Parte I - Do inter-freguesias em Águeda ao primeiro ordenado: «Assinei e gastei tudo em poucos dias»
Parte III - «Seleção? Sei que faço parte da lista dos que têm qualidade para serem chamados»
Após um ano na Escócia, onde teve a oportunidade de conhecer, partilhar balneário e jogar ao lado de Bruno Alves, referência na posição de central para os jovens portugueses, Fábio Cardoso regressou a Portugal pela porta do Santa Clara.
O projeto dos açorianos, então recém-promovidos ao principal escalão do futebol português, sobrepôs-se a propostas financeiramente mais vantajosas de outros clubes no estrangeiro e a escolha pelos encarnados de Ponta Delgada teve os seus frutos: o Santa Clara realizou a melhor temporada da sua história na Primeira Liga.
Se a época correu bem a nível coletivo, em termos individuais dificilmente poderia ter sido melhor. Titularíssimo na equipa de João Henriques, seis golos e o seu nome associado a Benfica e FC Porto.
A cumprir o segundo de quatro anos de contrato, Fábio Cardoso diz sentir-me muito feliz nos Açores e no Santa Clara, mas não esconde a ambição de dar o salto.
ZZ: A tua primeira e única experiência no estrangeiro até à data foi na Escócia com o mister Pedro Caixinha. Tiveste ainda a oportunidade de conviver com o Bruno Alves. Como foi?
FC: Estamos a falar de uma realidade diferente, mas foi muito bom. Tive a sorte de jogar os jogos todos até me ter lesionado, e depois tive de parar algum tempo. Foi a experiência que me fez evoluir mais. Por ter a sorte de partilhar balneário com o Candeias, o Dálcio e o Bruno. O Bruno mais pela posição e por ser alguém já com uma carreira bonita. Aquilo que ele me ensinou foi o que me fez evoluir mais...
ZZ: E como é viver lá? Existe a ideia de que é um país algo cinzento...
FC: Chove bastante, mas as pessoas são muito alegres. Gostei muito. Glasgow é uma cidade lindíssima. Foi dos sítios onde mais gostei de viver.
ZZ: Tinhas mais dois anos de contrato com o Rangers, mas acabaste por regressar a Portugal. Como tudo aconteceu?
FC: Os primeiros seis meses foram muito bons, mas depois da lesão... Foi também a altura em que o Caixinha saiu… Eu estava para ser operado, tive de esperar… Foi a fase da minha carreira em que estive sem competir durante mais tempo e foi complicado. Não foi fácil estar longe dos meus e ainda por cima sem competir.
ZZ: A tua confiança caiu a pique...
FC: Foi, foi... Não jogava há muito tempo e sentia que o mais importante era jogar, mais do que estar num grande clube ou numa realidade financeira completamente diferente. Falei com o meu empresário e achamos que o melhor seria sair do que ficar lá simplesmente para cumprir o contrato.
ZZ: Nada melhor do que regressar ao teu país...
FC: Achamos que o melhor era vir para Portugal para uma Liga que conheço bem, uma Liga onde tive sempre sucesso e fiz boas épocas, em vez de ir em busca de algo no estrangeiro onde pudesse receber mais dinheiro. Sei que foi o passo certo.
ZZ: Hoje é fácil olhar para trás e perceber que foi o passo certo, mas naquela altura tinhas noção de que o Santa Clara poderia fazer a temporada histórica que fez?
FC: Nós sempre acreditamos. Já tinha jogado com o Zé Manuel e com o [Thiago] Santana no Vitória. Quando se falou na possibilidade de vir para Portugal houve outras equipas interessadas, mas o Santa Clara foi quem fez o esforço maior e quem demonstrou mais vontade. E se houve coisa que realmente aprendi com a minha ida para a Escócia é que nós devemos estar onde nos querem. Quando me explicaram o projeto, percebi logo que era aquilo que eu precisava naquela altura.
ZZ: E como é a vida nos Açores? Com viagens frequentes...
FC: É mais desgastante jogar numa ilha pelas deslocações. Mas é bom viver na ilha. Temos um grupo muito bom. E como a maioria está longe da família, acabamos por estar mais tempo juntos. Aqui somos a família uns dos outros e acho que essa é a imagem que passamos para dentro de campo. Quer corra bem ou mal, é assim que vamos estar até ao fim.
