Tony Bloom, presidente do Brighton & Hove Albion, da Premier League, tornou-se no acionista maioritário e entregou as chaves da supervisão ao seu amigo e parceiro de negócio Alex Muzio, principal responsável pela monitorização diária.
«Em termos de filosofia, eles [os treinadores] gostam de construir desde trás e jogar um futebol entretido com pressão alta. Somos uma equipa virada para o ataque e que marca golos, mas que é, ao mesmo tempo, muito organizada», disse, ao portal Goal, o inglês Christian Burgess, que aceitou sair da sua zona de conforto para integrar um projeto novo e «aliciante» como um dos mais experientes do plantel.
Essa ideia arrojada deu para colher frutos na época passada e, por esta altura, ninguém é capaz de o negar. Olhe-se para a tabela classificativa e veja-se o St.Gilloise sentado no trono, com mais dois pontos que o Club Brugge, quatro do que o Royal Antwerp e cinco do que o Anderlecht: tudo isto sem vedetas e sem «egos», segundo Burgess. Aliás, o mais cotado a nível internacional é Anthony Moris, guarda-redes internacional por Luxemburgo que jogou recentemente contra Portugal para a fase de apuramento para o Mundial 2022, num plantel onde também está o marfinense Lazare Amani, ex-Estoril. Em relação a números, a dupla Undav-Vanzeir é responsável pelos golos desde a temporada transata e continua a dar que falar, tal como o japonês Kaoru Mitoma (cedido pelo Brighton), autor de um hat-trick diante do RFC Sérésien.
Mesmo havendo um investimento lógico por trás, a política de contratações é feita à base de empréstimos, contratações a custo zero e na margem de progressão de jovens jogadores. Veja-se os casos de Matthew Sorinola (ex-MK Dons) e Marcel Lewis (ex-Chelsea), ambos ingleses e com 20 anos. Outro exemplo é Pedro Paulo, angolano de 19 anos, que rumou ao clube em 2020/21 ao sair dos juvenis do SL Benfica.
Em conversa com o zerozero, o jovem centrocampista explicou porque deixou os encarnados para rumar ao emblema belga: «O projeto é excelente e dá oportunidade aos jovens jogadores de se mostrarem, sejam eles da formação ou não».
Pedro Paulo salientou, ainda, que «o trabalho de equipa» tem sido fulcral para o momento atual e explicou: «Não temos uma política de contratações fixa. O certo é que somos uma família e suportamo-nos dentro e fora do campo».
Segundo o médio, «o objetivo é a manutenção», mas, por esta altura, tudo é um sonho e tudo é possível: título, competições europeias ou permanência. O certo é que o St.Gilloise está a espantar o mundo... E, provavelmente, a si próprio.