O último verão trouxe uma enorme mudança na carreira de Wilson Eduardo. Depois de cinco anos ao serviço dos Gverreiros do Minho, o extremo rumou aos Emirados Árabes Unidos para reencontrar Pedro Emanuel e representar o Al Ain. A passagem pelo futebol português foi abordada na primeira parte de uma entrevista ao zerozero que pode ler aqui.
A entrevista continuou até ao presente, numa conversa aberta sobre a vida de Wilson Eduardo, a primeira que abordou toda a sua carreira, admitiu. As «interrupções para rezar», a relação com Pedro Emanuel e Nakajima e ainda o regresso do irmão João Mário ao Sporting. Está tudo aqui.
zerozero (ZZ): Estavas em último de contrato e surgiram vários rumores, incluindo um do Sporting, que estaria interessado em contar contigo. Isso teve algum fundamento?
Wilson Eduardo (WE): Vou ser sincero. Saiu tanta notícia… Vou falar por experiência própria porque nunca tinha estado numa situação dessas. Uma pessoa quando está em último ano de contrato aparecem pessoas de todo o lado. Eu tenho as minhas pessoas que trabalham comigo e da minha confiança, mas aparece tanta gente com propostas para aqui e para ali e muitas das vezes nem é verdade. Falando do Sporting, eu não sei de onde é que surgiu essa notícia. Ninguém falou comigo, não tive conversa com ninguém do clube nem nenhuma das pessoas que trabalham comigo tiveram conhecimento. As pessoas olham para um negócio e para um jogador, neste caso, como uma oportunidade de negócio. E depois acaba por ser prejudicial para o jogador porque é tanta gente… Estes últimos seis meses que estive em Braga foi uma coisa absurda. Todos os dias era mensagem, chamada ou um jornalista a dizer que tal pessoa tinha uma proposta de um clube. Tanta gente que quer fazer negócio e quer tirar alguma coisa que acaba por surgir notícia. Lembro-me que saiu da Arábia, Grécia, Turquia… Tanta notícia que muitas delas eu nem faço ideia de onde surgiram, como foi essa do Sporting.
ZZ: Olhando para o lado internacional, tu decidiste, aos 28 anos, representar a seleção de Angola. Porquê essa escolha?
WE: A seleção de Angola já tinha tentado que eu representasse o país há alguns anos. Eu achei por bem não aceitar. Lembro-me que a primeira vez que eles tentaram eu ainda estava no apuramento sub-21 e não quis aceitar. Depois em conversa com o meu pai e a minha família, mais por força do meu pai, achei que era a altura de aceitar. Poderia ter esperado para ver se a Angola ia a algum campeonato grande, como a CAN. Mas não quis esperar para parecer que era só interesse. Foi na altura que teve de ser, ainda houve alguns problemas com a documentação que não me deixou ir mais cedo, mas foi uma decisão minha em conjunto com o meu pai. Também pelo esforço que eles fizeram durante os anos e porque é um país que eu tenho ligação porque os meus pais são angolanos e praticamente toda a minha família também.ZZ: A tua estreia foi marcante com o golo decisivo para o apuramento para a CAN.
WE: É verdade. Eu tinha sido convocado ainda na jornada anterior a essa, só que com os problemas com a documentação não consegui fazer a estreia. Acabo por estrear-me no último jogo da fase de grupos em que temos de vencer. Marco o golo que deu vitória e como é óbvio é bom.
ZZ: Vários jogadores como Hélder Costa, Aurélio Buta têm sido falados para a seleção angolana. Perspetiva-se uma nova era que seja possível rivalizar com as melhores seleções africanas?
ZZ: Voltando ao capítulo dos clubes, tu escolheste rumar ao Al Ain. Como é que isto surgiu?
WE: Surgiu porque estava em final de contrato e acabei por conseguir escolher aquilo que pretendia para o futuro. E o mister Pedro foi uma pessoa com quem já tinha trabalhado e gostei de trabalhar e falou comigo. Disse-me que seria uma experiência diferente, que está a ser, e que seria um campeonato, apesar de inferior, bom para mim e foi mesmo por isso. O facto de vir para um sítio onde tudo é diferente, a cultura é diferente, o tempo é diferente e ter alguém que conheça e que eu posso dizer que sei para o que vou, foi uma decisão que tive.
ZZ: E a adaptação?