ZZ: Sentem que representam não só o clube, mas toda uma região...
FC: Sem sombra de dúvidas. Representamos não só o clube, não só a ilha de São Miguel, mas todas as ilhas e região dos Açores. Representamos os açorianos e temos isso bem presente quando entramos em campo.
ZZ: Terminas a temporada passada com seis golos marcados. O que levou a este registo?
FC: Nós temos muito bons executantes de bolas paradas e treinamos muito essas situações para que corram bem nos jogos. Eu tive a sorte de fazer alguns golos, mas explica-se tudo com a intensidade que colocamos no treino. Somos das equipas mais perigosas nas bolas paradas. É um dos nossos pontos fortes.
ZZ: Voltaste a mostrar aos portugueses as tuas qualidades e chegou a falar-se de um possível regresso ao Benfica ou até de uma eventual ida para o FC Porto. Chegaste a ser contactado? O que é que aconteceu realmente?
FC: Da minha parte não, não sei se falaram com os meus agentes, mas duvido. Se tivesse sido algo concreto tinha chegado até mim. Nessa altura, em que até tive dois/três jogos menos conseguidos, disse-lhes que só queria saber se fosse alguma proposta concreta. Não queria saber de interesses. Os meus empresários sabem quais são os meus objetivos e confio neles. Não foi o caso. Nem do Benfica, nem do FC Porto...
ZZ: E quais são esses objetivos?
FC: É sempre bom ver o nosso trabalho ser reconhecido, claro, sobretudo por duas grandes equipas do nosso futebol. O objetivo é ajudar a equipa, garantir a manutenção e a longo prazo é dar o salto. Mas tento não pensar muito nisso. É ir jogo a jogo. O resto acontece naturalmente.
ZZ: Bateram o recorde de pontos da história do clube na Primeira Liga. Qual o momento mais marcante da temporada passada?
FC: Perdemos o primeiro jogo do Campeonato na Madeira e depois recebemos o SC Braga em casa. Estávamos a perder 0x3 ao intervalo e conseguimos empatar esse jogo. Foi o momento mais marcante da época e ficamos com a ideia de que se houvesse mais cinco ou dez minutos tínhamos ganho o jogo. Foi um grito de revolta, porque muita gente duvidava de nós. A partir desse jogo as pessoas começaram a ver-nos de maneira diferente.
ZZ: O João Henriques [treinador do Santa Clara] disse que no início muitos desconfiavam do plantel, mas que depois havia muitos jogadores cobiçados. É a prova cabal de que o Santa Clara tinha e tem equipa com qualidade?
FC: Nunca duvidamos. Víamos a qualidade que tínhamos e a intensidade e entrega que dávamos aos treinos e jogos. Sabíamos do que éramos capazes e um dos nossos objetivos era mostrar às pessoas isso mesmo. Para que acreditassem tanto ou mais do que nós.
ZZ: O futebol é muito isso. De altos e baixos. Depressa passam de melhores a piores. Como é vocês lidam com a crítica?
FC: Não lemos muito, trabalhamos mais do que lemos. Sabemos o que fazemos, sabemos que quando ganhamos não está tudo bem e quando perdemos não está tudo mal. É preciso saber lidar com as críticas, mas também é preciso saber se são construtivas ou algo com fundo de verdade. E é preciso fazer essa seleção. Temos uma equipa técnica fantástica, que quando é para criticar também não nos poupa. A crítica que mais nos importa é a nossa. Aceitamos muito bem a crítica construtiva, pois somos uma equipa que quer alcançar a perfeição e que sabe que para isso vai errar muito.
ZZ: O que para ti seria a perfeição?
FC: Não pensamos muito no fim, é jogo a jogo. Queremos atingir a manutenção, mas agora é jogo a jogo. Entramos em cada jogo para ganhar, seja em casa contra uma equipa do mesmo nível, seja fora contra o FC Porto, Benfica ou Sporting. Queremos ganhar sempre.
ZZ: Tens este e mais dois anos de contrato. É importante ter esta estabilidade?
FC: Compito sempre a pensar no meu futuro. Gosto de estar no Santa Clara, sou muito feliz aqui, estou tranquilo também pelos anos de contrato que tenho, mas tenho ambição. Trabalho todos os dias para dar o salto o mais rápido possível, mas sei que estou bem aqui.