* com Francisco Paulo Carvalho
O treinador português é cada vez mais desejado lá fora e é cada vez mais comum encontrá-los nos campeonatos mais distantes e mais peculiares. Na terra das pirâmides e dos faraós, o Egipto, há Jaime Pacheco, que treina o Zamalek, na primeira divisão, mas há um outro que está a tentar conduzir um jovem clube ao regresso aos grandes do futebol egípcio.
Nélson Santos tem 36 anos e já conta com alguma experiência no que toca a ser treinador. Já passou pelo Campeonato de Portugal, por dois dos melhores clubes de Moçambique, já foi adjunto em dois históricos da Primeira Liga portuguesa e até já andou pela recente Liga Revelação.
Agora, aceitou o desafio de fazer o Nogoom FC - com quem renovou recentemente -, da segunda divisão do Egipto, regressar ao principal escalão daquele país. Em conversa com o zerozero, o técnico abriu o livro e falou de vários temas, desde o projeto deste clube criado em 2006 - que já contou com uma parceria com a academia da Pepsi, onde já passaram jogadores como Mohamed Salah -, às dificuldades e diferenças culturais que tem enfrentado no Egipto.
ZEROZERO: Como surgiu a possibilidade de rumar ao Egipto e mais concretamente ao Nogoom?
Nélson Santos: Depois de passar por Moçambique e pelo Campeonato de Portugal, decidi procurar outros desafios e acabei por voltar a Portugal para me juntar à equipa técnica do Silas e do Zé Pedro, com quem tenho uma boa relação e já tinha trabalhado, no Belenenses. Estive com eles na temporada 19/20 e acabámos por sair logo na 4.ª jornada, mas eu fiquei na equipa sub-23 até ao período de quarentena em que os campeonatos pararam. Foi aí que decidi sair e vir para Nogoom, porque era um projeto muito interessante e uma experiência diferente. Tendo em conta que estávamos perante o início de uma pandemia não me passava pela cabeça sair de Portugal, mas infelizmente não surgiu nenhum projeto para ficar e acabou por surgir esta proposta através do meu empresário. O Egipto em termos de continente africano é como se fosse a Premier League na Europa e prova disso é que a final da Liga dos Campeões africana opôs o Zamalek do Jaime Pacheco e o Al Ahly – o Al Ahly acabou por vencer por 1x2 -, ambos egípcios. O campeonato egípcio (e as equipas do Norte de África) domina as competições internacionais. Sempre tive curiosidade de trabalhar num campeonato de norte de África por isso mesmo e o Egipto, pela sua proximidade ao mundo árabe, é um trampolim muito fácil caso se faça um bom trabalho. Eu não fiz carreira de jogador e quando assim é, é mais difícil arranjar trabalho de treinador e temos de procurar outros caminhos e eu estou a fazer o meu via continente africano para alcançar outros voos.ZZ: O facto de estarem na segunda divisão não o desmotivou a ir para o Egipto?
Nélson Santos: O Nogoom há dois anos esteve na Primeira Liga. Não tinha como meta subir, mas acabou por consegui-lo. Contudo, quando o fez, não estava preparado para se afirmar e acabou por descer novamente. O ano passado quiseram voltar a subir, mas não conseguiram e acabaram por quase descer à terceira divisão. Não me desmotivou, porque tenho os pés bem assentes na terra e sei que é cada vez mais difícil entrar no mercado português. Ou se emigra, ou se tem muitas dificuldades, porque há falta de oportunidades, mesmo com a grande geração de treinadores que está a aparecer. Se queremos seguir a vida de treinador de futebol temos de arriscar. Isto é um teste, estou a ser posto à prova. Há coisas que pensava que não pensava que ia voltar a passar e já passei, mas vamos continuando com as armas que temos. O clube quer regressar à primeira liga, mas não é assim tão fácil. É um campeonato de 16 equipas onde só uma sobe – o campeonato está dividido em três séries com 16 equipas cada e só uma de cada série sobe. Quando vim há três meses para o Egipto vim com o intuito de me adaptar primeiramente.
ZZ: Apesar dos seus ainda 36 anos, já conta com alguma experiência. Passou pelo Belenenses SAD, Marítimo, Moura, Costa do Sol e Ferroviário de Maputo, em Moçambique. O que diferencia o Nogoom enquanto clube dessas outras experiências?
Nélson Santos: O clube precisava de ser organizado, estruturado e as coisas levam tempo. Uma das minhas missões é ajudar nessa organização, profissionalizá-lo. Este clube antigamente era a equipa da Pepsi, uma academia à semelhança da Taça Coca-Cola em Portugal, que organiza torneios por todo o país e recruta os melhores jogadores para vir para a academia do clube. O Mohamed Salah passou por este projeto, o Hassan que jogou no Braga também e outros três ou quatro jogadores de renome egípcios também. O clube tem ainda uma ligação ao Benfica, onde estão cá dois treinadores portugueses ligados ao Benfica, que estão responsáveis por toda essa formação. Desta forma implementam a filosofia de treino do Benfica, uma das melhores escolas de formação do mundo, aqui. A minha vinda também veio nesse sentido de dar maior qualidade no treino. 90% da minha equipa tem uma média de idades a rondar os 20 anos e para ter resultados também é preciso experiência. Nos últimos cinco jogos da época passada perdemos nos últimos 10 minutos, no período em que é mais preciso experiência, inteligência, malandragem. Este é um clube formador e vendedor, pelo que a idade é normal. Nós temos cerca de 100/150 crianças a dormir na academia do clube. Têm as refeições lá, treinam e têm o sonho de chegar à equipa principal.
ZZ: Conta na sua equipa técnica com o José Ferreira, treinador de guarda-redes. Tem jogadores portugueses no plantel?