WE: Sinceramente, o início não foi fácil. Por tudo aquilo que disse ainda agora. Quando cheguei eles também tinham parado pela pandemia e já não estavam a treinar há quatro meses e não nos foi permitido fazer a pré-época fora. Foi complicado porque não estamos habituados em Portugal a temperaturas elevadas como fazem aqui. A pessoa não consegue correr, pensar. A cultura é diferente. Há uma coisa que nunca tinha visto que são jogadores que têm os horários para rezar e nós temos de respeitar, como é óbvio. Mesmo nos jogos, às vezes quando o jogo é mais cedo temos de sair do aquecimento mais cedo porque eles têm de rezar. Não estava habituado, neste momento já estou.
ZZ: Reencontras o Pedro Emanuel, com quem já tinhas trabalhado na Académica. Quais são as principais diferenças que encontras no mister?
ZZ: Tenho de perguntar pelo Nakajima. Saiu do FC Porto para o Al Ain. Chegaste a conviver com ele antes da lesão?
WE: Não cheguei a ter uma relação com ele. Claro que falamos, mas era complicado porque ele não fala muito bem inglês, também não fala muito bem português. Nós temos um japonês aqui com quem ele estava sempre. Quando chegou teve de ficar de quarentena, depois quando começou a jogar fez dois jogos e teve esta lesão grave e agora nem sei se ainda está no país, se está a fazer tratamento no clube ou no Porto. Acabou por ser uma pessoa com quem tive um relação durante três semanas, não mais que isso.
ZZ: O Al Ain costuma lutar pelo título, mas neste momento as coisas não estão a correr da melhor maneira. Consegues explicar a razão?
ZZ: E um regresso a Portugal? Ainda sonhas com isso?
WE: É uma boa pergunta e uma pergunta complicada. O jogador responde que é imprevisível e é mesmo isso. Hoje estamos aqui como amanhã podemos não estar. Eu hoje posso estar neste campeonato, amanhã posso estar noutro e o futebol é uma inconstante. Nós nunca sabemos o que vai acontecer. Eu saí de Portugal esta época por isso neste momento não estou a pensar voltar, exceto para férias ou para a família.
ZZ: Olhando para a tua família, são todos irmãos ligados ao desporto, quer no futebol ou no futsal. Sempre foram muito competitivos?
ZZ: No início disseste que tens acompanhado o Sporting, mas ainda mais por teres o João Mário. Como surgiu a decisão dele em ir para lá?
WE: Desde o início sei que ele sempre quis voltar. Antes de ele aceitar voltar para o Sporting nós falámos, como falámos praticamente todos os dias, e lembro-me que uma das coisas que ele me disse foi o que toda a gente sabe, que ele queria voltar. Primeiro para se sentir novamente feliz no futebol, e felizmente as coisas estão a correr bem. Depois porque sabia que este ano, com o adiamento do Europeu, só a jogar poderia em estar novamente. Tem estado a jogar e correr bem, não só a ele, mas também à equipa toda do Sporting. Posso dizer e toda a gente consegue ver que foi a escolha acertada porque, além de estar novamente feliz, como se nota que está em campo, a oportunidade de voltar à seleção é cada vez maior e é por isso que ele tomou esta decisão.
ZZ: Surgiu a notícia de que tu ajudaste a pagar alguns salários aos funcionários do Vitória de Setúbal. Porquê o gesto?
WE: Não é que nós queiramos que essas notícias saiam porque eu não ajudo para mostrar, mas já que saiu, pode ser que mais pessoas fiquem sensibilizadas e mais gente possa ajudar. Este projeto em que eu estou incluído não começa por mim, começa pela malta no CNS. Quando foi a paragem do Covid, eles juntaram-se para ajudar aqueles que mais necessitavam na altura, que é o «Futebol Para a Vida», e eu sempre quis fazer parte, seja a pagar ordenados ou a meter comida em casa, que é o que o nosso grupo tem feito. Nós temos tentado ajudar e foi assim que surgiu essa notícia em que nós soubemos que os funcionários do Vitória estavam com vários ordenados em atraso. E da mesma forma que eu agora estou a construir a minha família, a minha filha está para nascer, eu também começo a pensar na dificuldade que essas pessoas tenham. O mais importante é poder ajudar a que metam a comida em casa e é isso que nós tentamos fazer. Hoje vê-se muitos clubes do CP a desistir e a não ter a capacidade para pagar os ordenados aos jogadores e sabemos que a situação não é a mais fácil.