* com Francisco Paulo Carvalho
Criado há apenas cinco anos, o FK Panevezys é um pequeno clube da Lituânia que tem vindo a crescer de forma bastante acelerada e que esta época, sob o comando do técnico português João Luís, antiga glória do Marítimo, e com a ajuda do seu compatriota e comandado Rafael Floro, conquistou a sua primeira Taça da Lituânia da história.
Se isso não fosse suficiente, esta criança do futebol lituano também se qualificou pela primeira vez para a Liga Europa, onde se irá estrear na edição da próxima temporada. O zerozero esteve à conversa com a dupla de portugueses para conhecer melhor este clube e para falar das suas conquistas.
Nascido em 2015 na mesma cidade que lhe dá o nome, Panevezys - a 5ª maior cidade da Lituânia, com uma população de cerca de 113 mil habitantes, segundo o Departamento de Estatística da Lituânia -, este jovem clube nasceu autenticamente da miséria de outra equipa.
Nesse ano, aquele que era o representante da cidade, o FK Ekranas - campeão nacional que chegou a disputar as eliminatórias da Liga dos Campeões -, não conseguiu cumprir os critérios financeiros da A Lyga e declarou bancarrota (o clube foi restaurado este ano, encontrando-se neste momento na 3ª divisão da Lituânia). Para preencher a lacuna deixada pelo Ekranas no futebol da cidade nasceu o FK Panevezys, que fez a sua estreia na segunda divisão da Lituânia nesse ano ao terminar em 8º lugar.
A ascensão do Panevezys foi bastante rápida e depois de mais três temporadas na Eu Lyga conseguiu subir ao principal escalão do futebol lituano. Na época de estreia alcançou um honroso 5º lugar - no total de oito equipas - e esta época, quando falta disputar apenas um jogo - a temporada na Lituânia é por ano civil - encontra-se no 6º lugar, podendo assim subir um lugar na tabela classificativa caso vença o Banga Gargzdai na última jornada e o FK Riteriai não vença em casa do FK Zalgiris, equipa que ainda pode ser campeã.
Se o Panevezys não alcançou uma melhor classificação, em muito se deveu ao início lento que teve na liga este ano. Embora tenha sido o responsável pela subida à Primeira Liga, o técnico romeno Alexandru Curtianu teve um início negativo, com quatro derrotas em quatro jogos no campeonato. Face a esse início de campeonato, e já depois de uma longa interrupção desportiva devido à pandemia de covid-19, os dirigentes do Panevezys optaram por acabar a sua ligação a Alexandru Curtianu e chamaram para o seu lugar um bem conhecedor do campeonato: o técnico João Luís Martins.
Conhecido pelos seus tempos de jogador no Marítimo - onde fez toda a sua formação e jogou a nível profissional 11 temporadas - o português de 53 anos já treina desde 2003/04. Depois de passagens enquanto treinador-adjunto pelo Recreativo Libolo, de Angola, Al-Ahli, do Catar, e o Al-Qadisiya, da Arábia Saudita, João Luís viajou para a Lituânia em 2016 e não mais de lá saiu a nível profissional. Passou pelo FC Stumbras e pelo FK Zalgiris, dois dos maiores clubes do país, e aterrou no início de julho em Panevezys, onde já tinha à sua espera um plantel com o ala esquerdo Rafael Floro e com os luso-brasileiros Rafael Broetto e Matheus Bissi.
Se no campeonato totalizou, até ao momento, uma vitória, quatro empates e seis derrotas - todas elas pela margem mínima -, na taça a história foi, definitivamente, mais feliz. Quando chegou, o Panevezys já tinha garantida a presença nas meias-finais da Taça, onde goleou o FK Riteriai por 4x0, com um dos golos a ser apontado, de livre, por Rafael Floro, que recordou esse momento em conversa com o nosso jornal: «Batemos sempre livres antes do jogo e eu tinha feito uma aposta com os meus colegas. Estava confiante nesse jogo e surgiu o livre. Disse que queria bater e correu bem, deu golo», recorda o lateral que, em Portugal, já passou por clubes como o Belenenses, Gil Vicente ou Olhanense.
Quatro dias depois foi disputada a final, frente ao FK Suduva. Floro deixa recordações de uma equipa confiante: «Tínhamos tido um resultado muito bom contra uma equipa da nossa liga. A equipa estava toda concentrada, ainda para mais a final e a taça eram um objetivo em si, assim como ir à Liga Europa. Estávamos focados», descreve o jogador de 26 anos.
Focados ou não, a final teve mesmo que ser decidida nas grandes penalidades, depois de uma igualdade a uma bola no tempo regulamentar. João Luís deixa-nos a visão do treinador dessa partida: «As coisas correram muito bem, do ponto de vista estratégico e do ponto de vista geral. A equipa defendeu muito bem, sem colocar o autocarro, como se costuma dizer. Não foi fácil, é um adversário difícil e a minha equipa não conseguiu jogar todo o seu jogo».