Nélson Santos: Na Segunda Liga podemos ter dois estrangeiros no plantel. Quando vim tive a oportunidade de trazer dois portugueses, mas acabou por não acontecer. Eu gosto de jogar pelo seguro, estar no terreno e analisar se há condições para trazer as pessoas para cá. Agora vou assinar com um jogador nigeriano e outro da Gâmbia, pelo que o plantel está praticamente fechado. Eles aqui procuram mais o jogador africano.
ZZ: A barreira linguística dificulta muito o seu trabalho de treinador?
Nélson Santos: Bastante. Já tive cinco tradutores, por vários motivos. Traduzir uma linguagem técnica de futebol é diferente de traduzir algo relacionado com cozinha ou outro tema. É preciso alguém que já tenha jogado ou jogue futebol, porque precisas que a mensagem seja exatamente a que estavas a pensar. Às vezes dava um grito a dizer «vira o jogo» e ele traduzia «podes virar o jogo se faz favor», é diferente. Além disso a questão de estar a falar inglês com o tradutor não ajudava. Tenho perdido mais tempo e as minhas sessões têm sido maiores precisamente por causa disso. Não vale a pena fazer coisas muito complexas porque colocar variantes vai fazer pior, não vai resultar. Entretanto nestes três meses já sei algumas palavras em árabe, pelo menos as mais técnicas, e tenho dois ou três jogadores que falam em inglês, o que facilita muito e acaba por não ser comum no Egipto. Tem sido uma barreira extremamente difícil, que vou tentando utilizar com a utilização de vídeos, por exemplo.
ZZ: Sente que tem havido um maior investimento no futebol egípcio e africano no geral?
Nélson Santos: Sim, sem dúvida. Basta ver o exemplo do Pyramids. Eles ficaram em 3º lugar na Primeira Liga nos últimos dois anos e este ano até foram buscar jogadores ao Al-Ahly. Pertenciam ao grupo City e têm uma grande capacidade financeira e têm apostado bastante. De tal modo que têm trazido sempre treinadores de renome e com bastante experiência internacional. Sinto que na segunda liga há uma grande diferença em relação à primeira no que toca às condições de trabalho, campos e tudo mais. No último jogo apanhei balneários com as paredes todas riscadas com táticas. É algo que nunca tinha visto. Há estádios bons na segunda liga, mas são os de clubes com maiores investimentos, que pertencem a empresas, por exemplo. Com a Taça do Egipto terei oportunidade de ver melhor como são os clubes das divisões mais baixas – há quatro no Egipto.
ZZ: Renovou recentemente contrato com o clube para esta nova temporada que agora vai começar. O que o levou a querer continuar? Sente que foi um voto de confiança?
ZZ: Qual o principal objetivo para esta temporada?
Nélson Santos: Neste momento o objetivo é claramente subir. É muito mais fácil vender os jogadores estando na Primeira Liga do que na Segunda, isso é geral. A ideia é potenciar e vender jogadores. Há jogadores com muita qualidade. Nem todos vão chegar lá naturalmente, mas para que isso possa acontecer tem que haver uma boa metodologia de treino e boas condições. Se a equipa estiver num patamar competitivo mais elevado, melhor. Quando fui convidado para vir para cá foi nesse sentido.
ZZ: No Egipto tem o exemplo do treinador Jaime Pacheco, no Zamalek. Como sente que é visto o treinador português aí?
ZZ: Como tem lidado com a cultura do Egipto? É muito distinta da portuguesa?
Nélson Santos: Aqui a semana de trabalho, assim como o horário dos treinos, é um pouco diferente daquilo que estamos habituados, também por causa das rezas e tudo mais. Estamos habituados a jogar ao sábado e ao domingo em Portugal, aqui varia muito mais. Não vamos ter pausa para o Natal nem para o Ano novo. A cultura deles não comemora essas datas, por isso vai ser uma experiência também diferente. Estar longe da família, não ir a Portugal, até porque está complicado de viajar com a pandemia. É uma diferença cultural bastante grande, mas não foi um grande choque, porque quando estive em Moçambique preparou-me para muita coisa em termos de falta de recursos, de trabalhar com jogadores que não pensam tanto o jogo. Aqui o choque não foi tão grande, mas acredito que para alguns colegas meus de profissão fosse muito difícil. Tive que me adaptar e perceber que todos os dias há algo diferente para me preparar.
ZZ: Quais as principais diferenças do futebol praticado no Egipto e em Portugal?
ZZ: Conta com um longo passado de ligação ao Belenenses. Sonha com um regresso a Belém?
Nélson Santos: Quanto mais tempo estiver a trabalhar no futebol é o mais importante. Gostava claramente de estar em Portugal, no meu país, e de estar perto da minha família, mas sabendo que cada vez é mais difícil isso acontecer, não vejo o regresso a Portugal tão depressa. Quanto a regressar ao Belenenses, é um talvez, afinal sou um profissional do futebol. Quanto mais tempo estiver fora, mais difícil será regressar a Portugal. A questão da Covid também fez com que os orçamentos dos clubes baixassem e isso abriu e pode abrir oportunidades a treinadores noutras realidades.
ZZ: Quais os seus principais objetivos para o seu futuro enquanto treinador?
Nélson Santos: Essencialmente continuar no ativo, de preferência em ligas profissionais e onde tenha valorização, reconhecimento e visibilidade pelo meu trabalho. Não vou dizer que gostava de treinar equipa x ou na liga y, até porque isso também depende da sorte. Quero procurar fazer bons trabalhos, em campeonatos mais competitivos e que me obriguem a ter desafios difíceis. Agora, isso não é fácil, mas quero poder continuar com esta paixão e esta paixão, apesar de se tratar de uma vida difícil e de uma profissão muito ingrata.