A 14 de setembro de 2018, o zerozero publicou um artigo com o título «Um Barcelona 'milionário' e uma La Masia na escuridão: a crise de identidade em Can Barça» em alusão ao desvio preocupante do rumo de um dos maiores e melhores clubes da história do futebol. Foram feitas análises, entre outros temas, aos milhões gastos em transferências, à queda do Barcelona B e às polémicas envolvendo a gestão diretiva. Quase três anos mais tarde, a bolha rebentou e o conjunto catalão atravessa, por esta altura, uma das (se não a) maiores crises da sua história.
Mas afinal, o que levou o Barcelona a chegar a este ponto? Antes das eleições para o novo presidente (7 de março), destacamos cinco pontos que ajudam a explicar o desastre atual.
A saída de Rosell em janeiro não havia sido propriamente pacífica e o escândalo da transferência que levou Neymar para Catalunha acabou por rebentar uma bolha inchada por uma sequência de outras polémicas graves, como a que levou a que o clube ficasse impedido de contratar durante duas janelas de transferências. Bartomeu assumiu em janeiro como interino, foi forçado a renunciar em fevereiro por ter sido incriminado pelo mesmo juiz devido a fraudes fiscais nas negociações por Neymar, concorreu e ganhou as eleições em julho do mesmo ano. Resumidamente, a sua imagem ficou manchada desde o início por motivos óbvios.
Quase seis anos depois, Bartomeu resignou ao cargo de presidente (já foi detido devido ao BarçaGate), com uma mancha ainda maior do que a inicial, deixando o Barcelona afundado numa crise desportivo-financeira grave.
No total, 13 títulos com a primeira equipa de futebol, entre outros tantos nas restantes modalidades, com destaque óbvio para o triplete de 2014/15 (campeonato, Taça e Liga dos Campeões) sob o comando de Luis Enrique e a magia do MSN, o bebé do presidente. Aí, os resultados financeiros e desportivos eram animadores, mas tudo isso se deteriorou com o passar do tempo.
Longe de um mar de rosas, mais próximo de um mar poluído. Uma força significativa do universo culé foi-se insurgindo contra a gestão de Bartomeu, entre má comunicação, promessas falhadas e acontecimentos pouco dignos quer dentro, quer fora das quatro linhas.
Até porque a lista de polémicas é consideravelmente longa, a leitura fica mais percetível no seguinte formato:
Certamente que a pandemia da Covid-19 provocou alguns e detonou alguns pontos supramencionados, mas, para os aficionados culés, o facto de Bartomeu ter anunciado a demissão e abandonado o cargo pelo próprio pé tratou-se de justiça poética. Para o ex-presidente, a Generalitat (governo da Catalunha) foi a culpada por «não ter inviabilizado o referendo à liderança do clube em plena pandemia e crise sanitária».
Longe vão os tempos em que Leo Messi era feliz em Barcelona. Claro que o brilho não sai das suas botas e é decisivo em quase todos os jogos, mas os efeitos da crise do clube transbordaram claramente para o seu rendimento.
Em três momentos marcantes, Messi mostrou ser contra a gestão do antigo presidente, como um autêntico membro da oposição. Defendeu-se a si e à restante equipa na ressaca da humilhação europeia diante do Bayern Munique (2x8) por causa da entrevista crítica de Eric Abidal, então secretário-geral; atacou a direção pela saída de Luís Suárez, utilizando expressões como «não devias ter sido expulso» e «nada me surpreende por esta altura»; e, por fim, a entrevista à Goal, em que, para além de garantir a sua continuidade por mais uma época, acusou Bartomeu de «ser um homem sem palavra».
No verão de 2020, já «cansado de ser sempre o problema», Messi instalou o pânico em Barcelona e colocou o mercado futebolístico em êxtase ao ter pedido para sair da Cidade Condal, sua casa há mais de 20 anos de onde nunca, em momento algum, mostrou vontade de sair, pelo menos em praça pública.Por fim, a reportagem do jornal El Mundo sobre a sua situação contratual também caiu como uma bomba. Segundo a referida fonte, o vínculo assinado em 2017 ficou estipulado em 555 milhões de euros em quatro temporadas – cláusulas estranhas incluídas – e rapidamente se levantaram os números em relação aos gastos do Barça com o astro sul-americano.
É outro dos pontos críticos. O plantel é desequilibrado, está em subrendimento e a renovação não foi efetuada devidamente.
Esta questão, aliada aos erros de casting nas janelas de transferência, continua a contribuir para as frequentes desilusões desportivas a nível nacional e, sobretudo, internacional que danificam o nome e a imagem do Barcelona como um dos mais bem-sucedidos clubes da história.
Como consequência, rolam cabeças no comando técnico pelo fraco rendimento. Mas se a máquina não oleia como suposto, talvez o problema esteja mesmo nas peças…
Durante o reinado de Josep María Bartomeu, a política de contratações do Barcelona mudou drasticamente, virando de pernas para o ar a identidade muito própria de um clube que fazia dos canteranos da Academia os reforços mais sonantes.
Feitas as contas, com o ex-presidente foram gastos uns impressionantes 1.081,35 milhões de euros em 34 jogadores e nem todos para a equipa principal. Pelo meio, vários negócios incompreensíveis – nomeadamente de vários jogadores brasileiros – que não tiveram o mínimo impacto na esfera desportiva.
Foi também com Bartomeu que chegaram nomes com Ter Stegen, Rakitic ou Luis Suárez, mas, também com o mesmo dirigente, o croata e o uruguaio, duas figuraças do passado mais recente dos blaugrana, abandonaram à força e sem qualquer retorno, tanto que criticaram publicamente a direção pela forma como foram tratados.
Em termos de vendas, o valor ascende aos 724,05 milhões de euros: ou seja, o défice ainda é bastante considerável. Muitas delas de jogadores contratados anteriormente que não renderam o que se esperava.
A lista completa:
É outro dos temas recorrentes e mais debatidos: a falta de canteranos que vinguem na equipa principal e transportem a mística culé, como Puyol, Xavi ou Iniesta. Desde a saída de Guardiola, em 2012, o Barcelona mergulhou numa crise de identidade profunda, tendo a La Masia sido a principal lesada.
E mais: o próprio Barcelona B, que caiu nas profundezas do terceiro escalão, passou a ser uma espécie de carrossel de negócios, com quase 20 milhões de euros canalizados para a contratação de jogadores que praticamente forçaram jogadores da casa a procurar novos desafios.
Ansu Fati e Riqui Puig – mais o primeiro do que o segundo – emergiram e chegaram ao patamar mais alto. Mingüeza também tem recebido destaque, mas mais numa «solução de emergência» para colmatar as muitas baixas na defesa. Há esperança em Pedri, Dest ou Trincão, todos eles diamantes por lapidar e sem escola de Barcelona, um colosso à deriva.