Chegada à decisão através das grandes penalidades, os dois confessam que estavam bastante confiantes. Rafael Floro foi um dos escolhidos para bater e conta que «não estava nada nervoso» e prova disso foi que marcou. Já o seu treinador parecia estar à espera de um momento como estes, tendo até intensificado o treino um mês antes da meia-final: «Treinamos muito as penalidades ao longo da época».
Lotaria ou não, o Panevezys acabaria por vencer por 6x5. João Luís conta que o seu guarda-redes, Rafael Broetto, «partiu um dedo durante o jogo e quando defendeu a grande penalidade decisiva foi a explosão de alegria». «Posso dizer que vivi os penáltis da mesma forma que vivi o resto do jogo, estava confiante na minha equipa, mas assim que acabou houve uma bomba de emoções em que não me consegui controlar e até levantei a gola para cobrir a minha cara», descreve o técnico português.
Não nos foi possível falar com adeptos do Panevezys, até porque a barreira linguística não o permitiria, mas se há algo que quem vive o clube concorda é que o Panevezys que se conhecia há uns meses não é o mesmo de agora e há um grande responsável por isso.
«O mister tem dado uns toques aqui e ali que nos têm vindo a ajudar a profissionalizar mais o futebol», garantiu Rafael Floro. Afinal, que pontos são esses? A resposta de João Luís foi esclarecedora.
«Quando cheguei a equipa não estava destruída, mas estava muito distante daquilo que eu defendo para a minha forma de jogar, mas ao mesmo tempo os jogadores estavam muito abertos a receber novas ideias de jogo. Foi um processo gradual e hoje estamos muito mais identificados, até tenho mensagens muito mais curtas nos dias de jogo do que tinha no início. A bola circula muito mais, jogamos da forma que quero, criamos muitas oportunidades de golo».
Contudo, as mudanças vão muito além do que a implementação de um estilo de jogo baseado na posse de bola - segundo João Luís, desde a sua chegada o Panevezys é uma das equipas com maior percentagem média de posse de bola. De acordo com a antiga glória do Marítimo, um dos pontos que diferenciam um clube da Lituânia que pretende ter um projeto duradouro e ambicioso de um que corre o risco de desabar mais tarde ou mais cedo, como foi o caso do Ekranas, é a organização e a aposta na formação.
Quando questionado sobre essas mesmas mudanças, Rafael Floro ri-se enquanto conta uma curiosa história onde o ingrediente principal era nada mais nada menos que batata doce: «Tivemos uma situação engraçada, quando o mister falou da alimentação à equipa e falou de batata doce. Alguns miúdos de 15/16 anos não sabiam o que isso era e o mister trouxe batata doce para comerem, houve quem não quisesse».
Também o mister João Luís ri quando é mencionada esta história, mas esclarece um pouco melhor a sua origem. «Eu sabia que tinha ali em 11 dias quatro jogos importantes. Sabia que o clube tinha que crescer na sua base e que se queríamos jogar à Europa, fosse pelo campeonato ou pela Taça, tínhamos de estar no nosso melhor, por isso tinha que olhar para esses quatro jogos de forma especial», começa por explicar.
De seguida, João Luís esclarece que, além de ter reforçado entre o seu plantel a importância de descansarem convenientemente, a alimentação era também muito importante e por isso falou com uma amiga nutricionista, que lhe aconselhou a introduzir a batata doce na alimentação dos seus jogadores. «Sugeri que os jogadores consumissem nesses dias e acabou mesmo por ser motivo de um cântico no dia do jantar, arranjaram um refrão com a batata doce e tudo», diz entre risos.
A sua clara juventude enquanto clube dificulta a criação de uma verdadeira essência e mística do FK Panevezys enquanto clube, mas, segundo Floro e João Luís, não deixa de ser um clube com algumas características já próprias. Ambos já passaram por outros clubes lituanos, incluindo o Stumbras, onde estiveram juntos em 2018, pelo que conseguem já ter um termo de comparação.
O jogador português destaca, acima de tudo, a honestidade de quem está ligado ao clube: «Tudo o que fala, cumpre. Se dizem que é x, é mesmo isso que acontece. Se os jogadores precisam de alguma coisa eles não falham em nada. São fantásticos nisso», refere.
Ambos concordam quando dizem que na Lituânia o desporto-rei é o basquetebol, o que faz com que o futebol seja um pouco colocado em segundo plano. No entanto, ambos também sentem que a cidade de Panevezys é aquela onde mais se sente futebol na Lituânia: «Na Lituânia vive-se muito mais o basquetebol que o futebol e agradou-me muito chegar a Panevezys e o futebol ter um pouco mais interesse por parte dos adeptos do que tinha visto nas outras cidades», aponta João Luís.
Nenhum dos dois portugueses tem ainda a certeza onde estará na próxima época, mas ambos garantem que a vontade passa por continuar no Panevezys e continuar a fazer história neste pequeno grande clube da Lituânia.
1-1 | ||
Ernestas Veliulis 22' | Renan Oliveira 26' (g.p.) |